Rafael Alkorta é daqueles jogadores que pertencem inequivocamente a um lugar. Nascido em Bilbau em 1968, formou-se na academia do Athletic, jogou mais de uma década pelo clube em duas passagens e regressou mais tarde como diretor desportivo.
Somou 54 internacionalizações por Espanha, participou em três Mundiais e num Europeu, e esteve quatro épocas no Real Madrid, onde conquistou dois títulos da LaLiga.
- O que significa, para si, crescer e estrear-se no Athletic?
- É a coisa mais incrível que pode acontecer a alguém que vive numa cidade como Bilbau – jogar pela sua equipa, com a filosofia que temos. Acho que é o sonho de qualquer miúdo de Bilbau: estrear-se pelo Athletic e fazer uma longa carreira. Nem consigo descrever o que significa para um jovem fazer a sua estreia pelo Athletic.
- O que perspetiva para o futuro do Athletic?
- Está cada vez mais difícil confiar apenas nos nossos, na essência basca. Mas épocas como a do ano passado, em que o Athletic conseguiu qualificar-se para a Liga dos Campeões, dão um verdadeiro impulso. E isso faz com que, de repente, todos os que podem jogar pelo Athletic voltem a sentir esse entusiasmo. O Athletic voltou ao topo – num ano é a Liga Europa, noutro é a Liga dos Campeões. Acredito que vamos voltar a estar na Europa este ano. Estamos a atravessar uma boa fase e isso incentiva os mais jovens a sonhar, ao verem que a nossa filosofia, tão difícil de manter, está a dar frutos.
- Como surgiu a sua transferência para o Real Madrid?
- É uma história incrível. Sempre que um clube como o Real Madrid mostra interesse, é fantástico, porque nunca imaginei que o Real Madrid quisesse contratar-me. Na verdade, queria jogar toda a minha carreira (no Athletic). No entanto, aconteceram certas coisas que me levaram a Madrid. Os balneários são muito parecidos. Durante quatro épocas em Madrid, encontrei um ambiente de balneário fantástico, o que me surpreendeu. Claro que vinha de um ambiente muito unido, em que todos nos conhecíamos, e de repente vais para um sítio onde jogas com estrangeiros. Nunca tinha jogado com estrangeiros antes.
- Era mais como uma família em Bilbau?
- Claro, era suposto ser mais familiar. Mas é verdade que, quando chegas a Madrid, encontras um balneário superprofissional, com jogadores incríveis, com quem aprendi muito. Guardo ótimas recordações. O ambiente é diferente, sem dúvida. O Athletic é mais familiar, mas em Madrid encontrei grandes jogadores e grandes pessoas.
- Como foi o seu período de adaptação?
- Tive sorte porque fui ao Mundial de 1990 em Itália e tornei-me amigo do Emilio Butragueño, do Míchel, conhecia o Chendo... Havia alguns jogadores que já me conheciam. O Rafa Martín Vázquez também... Por isso, a minha integração no balneário do Real Madrid foi bastante tranquila. Havia outros jogadores como o Maqueda, com quem já tinha jogado nos sub-18 ou sub-16. Mais ou menos conhecíamo-nos, e não tive qualquer dificuldade em adaptar-me àquele balneário, àquele ambiente, porque dava-me bem com eles e ajudaram-me muito, facilitaram-me a vida. O Míchel era o maior brincalhão. Fazia todo o tipo de partidas, algumas mais leves, outras um pouco exageradas.

"O Romário tinha duas ou três oportunidades e marcava"
- Lembra-se de algum Clássico em particular? Ou há algum que se destaque na sua memória?
- Obviamente lembro-me do primeiro que ganhei, que foi a Supertaça de Espanha, que conquistámos no Camp Nou. E depois, claro, aquele famoso 5-0, quando o Romário fez a "cola de vaca". Mas não me recordo muito bem, primeiro porque o Romário era um génio, e depois porque o que realmente doeu foi ter sido o primeiro golo.
Esse golo custou-nos muito. E quando o jogo terminou, nem sequer tinha noção de que alguém acabaria por dar nome ao lance. Na verdade, nem me lembrava exatamente como tinha sido a jogada. O que me ficou foi termos perdido.
Na segunda mão, no Bernabéu, marquei o Romário de forma diferente. Houve avançados que me obrigaram a trabalhar muito mais. O caso do Romário era diferente, porque não te fazia trabalhar muito, pois só tinha duas ou três oportunidades, mas aproveitava-as sempre.
E lembro-me sempre do Lubo Penev. Marcá-lo era um autêntico tormento durante 90 minutos. Um verdadeiro suplício, porque desmarcava-se, fugia à marcação, batia-te, tu batias-lhe, empurrava-te, era um tipo que era uma cabeça e meia mais alto do que eu.
"O Hierro é o melhor central que vi jogar"
Como é que o Fernando Hierro e o Rafa Alkorta se complementavam?
- O Fernando e eu éramos muito amigos desde que nos conhecemos, penso que nos sub-19 ou sub-21. E acho que nos entendemos logo. Éramos jogadores diferentes, mas isso ajudou-nos a encaixar muito bem quando cheguei a Madrid naquele primeiro ano, porque sabia exatamente quais eram os seus pontos fortes e ele sabia os meus.
Ele era muito melhor do que eu a sair a jogar e no jogo aéreo. Eu era mais rápido, por isso muitas vezes era eu que ficava atento, dependendo do avançado que enfrentávamos. E nem precisávamos de falar sobre isso – quando entrávamos em campo, ambos sabíamos o nosso papel. Acho que por vezes é preciso aceitar que se é melhor em algumas coisas e não noutras.
Para mim, ele é, sem dúvida, o melhor central que vi jogar. E tive de aceitar que jogava ao lado de alguém melhor do que eu. Acho que foi uma das razões para termos funcionado tão bem juntos.
- Que recordações tem de Ronaldo Nazário?
- A melhor história que tenho é de um Clássico que ganhámos por 2-0 no Bernabéu, para o campeonato, e o Fernando (Hierro) e eu jogámos juntos. O Ronaldo Nazário teve três oportunidades claras. E no dia seguinte, o que lemos nos jornais foi que o Fernando e eu, a dupla de centrais, tínhamos anulado o Ronaldo.
O Fernando e eu olhávamos um para o outro e dizíamos: "Vê lá, fizemos tudo bem e mesmo assim ele teve três oportunidades claras". Ele era um monstro. O Ronaldo era mesmo um monstro, sinceramente. É essa a história. Devemos ter estado bem, mas era preciso fazer ainda melhor.
"O Mbappé faz-me lembrar o Ronaldo"
- Como acha que ele se adaptaria ao futebol atual?
- Com as qualidades que tinha – potência, velocidade e técnica... O (Kylian) Mbappé faz-me lembrar muito o Ronaldo em certos aspetos, naquela explosão, naquela aceleração, em que simplesmente te deixa para trás e não consegues apanhá-lo. Simplesmente não consegues. Acho que o Mbappé ainda tem de evoluir para chegar ao nível do Ronaldo, mas há coisas nele que começam a parecer-se perigosamente com o grande Nazário.

