- A primeira pergunta acho que tem de ser: Como foi possível? O Mjällby desafiou todas as probabilidades para ser campeão sueco.
- Para ser honesto, estou a lutar com o perceber o que aconteceu. Há um ditado que ouvimos muito que nos diz que de acordo com as leis da aerodinâmica, o zangão não pode voar, mas ele não sabe por isso voa na mesma. É o que melhor descreve o Mjällby. Não devia ser possível, há muitas coisas que podemos falar, mas muito tem a ver com o ter uma equipa técnica excelente, trabalhar, competente, ambicioso. São excelentes pessoas. Eu sou muito do trabalho de equipa e eles adaptaram-se. Todos os dias crescem. Os jogadores e a forma como cuidam um dos outros. É lindo. Acho que não há disso em muitos clubes. Treinei muitos jogadores a subirem a profissionais e eles não são bem-acolhidos, todos olham para eles como um adversário. Aqui, o grupo acolhe toda a gente, ajuda a melhorar e é muito amigável. São duas coisas de outras 50 que eu podia dizer, mas foi para ser sucinto.
- A vitória do clube acaba por ser também de uma comunidade conhecida pelo trabalho e capacidade de superação...
- É uma região, se olharem para a história, feita de pessoas trabalhadoras, pescadores, há 20 anos era muita gente a trabalhar na indústria das peles e agricultura. Estão habituados a safar-se sem ajuda, a sobreviverem e acho que isso pode ter influenciado o clube também. Além disso temos muitas pessoas da região, eu nasci em Mjällby, metade do staff jogou aqui como crianças.
- Qual foi o momento em que surgiu o clique? Em que pensaram: 'Vamos ser campeões'?
- É difícil responder, mas eu não fiquei surpreendido. Fizemos a melhor época no ano passado, com um quinto lugar, com vários recordes do clube e toda a gente achava que era difícil fazer melhor, mas nós estabelecemos objetivos mais altos. Queríamos fazer melhor, marcar mais golos, sofrer menos golos, chegar ao futebol europeu. E queríamos ter o ano mais divertido de sempre. Desde aí, toda a gente tem trabalhado no duro para tornar isso possível. Eu sei que todas as estrelas têm de estar alinhadas para isto acontecer. E aconteceu.

- Alguma vez se tinha imaginado como campeão sueco?
- Não, para ser honesto, nunca. É incrível, gigante, acho que ainda não me apercebi da dimensão, vão demorar semanas ou meses até isso acontecer. Perguntam-me várias vezes como me sinto, mas para ser honesto… não sei. É uma mistura de sentimentos. Eu nunca tenho problemas para dormir, mesmo com a pressão toda durante o verão, a imprensa, os adversários, e eu dormi bem. Agora acordo às duas horas da madrugada e ainda estava na cama a pensar. São muitos pensamentos, positivos, e é difícil perceber o sentimento. Nunca tinha pensado na possibilidade de ser campeão sueco, qualificar-me para a Liga dos Campeões com o pequeno clube Mjällby.
- Acaba por ser duplamente especial para o Anders. Desistiu do seu trabalho como diretor de uma escola, lutou contra uma leucemia em 2024, e agora está no topo...
- Percebo que é um género de conto de fadas. Honestamente, nunca pensei ser treinador profissional. É uma coincidência. Comecei nos escalões mais baixos, em 2007 o Mjällby ligou-me para ser adjunto, vim para cá, subimos à Allsvenskan em 2010, fui treinador principal em 2013 e depois sai. O Mjällby não tinha as infraestruturas ou orçamento para se manter no topo e era uma luta constante todos os dias. Toda a gente dava o máximo, mas éramos geridos como uma equipa de terceiro escalão. O clube cresceu demasiado rápido. Voltei a trabalhar como diretor de uma escola, a treinar no terceiro escalão. Em 2021, o Mjällby ligou outra vez, estavam em perigo de descer, conseguimos um outono muito bom e tive uma oferta para renovar, mas recusei, porque foi muito complicado e eu tinha um trabalho que gostava muito. Ligaram-me outra em 2023 e aqui estamos. Reconheço que é uma carreira estranha, nunca me candidatei a um trabalho, tenho a sorte de os clubes me quererem.
- Fala-se muito da importância do Karl Marius Aksum na equipa técnica, pelos métodos inovadores que trouxe, mas e o Anders, o que dá a equipa? Em 2023 definiu-se como não sendo "o melhor instrutor, o melhor treinador, nem o melhor taticamente", por isso qual é o seu segredo?
- Coloquei isso à Direção como questão. Queria perceber porque me queriam. Disse-lhes que estava fora do futebol profissional há 10 anos, porque me queriam? E a resposta deles foi: ‘Tu ganhas jogos’. Olhando para a minha carreira, é verdade, e estou orgulhoso disso. Em relação ao que dou… Eu aposto muito no trabalho de equipa, porque os meus piores momentos como treinador era quando trabalhava numa equipa técnica em que o treinador principal não me dava responsabilidade. Isso pode ser bom para alguns, mas se não tiveres a responsabilidade, sentires que és competente, reconhecido no trabalho diário, acabas por relaxar. Foi uma lição para mim e é por isso que delego e dou o máximo de responsabilidade aos membros da minha equipa que eles merecem. Assim vão crescer e torna-nos uma equipa. Duas vezes por ano faço um inquérito e pergunto se funcionamos bem. A resposta tem sido sempre positiva e deixa-me orgulhoso. Também nos permite que um de nós esteja doente, mas temos uma estrutura, uma rotina e todos sabem o que fazer, não estamos dependentes de uma ou duas pessoas.
- E com o título conquistado, o que reserva o futuro ao Anders Torstensson e ao Mjällby?
- É um desafio enorme. Enquanto treinador não estou à procura ativamente de uma carreira. Não tenho um empresário, não me promovo nas redes sociais. Estou a aprender a conhecer-me, estou confortável comigo e com a minha liderança atualmente. Não penso muito no futuro. Não tenho planos para deixar o Mjällby, mas também sei que podem surgir propostas que não posso recusar. Não estou a pensar nelas e elas não existem. Quanto ao clube temos um desafio enorme, que é crescer para lutar pela qualificação para as provas europeias. Vai ser preciso muito trabalho de toda a gente. (Nota: Esta entrevista foi feita antes de Torstensson passar a diretor técnico, deixando Karl Marius Aksum como técnico principal).
