O lendário avançado sueco Henrik Larsson não se vangloria nem se alonga em mitos quando fala da sua ilustre carreira, mas só os seus números já justificariam alguma reverência: 498 golos na carreira, por clubes e pela seleção, 242 pelo Celtic, momentos decisivos em finais europeias e uma reputação cristalizada em três das maiores cidades do futebol mundial.
É amado não apenas pelos troféus, mas pela forma como os conquistou - implacável, inteligente e altruísta ao serviço da equipa.
Pergunte aos adeptos de Glasgow, Barcelona e Manchester, e a resposta é a mesma: Larsson era um avançado em quem se podia confiar quando mais importava.
O Flashscore teve a oportunidade de falar com o lendário avançado sueco sobre a sua carreira brilhante, os movimentos de antigos companheiros de equipa, bem como as suas esperanças para o futuro do futebol sueco e para a carreira do seu filho.
Educação nos Países Baixos
Antes dos troféus e da fama, havia o Feyenoord.
Em 1993, Larsson trocou o Helsingborg pela Eredivisie, sua primeira experiência de vida no exterior.
"A mudança para os Países Baixos foi diferente", diz Larsson.
"Obviamente, a cultura e uma nova língua obrigaram a uma adaptação. Mas foi uma boa experiência e acho que aprendi muito sobre o que significa ser um jogador de futebol profissional", acrescenta.

Larsson confessou que não fala mais com o seu antigo técnico, Willem van Hanegem, embora mantenha contato com os companheiros de equipa.
Hoje em dia, vê o Feyenoord à distância, concentrando-se mais em amigos como o ex-técnico do Feyenoord, Arne Slot, e o ex-companheiro de equipa Giovanni van Bronckhorst, que estão agora no auge da pirâmide de treinadores do Liverpool.
"Não acompanho o Feyenoord de uma forma especial", admite.
"É claro que estou sempre atento quando se tem amigos que são treinadores ou assistentes de treinadores, mas fora isso, não", assume.
"Vejo os resultados (do Liverpool) e, obviamente, também temos lá o Alexander Isak, por isso há muito interesse dos canais suecos que transmitem a Premier League. Quanto à minha situação, não, neste momento estou muito feliz onde estou", diz.
Os Países Baixos moldaram o seu profissionalismo. A Escócia, porém, deu-lhe a imortalidade.
Uma lenda em Glasgow
Larsson chegou ao Celtic em 1997 e saiu em 2004 como o talismã do clube, a sua fonte mais confiável de golos, o seu coração pulsante e um dos maiores ídolos de todos os tempos.
"O Celtic foi onde me tornei o jogador que todos puderam ver no final, onde fiz o meu nome e tive muito sucesso", reflete.
Os números são surpreendentes: 242 golos em 315 jogos, quatro títulos da liga, uma infinidade de triunfos em taças e a Bota de Ouro Europeia por 53 golos na temporada 2000/01.

No entanto, os seus anos em Glasgow são recordados tanto pelos momentos como pelas estatísticas.
"São muitas as recordações, mas se olharmos para as positivas, sim, tenho de dizer que vencer a outra equipa por 6-2 não foi mau, e que também fiz um grande golo nesse jogo", lembra.
Larsson está a falar, claro está, do Old Firm de agosto de 2000, quando o Celtic arrasou o Rangers e o remate de Larsson sobre Stefan Klos tornou-se uma das imagens mais marcantes do dérbi.
O Celtic não era apenas um empregador, mas uma verdadeira ligação para toda a vida.
Os adeptos elegeram-no como o único não escocês na sua equipa de sempre, prova de que, apesar de todas as medalhas e recordes, Larsson deu-lhes algo mais profundo: um sentimento de orgulho pelo seu clube.
"Não tenho um golo em particular de que me orgulhe muito, porque acho que marquei muitos golos fantásticos quando lá estive", acrescenta.
"Foi também o clube que me deu uma oportunidade quando eu não estava feliz nos Países Baixos. Foi uma aventura fantástica para mim e para a minha família, e toda a história que criámos juntos foi incrível", assume.
A glória na Catalunha
Quando Larsson se transferiu para o Barcelona, em 2004, depois de sete anos na Escócia, foi para uma constelação de estrelas: Ronaldinho em pleno voo, Samuel Eto'o no seu auge, Xavi e Iniesta a atingirem a maioridade, Carles Puyol a comandar a defesa. E, na periferia, um rapaz chamado Lionel Messi.
"Era possível ver que ele tinha potencial para se tornar um grande jogador", lembra Larsson sobre os primeiros tempos de Messi.
"Mas, na época, eu jogava com o melhor jogador do mundo, Ronaldinho, e não conseguia ver ninguém melhor do que ele. Mas Messi provou que era possível. Ele tinha controlo de proximidade, velocidade, habilidade e visão de jogo. Ter esses componentes é uma coisa, mas juntá-los todos é outra. Ele fez isso e tornou-se, sem dúvida, o melhor jogador que já vimos", assume.
Sem se comprometer a colocar pressão sobre o potencial próximo grande astro do mundo, Larsson concorda que Lamine Yamal está a mostrar uma promessa semelhante.
"Dá para ver que ele já fez muito, e há potencial para ele atingir níveis ainda mais altos, mas isso só depende dele. Se ele se empenhar totalmente em tudo, o céu é o limite", diz o sueco.

