Mais

Boavista agudiza sintomas de épocas anteriores e desce à Liga 2 17 anos depois

Boavista agudiza sintomas de épocas anteriores e desce à Liga 2 17 anos depois
Boavista agudiza sintomas de épocas anteriores e desce à Liga 2 17 anos depoisPAULO NOVAIS/LUSA

O Boavista desceu este sábado à Liga 2 pela primeira vez em 17 anos, quebrando um ciclo de 11 presenças no escalão principal, após agudizar os problemas financeiros, estruturais e de competitividade trazidos de temporadas recentes.

Uma derrota na casa do Arouca (4-1) confirmou a despromoção do clube portuense, que não dependia apenas de si próprio à partida para a 34.ª e decisiva jornada e terminou no 18.º e derradeiro lugar, com 24 pontos, a três do play-off e a cinco da manutenção direta.

Quarto clube português com mais troféus de âmbito nacional no futebol sénior masculino (11) e integrante do quinteto de campeões lusos, graças ao inédito triunfo em 2000/01, o Boavista está de regresso à II Liga, na qual alinhou pela única vez em 2008/09, volvida a queda administrativa da elite em maio de 2008, por alegada coação sobre as equipas de arbitragem, no âmbito do Apito Final, um processo judicial que derivou do Apito Dourado.

Seguiram-se a descida no relvado ao terceiro escalão e cinco temporadas no futebol não profissional, antes da reintegração na Liga, em 2014/15, após o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) dar provimento aos recursos do clube do Bessa às sanções da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP).

O Boavista partia, então, para 11 anos ininterruptos na elite, mas não teve a pujança das quatro décadas anteriores e cresceu em convulsão, caindo na primeira época completa da presidência do antigo futebolista senegalês Fary Faye e na quinta desde que Gérard Lopez detém o controlo maioritário da SAD, gestora do futebol profissional axadrezado.

O empresário hispano-luxemburguês já tinha encarado idêntico desfecho nos belgas do Mouscron, extintos em 2022, e com o Bordéus, histórico emblema francês, que deixou o profissionalismo em 2024, face às descidas administrativas da segunda à quarta divisão.

Apesar da inexistência de atrasos salariais, que foram recorrentes em anos anteriores, o Boavista não pôde inscrever novos atletas por cinco janelas de transferências, devido a dívidas, e só sanou as restrições - entretanto, reativadas em março - após o mercado de inverno, quando estava no último lugar e tinha feito a primeira de duas mexidas técnicas.

Em fevereiro, o angolano Lito Vidigal regressou ao Bessa mais de cinco anos depois, na sequência da saída do italiano Cristiano Bacci, que teve duas vitórias, seis empates e 12 derrotas até à 20.ª ronda e tinha visto a equipa entrar na zona de descida por ocasião do desaire na visita ao rival citadino FC Porto (4-0), a uma jornada do final da primeira volta.

Essa situação, aliada à inatividade antes do fecho do mercado de inverno - no qual saiu Bruno Onyemaechi, habitual titular na ala esquerda - acelerou a demissão de Bacci, que rumaria ao Moreirense pouco tempo depois, enquanto Lito acolhia 10 reforços sem ritmo competitivo em busca de reanimar um plantel descrente, pleno de juventude no banco e desequilibrado, sobretudo quando surgiam lesões e suspensões de jogadores influentes.

Com cinco golos, todos de penálti, o médio Miguel Reisinho foi o melhor marcador, acima dos quatro do ponta de lança eslovaco Róbert Bozeník, enquanto o guarda-redes checo Tomás Vaclík revigorou uma baliza desfalcada há oito meses do titular João Gonçalves e do brasileiro Luís Pires, que sofreram roturas ligamentares dos joelhos no mesmo treino.

O Boavista ainda quebrou a pior sequência de resultados da época na receção ao Santa Clara (1-0), da 24.ª jornada, deixando para trás oito derrotas na prova e cerca de um ano sem vencer no Bessa, onde só havia alcançado três empates, mas nunca mais voltaria a pontuar - os seis pontos e as 13 derrotas perfazem mesmo os piores registos de sempre de uma equipa com, pelo menos, 10 jogos realizados em casa na história da competição.

Três desaires nas rondas subsequentes precipitaram a saída de Lito Vidigal, que perdeu cinco dos seis duelos cumpridos e foi rendido de forma interina pelo diretor técnico Jorge Couto, presente na vitória frente ao Rio Ave (0-2), na 28.ª jornada, em Paços de Ferreira.

Esse resultado não impediu a SAD de procurar um novo treinador, com o anglo-escocês Stuart Baxter, de 71 anos, a deixar o desemprego ao fim de 17 meses para tentar tirar a equipa do fundo nos últimos cinco encontros e, na pior das hipóteses, chegar ao play-off.

Agentes da PSP tiveram que intervir para impedir a invasão do campo pelos adeptos do Boavista
Agentes da PSP tiveram que intervir para impedir a invasão do campo pelos adeptos do BoavistaPAULO NOVAIS/LUSA

O Boavista ainda derrotou fora o Farense (0-1), na 30.ª ronda, e o AVS (1-2), para a 32.ª, saindo por cima nos confrontos com os seus opositores diretos e subindo à vaga de play-off, mas, apesar dessa melhoria com o terceiro técnico definitivo da época, regressou em definitivo à derradeira posição na 33.ª jornada, ao perder com o FC Porto no Bessa (1-2).

