Opinião: Criticar a arbitragem não vai ajudar o Real Madrid a fazer uma autocrítica coletiva

Jude Bellingham, Vinicius e Carlos Megía Dávila irritados com o árbitro no Real Madrid-Celta de Vigo
Jude Bellingham, Vinicius e Carlos Megía Dávila irritados com o árbitro no Real Madrid-Celta de VigoBURAK AKBULUT/Anadolu via AFP/Flashscore

O árbitro está sempre errado, como toda a gente sabe. Mas, ao insistir em culpar as decisões, o Real Madrid acaba por se acomodar num ambiente que lhe é prejudicial, desde o presidente até aos jogadores.

Ao contrário do Barça One, que sucedeu ao Barça TV sem grande sucesso, a Real Madrid TV é um canal que funciona muito melhor, sendo distribuído gratuitamente em Espanha. O seu desporto favorito? Criticar os árbitros e pressioná-los. O nível é tal que Ricardo de Burgos chorou na conferência de imprensa antes da final da Taça do Rei na época passada, um jogo que terminou no meio de incidentes envolvendo, entre outros, Antonio Rüdiger.

Em vez de sancionar o clube e impor-lhe disciplina, a LaLiga optou por nomear as equipas de arbitragem no último momento, para evitar os vídeos intempestivos da RMTV. Porque, para ser claro, todos os árbitros estão contra o Real Madrid, sobretudo nas noites de derrota.

Foi o que aconteceu no domingo à noite frente ao Celta. Após um jogo desastroso, o Santiago Bernabéu vaiou fortemente os jogadores. Para além da derrota (0-2), Eder Militão lesionou-se e Fran García e Álvaro Carreras foram expulsos, sem que houvesse muito a contestar.

No entanto, a análise da Real Madrid TV após o jogo centrou-se quase exclusivamente no árbitro, com uma leitura sempre unilateral. Chegou-se mesmo a afirmar que os jogadores merengues não se queixam mais do que os outros... quando até Dani Carvajal, que estava no banco em roupa civil, insultou o árbitro, que registou o incidente no seu relatório, e as câmaras da DAZN captaram insultos de Jude Bellingham dirigidos ao quarto árbitro.

É fácil esquecer o triplo "sale con va" de Kylian Mbappé contra o Elche, seguido na semana seguinte por uma acesa troca de palavras em Girona com o quarto árbitro. E isto sem mencionar o final tumultuoso da final da Taça do Rei perdida no prolongamento, que resultou em várias suspensões.

Ignorar o regulamento quando convém é um clássico do futebol. Nesse sentido, a RMTV não inventou nada. Reclamar da arbitragem é a norma, e muitas vezes um prazer para quem perde. Não é fácil afirmar-se como o maior, o mais bonito, o mais forte, o mais vitorioso e, ao mesmo tempo, queixar-se constantemente.

O caso Negreira, cuja investigação ainda decorre, tornou-se um argumento recorrente em Madrid. O paradoxo é que foram jornalistas... catalães, acreditados nos jogos do Barça, que o revelaram. Além disso, as instâncias mudaram e sempre houve membros próximos do Real Madrid. Um exemplo: o delegado arbitral do Real Madrid, o antigo... árbitro da Liga Carlos Megía Dávila, que até entrou em campo no final do jogo para confrontar Alejandro Quintero González, é marido de Yolanda Parga, atual diretora... da comissão de arbitragem da Federação que nomeia os árbitros! Precisão dada pelo antigo árbitro Eduardo Iturralde: ela foi a única sobrevivente da purga decidida pelo novo presidente da RFEF, Rafael Louzán.

Esta tendência de culpar sempre os árbitros é uma cortina de fumo. Florentino Pérez acaba de a utilizar, provavelmente para fazer esquecer, entre outras coisas, que está prestes a pôr em causa o sistema de sócios ao abrir a possibilidade de uma sociedade entrar no capital do clube.

No domingo à noite, quase tudo foi culpa do árbitro. Que um canal do clube queira suavizar o balanço desportivo do jogo é compreensível. Mas a RMTV dita o tom e muitos programas seguem-lhe o exemplo. É a montra pública da instituição. Mais ainda: é a voz de Florentino Pérez, que nunca escondeu que controla os media locais. Segundo o meio digital Voz Populí, a última prova disso foi ter pressionado Joseph Ougourlian, proprietário do Lens e também chefe de imprensa, para nomear José Félix Díaz como diretor do Diario AS há algumas semanas.

Voltando ao relvado, atacar os árbitros é retirar responsabilidade a Xabi Alonso e aos seus jogadores. O fracasso coletivo não se deve a um homem que não toca na bola, mas sim a um conjunto de falhas que se acumulam ao longo do tempo. Que um plantel destes não consiga jogar em conjunto e apresentar futebol à altura do seu prestígio é uma verdadeira frustração para qualquer amante do desporto. Que as lesões recorrentes não sejam motivo de preocupação é igualmente alarmante.

Em resumo, tudo é feito para transferir a culpa para terceiros. O clube mais mediático do mundo e o mais titulado na Europa não pode continuar a refugiar-se em desculpas fáceis e acusações infundadas. O Real Madrid merece muito mais do que isto, tanto dentro como fora de campo.