- Está a lutar pelo cinturão de ouro da WBA. Como se sente em relação a isso?
- A preparação está a correr bem. Cheguei ao meu novo clube há 17 meses e estamos a entender-nos cada vez melhor com o meu treinador. Estamos a adaptar-nos e há muitas coisas que podemos melhorar. Deixo para a minha equipa, em quem confio plenamente, a análise da minha adversária, apesar de conhecer o seu historial.
- É canhota, por isso cabe muitas vezes às suas adversárias adaptarem-se a isso.
- Sim, estava agora mesmo a falar com o meu treinador sobre isso. O meu último combate foi muito bem filmado, por isso é uma boa fonte para me analisarem (risos).
- Participou num campeonato do mundo como atual campeã europeia. O que é que retira dessa experiência nos Estados Unidos, onde esteve tão perto de conseguir pelo menos um empate?
- Com toda a honestidade, quando assinei este combate, aceitei que não o ia ganhar. Como muitos pugilistas, sabemos que temos de conseguir algo para ganhar fora de casa. Num campo neutro, talvez tivesse ganho. Ainda precisávamos de mais nos Estados Unidos, mesmo que um juiz tenha dado 95-95 (derrota por decisão maioritária). Isso já é uma vitória. E estou muito feliz com este combate. Ter feito algo de bom, mesmo sem um cinturão, é muito importante e não me vou esquecer disso.
- A sua adversária só lutou uma vez na Europa e, embora tenha tido mais combates, não tem mais experiência.
- Digo a mim própria que vai ser um combate muito diferente dos meus dois últimos, que foram combates muito intensos contra raparigas duras, mas também capazes de vencer. Contra a Sánchez, acho que vou ter de me concentrar na minha técnica, talvez mais do que no meu cardio, mesmo que ela me queira derrubar.
- Disputou um campeonato francês no seu terceiro combate e ganhou-o 6 meses depois, em 2020. Estava à espera de o conseguir tão rapidamente?
- Francamente, não. É difícil gerir uma carreira profissional porque, depois do título, o que é que se faz a seguir? Não há uma verdadeira transição porque se vai diretamente para o Campeonato da Europa e a dificuldade não é a mesma. Há um grande intervalo entre os dois títulos e é preciso lutar em França para nos prepararmos. Há um ou dois anos em que se tem a sensação de estar a estagnar antes de se chegar aos títulos de maior prestígio.
- É verdade que vemos muitos adversários com resultados negativos que são vistos como sessões de treino em tamanho real.
- É disso que se trata e é preciso fazer com que as pessoas percebam isso, incluindo aqueles que conhecem o boxe. Não quero atirar pérolas a mim própria, mas acho que sou um bom exemplo disso (risos). Não temos outra opção senão fazer as coisas de forma diferente. O aspeto financeiro também entra em jogo. É também um desporto perigoso, não se pode ir competir no Campeonato da Europa ou do Mundo de um dia para o outro. É preciso prepararmo-nos, é assim que as coisas são. No fim de contas, é preciso tirar o que se pode, dentro dos limites do nosso orçamento. Isso não me impediu de ir aos Estados Unidos para defrontar a número 1 americana. Costumo dizer que fico muito mais stressada com um combate de treino porque, se perdermos, está tudo acabado. É por isso que não subestimo nenhuma pugilista - nada é um dado adquirido. As raparigas que vêm para cá não estão lá apenas para receber a bolsa: estão lá para ganhar e muitas vezes têm muito poucos knockouts.
- Como é que entrou no boxe?
- O meu pai era pugilista (sorri). Como a minha mãe trabalhava até tarde, eu e o meu irmão íamos para o ginásio com ele. Foi assim que surgiu, vendo-o bater no saco. Ele nunca me obrigou a nada, mas ficava muito contente (risos).
- Trabalha paralelamente à sua carreira?
- Tenho um contrato, trabalho num centro de detenção juvenil. Faço controlo de gestão porque, tal como muitos pugilistas profissionais, é preciso trabalhar paralelamente. Trabalho no centro de detenção, mas não estou em contacto direto. Além disso, a minha direção dá-me muito apoio e organiza o meu horário de trabalho. Nem toda a gente tem a sorte de ter um patrão tão compreensivo. Dito isto, nas entrevistas digo sempre que o meu trabalho número 1 é o boxe.
- É um ambiente que nos faz lembrar o peso das regras?
- No boxe, quanto mais se sobe, mais os pormenores contam. A gestão do peso, por exemplo, vem com a maturidade. Quando temos 16-17 anos, dizemos a nós próprios que podemos ir ao McDonald's na segunda e na terça-feira e que, se suarmos na sexta-feira, ficamos bem. Eu também passei por isso quando era adolescente. Se quebrarmos as regras, pagamos o preço. Ninguém vai perder o peso por ti.
- O seu pai está a organizar a gala?
- Isso dá-me a oportunidade de dizer algo sobre o facto de muitas de nós termos de conciliar o boxe com o trabalho. O lugar mais barato será 30 euros, mas muitas pessoas recusam-se a pagar e pedem lugares gratuitos. Haverá 6 combates profissionais, pelo que é difícil sobreviver. E é paradoxal porque nos queixamos de ter de acumular, mas não queremos pagar o bilhete de entrada. É como uma cobra a morder a sua própria cauda. Pensámos se deveríamos baixar o preço, mas preferia que houvesse menos gente, porque também é uma forma de educar as pessoas. Quando se vai ao cinema, com um bilhete e algo para comer, já se está perto dos 30 euros. O mesmo acontece com os restaurantes. Quando estive 4 meses no Canadá, fui a duas galas e a entrada custava 120 dólares canadianos.
- Notou algum burburinho em torno dos resultados do boxe feminino francês?
- Penso que muitas de nós correram riscos este ano. Por exemplo, Rima Ayadi defrontou Elif Nur Turhan (que se sagrou campeã do mundo no sábado à noite). Tivemos algumas adversárias de peso, incluindo algumas estrangeiras. Tivemos grandes combates este ano e o boxe feminino está a dar que falar.