Nonas com mais presenças (62) e oitavas em embates disputados (1.908) na história da elite, as panteras não desciam no relvado ao segundo patamar desde 1959/60, quando acabaram igualmente no fundo de um campeonato então disputado por 14 clubes, numa altura em que ostentavam dois títulos da então designada II Divisão (1936/37 e 1949/50).

Despromoção penaliza altos e baixos desde inédito título em 2000/01

A descida penalizou a irregularidade do Boavista desde o inédito título de campeão nacional em 2000/01, agravada pelas seis temporadas passadas nos escalões secundários, devido ao processo judicial Apito Final.

Quarto clube português com mais troféus de âmbito nacional no futebol sénior masculino (11) e integrantes do quinteto de campeões lusos, as panteras estavam há 11 anos na Liga Portugal, mas foram crescendo em convulsão interna, potenciada por problemas financeiros, estruturais e de competitividade, e não tiveram a pujança das quatro décadas anteriores.

Depois de cinco Taças de Portugal, três Supertaças Cândido de Oliveira e dois títulos da então denominada II Divisão, a viragem do século havia rendido o único campeonato do Boavista, que se juntou ao Belenenses (1945/46) nas exceções à primazia dos grandes, potenciado pela influência da família Loureiro e pelas regulares idas às provas europeias.

A par do seu auge em 121 anos de existência, o clube portuense remodelou o Estádio do Bessa e assumiu a maioria dos 45,4 milhões de euros (ME) de gastos dessa empreitada, estreada em dezembro de 2003, a meio ano do Europeu de 2004, realizado em Portugal.

Incapaz de se manter competitivo perante esses condicionalismos financeiros, o Boavista nunca mais conquistaria troféus e esteve pela última vez nas competições europeias em 2002/03 - quando ficou arredado pelos escoceses do Celtic da final da então Taça UEFA, vencida pelo rival citadino FC Porto -, antes de entrar numa trajetória de gradual declínio.

Depois de seis presenças no pódio do escalão principal e 19 participações internacionais, as ‘panteras’ passaram a constar da zona intermédia da classificação até 2007/08, época na qual foram despromovidas administrativamente à Liga 2, por alegada coação sobre as equipas de arbitragem, no âmbito do Apito Final, processo que derivou do Apito Dourado.

Essa punição da Comissão Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) afastava o Boavista da elite ao fim de 39 anos, com o 15.º e penúltimo lugar na Liga 2 da campanha seguinte a ditar nova queda, desta vez no relvado, ao futebol não profissional.

Em virtude da despromoção encarada pelo Vizela na secretaria em 2008/09, por alegada corrupção, na sequência de decisões relacionadas com o Apito Dourado, os portuenses ainda foram convidados a jogar na Liga 2 em 2009/10, mas não obtiveram licenciamento.

Por entre a travessia de cinco épocas no terceiro escalão, que agudizou problemas, mas não demoveu a proximidade de sócios e adeptos, o clube recorreu e assistiu ao regresso de João Loureiro, que já tinha sido presidente de 1997 a 2007, em sucessão do seu pai, Valentim, e fora suspenso das atividades desportivas por quatro anos face ao Apito Final.

Em fevereiro de 2013, o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) daria como provada a prescrição do processo disciplinar que ditou a descida do Boavista em maio de 2008 e ordenou o respetivo arquivamento, sem analisar o mérito do mesmo.

As panteras requereram junto da LPFP a sua reintegração na Liga Portugal, que seria aprovada pela Comissão Executiva do organismo em abril de 2014 e, após protocolo assinado com a FPF, fez com que essa prova fosse expandida de 16 clubes para o atual formato de 18.

De uma assentada, o Boavista trepava dois escalões para ressurgir na elite em 2014/15, mas permanecia afetado por amarras financeiras e fez da permanência a principal meta, alcançada com sofrimento em 2015/16, 2020/21 e 2022/23, por oposição à tranquilidade observada nos oitavos lugares de 2017/18 e 2018/19 e nos nonos de 2016/17 e 2022/23.

As últimas cinco temporadas foram cumpridas sob intervenção do hispano-luxemburguês Gérard Lopez, que assumiu em 2020 o controlo maioritário da SAD, gestora do futebol profissional axadrezado, e foi encarado pelo então presidente Vítor Murta - sucessor de João Loureiro de 2018 a 2025 -, como uma solução crucial para a subsistência do clube.

Apesar dessa injeção de capital, da indemnização da FPF por danos resultantes do Apito Final e da solicitação do Processo Especial de Revitalização (PER), o Boavista tem uma lista provisória de 239 credores e cerca de 166 ME de dívidas reconhecidas, incluindo ao Estado, a ex-atletas, treinadores ou funcionários e a entidades envolvidas na reforma do estádio, mesmo nunca tendo reprovado no licenciamento anual para as provas da LPFP.

Notícias sobre salários em atraso, processos na justiça ou impedimentos de inscrição de novos jogadores tornaram-se recorrentes no segundo maior clube do Porto, com reflexos na instabilidade diretiva e técnica, no enfraquecimento do plantel sénior e na decadência das camadas jovens, outrora espaço de projeção de internacionais portugueses de vulto.

A um dia do 24.º aniversário do título de 2000/01, o Boavista, nono com mais presenças (62) e oitavo em jogos (1.908) na história da elite, foi despromovido ao segundo escalão, no qual competiu por mais de 30 temporadas entre as décadas de 1930 e 1960, antes de granjear reputação dentro do país e além-fronteiras com as camisolas aos quadradinhos.