- Jogou em três Mundiais e num Europeu por Espanha. Qual é o que mais destaca?
- O Mundial nos Estados Unidos foi muito especial, muito bom. No primeiro, apenas me estreei, joguei 12 minutos em Itália contra a Bélgica, e o de França foi uma desilusão para todos, porque não estivemos bem. Mas o dos EUA foi um grande Mundial. Um Mundial em que nos faltou aquele pequeno detalhe que por vezes é preciso. Não sei se se pode chamar sorte ou não, mas faltou-nos algo. Não digo que pudéssemos ter vencido o Mundial, embora talvez fosse possível, mas podíamos certamente ter ido mais longe, mais uma ou duas rondas. Tínhamos uma equipa muito boa, um treinador excelente, uma mentalidade forte, e acho que foi uma equipa em que muitas coisas se conjugaram muito bem.
- Vê Espanha como favorita para o Mundial-2026?
- Sem dúvida. Primeiro, porque acho que jogam o melhor futebol, com bola e, diria até, sem ela também. Acho que sabem exatamente o que têm de fazer. Têm um treinador muito bom, o Luis (de la Fuente). Ele conhece-os a todos desde pequenos, e neste momento diria que, juntamente com a Argentina e a França, são os principais candidatos ao Mundial.
- Foi adjunto do Míchel no Marselha e no Olympiacos. Que recordações guarda desses tempos?
- Aprendi muito com o Míchel, sobretudo na organização do trabalho. Porque tinha de fazer certas coisas que eram fundamentais para ele e para perceber, acima de tudo, o adversário. E aprendi muito também sobre a relação com os jogadores, muitas vezes mais próxima do que a do treinador principal, porque também és responsável por resolver situações falando com eles.
Mesmo assim, percebi que não era treinador porque não tinha a mesma paixão do Míchel. Ou, por exemplo, do (Mikel) Arteta, do (Pep) Guardiola, do Xavi (Hernández). Acho que me faltava algo para me entregar a 100% se quisesse ser treinador principal. Faltava-me qualquer coisa. E depois percebi que preferia trabalhar nos bastidores do que estar no relvado, mas guardo ótimas recordações de ambas as experiências.
- Já que fala nisso, e tendo sido diretor desportivo do Athletic, que qualidades são necessárias para esse cargo?
- É preciso cometer muito poucos erros, porque a margem é curta. É fundamental ter uma grande rede de scouting. Aqui, tive a sorte de só poder contratar jogadores locais. Mas também tinha de garantir que nenhum escapava, o que, para mim, era uma tarefa mental e pessoalmente muito exigente. Mas um diretor desportivo, além de ter uma boa equipa, precisa de ter uma boa relação com os jogadores. Tem de haver jogadores que, quando têm um problema, sintam-se à vontade para ir ao teu gabinete e dizer-te como se sentem naquele momento. E é preciso saber o que é uma equipa.

"O Deco expôs um miúdo que ainda estava no Athletic"
- Qual é a sua opinião sobre a situação de Nico Williams?
- Antes de mais, fico muito contente por ele ficar connosco. Isso é o melhor de tudo. E com um contrato longo, que é mais do que merecido. Nas últimas duas épocas, o Barcelona não foi decidido. Se és decidido, consegues o jogador. Se o miúdo concorda, como parecia, segundo as informações que tínhamos. Mas não foram decidido nem no ano passado nem este ano.
E depois, não gostei, ou pelo menos não é algo que eu fizesse, do que o Deco fez. Ele é o diretor desportivo do Barça. Expôs um miúdo que ainda tinha contrato com o Athletic. Por isso, para mim, foi surpreendente, sabendo que o Deco também foi futebolista e sabe como estas situações podem ser delicadas.
Acho que os representantes do Nico fizeram bem em dizer ao Barça: "Muito bem, se não têm problema com o miúdo, assinem uma destas cláusulas no contrato" e pronto. E o Barça recusou porque sabia que não podia garantir a 100%. E é só isso, não há mais nada. A questão é: porque é que o Barça não assinou essa cláusula? Porque sabiam que não podiam ter a certeza absoluta de poder utilizar o miúdo desde o primeiro jogo da época. O jogador e os seus representantes disseram que ficavam aqui e ficou tudo resolvido.