O momento mais importante de Larsson foi em Paris, em 2006.
A perder com o Arsenal na final da Liga dos Campeões, o Barcelona precisava de um caminho de volta. Larsson saiu do banco e virou a partida, fazendo as assistências para o golo do empate de Eto'o e o golo da vitória de Juliano Belletti.
"Houve dois momentos decisivos, e foram as duas assistências. Isso é parte da razão pela qual eu sempre serei uma grande parte da história do Barcelona", diz.
"Depois da final da Liga dos Campeões em 2006, quando ganhámos, ultrapassámos um pequeno obstáculo para o Barcelona, porque já tinha passado muito tempo, era apenas a sua segunda Taça dos Campeões Europeus. Isso permitiu que o grupo seguinte acreditasse, e eles mostraram-no durante anos. Mesmo depois de eu ter saído, eles continuaram e voltaram a fazê-lo, o que não é fácil", acrescenta.
A sua cara séria e concentrada vacila ligeiramente quando questionado sobre a vida nos bastidores e num balneário repleto de grandes personagens.

"É preciso perguntar-lhes, porque eu sou o jogador mais velho, então eles dividem o balneário comigo", brinca.
"Não, estou a brincar. Era ótimo. O Ronaldinho tinha sempre um grande sorriso. Foi um prazer jogar com eles", assume.
Uma participação especial em Manchester
Quando Larsson chegou ao Manchester United, em janeiro de 2007 - uma mudança surpreendente, mas que muitos aceitaram fazer muito sentido na época -, a sua reputação já estava escrita.
A sua estadia durou apenas 10 semanas, um empréstimo que lhe rendeu três golos, incluindo um golo na eliminatória da Liga dos Campeões contra o Lille, e que acabou por lhe granjear o respeito de Sir Alex Ferguson.

"Quando treinávamos tiro ao alvo, Sir Alex dizia sempre: 'Acerta no alvo'. Se falhássemos, ouvíamos imediatamente a sua voz. Essa concentração significava que nos certificávamos de que acertávamos no alvo da próxima vez. Podemos ter um dia mau, mas podemos sempre trabalhar arduamente para a equipa. Desde que o fizesses, terias sempre uma segunda oportunidade. Correr é a parte mais fácil do futebol. Podemos sempre correr, fazer corridas para os outros, mesmo que não marquemos golos. Foi esse o pilar sobre o qual ele construiu tudo", explica Larsson.

Os colegas aplaudiram-no de pé após a última partida, e Larsson continua a ser lembrado com carinho nas bancadas de Old Trafford.
E depois havia a presença de Cristiano Ronaldo.
"A sua vontade de ficar sempre depois do treino a marcar livres, exigindo que os guarda-redes ficassem com ele. Dar sempre 100 por cento, estar no ginásio antes do treino e fazer os banhos de gelo depois. Preparar o corpo, porque o corpo é a nossa ferramenta", recorda.
A longevidade, sublinha, tem a ver com disciplina: "Sem cuidar do corpo, é impossível jogar depois dos 35 anos."
Mas Larsson não considera que lhe caiba criticar o clube na sua atual e desesperada forma sob o comando de Ruben Amorim e, na verdade, desde a saída de Sir Alex.
"A atual equipa do United tem tido dificuldades durante anos, mas não quero especular muito", diz Larsson quando questionado sobre a recente situação dos Red Devils.
"O plantel e o treinador precisam de espaço para corrigir o que tem de ser corrigido", diz.
Orgulho familiar e o futuro brilhante da Suécia
O filho de Larsson, Jordan, está agora no Copenhaga e marcou recentemente o seu primeiro golo na Liga dos Campeões.

"Estou muito orgulhoso", diz Larsson.
"Ele está no caminho certo. Está bem instalado em Copenhaga, num bom clube com uma boa estrutura. Ele está feliz lá, assim como a família. Ele tem 28 anos e ainda tem pelo menos 10 anos de carreira. Foi um dos principais jogadores na conquista da dobradinha na época passada e marcou um golo na Liga dos Campeões recentemente. Está no bom caminho. (O seu golo na Liga dos Campeões) foi um remate de avançado muito bom, que aproveitou a velocidade da bola e a acariciou. Eu estava lá ao vivo, por isso foi especial para mim e para a minha mulher", assume.
E além da família, há a próxima vaga da Suécia.
O salto de Alexander Isak para o Liverpool, depois de se ter destacado no Newcastle, parece a Larsson o passo natural de um talento que iria sempre atingir um patamar elevado.
"Não me cabe a mim dar-lhe conselhos. Ele é um talento desde os 15 anos. Jogar no Newcastle não é fácil, e ele fê-lo de forma fantástica. Agora vai para o Liverpool - é apenas o próximo passo", diz.

Lucas Bergvall, do Tottenham, também o entusiasma.
"Acho que ele é um dos maiores talentos", diz Larsson sobre o jogador de 19 anos.
"Ele já jogou muitos jogos no ano passado na Premier League. É só uma questão de encontrar as pernas, de entender o que é exigido dele na sua posição. Quando isso acontecer, ele pode ser muito bom", vaticina.
As recordações de Larsson são feitas com precisão, não com nostalgia. Ele não é um homem que quer ou precisa de embelezar a sua formidável carreira de jogador. Com humildade, permite que outros façam isso por ele.
O Feyenoord deu-lhe disciplina, o Celtic deu-lhe imortalidade, o Barcelona deu-lhe a glória europeia e o United deu-lhe o selo de Sir Alex.
A próxima vaga da Suécia - Isak, Bergvall, Viktor Gyokeres e outros - escreverá as suas próprias histórias.
E se o filho Jordan o fizer, o homem carinhosamente apelidado de "Rei dos Reis" ainda poderá ver a sua coroa ser passada na própria família.
