Exclusivo com Robert Pirès: "Gyökeres oferece algo diferente ao Arsenal"

Robert Pirès falou com o Flashscore em Londres
Robert Pirès falou com o Flashscore em LondresFlashscore

Numa conversa exclusiva com o podcast checo Livesport Daily, do Flashscore, a lenda do Arsenal e da seleção francesa, Robert Pirès, recorda os momentos e as pessoas que marcaram a sua carreira. Desde a adaptação à intensidade do futebol inglês até aos bastidores dos "Invincibles" e aos conselhos que moldaram a sua filosofia de jogo, Pirès partilha reflexões sobre o que o tornou especial, a ele e às equipas que representou.

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"Wenger não mudou apenas o Arsenal, mudou a Premier League"

- Robert, como descreveria o seu estilo de futebolista aos adeptos mais jovens que nunca o viram jogar?

Se tivesse de descrever as minhas qualidades, diria técnica, receção, passe e visão de jogo. Talvez também elegância. Nunca fui um jogador agressivo – isso não fazia parte da minha natureza. Gostava de jogar futebol de forma simples e inteligente.

- Certa vez citou Dennis Bergkamp ao dizer: "O primeiro toque é a chave de tudo, porque o futebol é muito simples". Esse foi o melhor conselho que recebeu?

Sim, sem dúvida. Vindo do Dennis Bergkamp, um dos melhores jogadores do mundo, esse conselho teve um grande significado. Quando cheguei ao Arsenal em 2000, ele disse-me que o futebol é simples se o teu primeiro toque for bom. E é verdade: com um bom primeiro toque, ficas confortável, consegues levantar a cabeça, ver os teus colegas e tomar a decisão certa. Para mim, esse foi o melhor conselho que recebi.

- Esse conselho mudou a forma como treinava e via o jogo?

Sem dúvida. Aprendi muito bom futebol em França, mas aprender com o Bergkamp foi algo especial. Não queria imitá-lo, mas queria melhorar-me. Em cada treino, tentava fazer tudo melhor: controlo, passe, movimentação. Quando jogas futebol de forma simples, como o Dennis fazia, tudo se torna mais fácil.

- A abordagem de Àrsene Wenger facilitou essa transição?

Sim. Esse conselho do Bergkamp mudou mesmo a minha mentalidade, e o Àrsene Wenger também foi fundamental para mim. Os primeiros seis meses no Arsenal foram muito difíceis. Mudei tudo: país, língua, tática, colegas. O futebol inglês era mais duro, não só nos jogos, mas até nos treinos.

Lembro-me de treinar com jogadores como Tony Adams, Martin Keown, Lee Dixon e Ray Parlour. Uma vez, o Lee Dixon disse-me: "Não sou teu amigo, aqui treina-se a sério". Essa mentalidade era muito diferente do que conhecia em França. O Àrsene ajudou-me a adaptar-me a tudo isso.

- O ambiente e a qualidade dos colegas ajudaram-no a descobrir capacidades que nem sabia que tinha?

Sem dúvida. O Àrsene Wenger construiu uma equipa incrível, capaz de vencer a Premier League. Manteve o núcleo inglês forte, mas rodeou-os de jogadores estrangeiros – franceses, espanhóis, neerlandeses, suecos, alemães. Essa mistura foi fantástica. A história fala por si: os títulos em 2003 e 2004, e claro, a época dos Invencíveis. O Wenger não mudou apenas o Arsenal. Mudou a Premier League ao trazer algo novo, sobretudo na forma como se jogava futebol.

- Olhando para trás, o que deu aos Invencíveis uma força mental tão impressionante?

Foi o Àrsene Wenger e o espírito que ele criou. O compromisso era tudo. Cada jogo na Premier League era exigente. Não só contra o Manchester United, Chelsea ou Liverpool, mas especialmente fora, em estádios como Bolton, Blackburn ou Leeds. Eram esses jogos que tinhas de vencer para seres campeão. O Àrsene escolheu jogadores com a mentalidade certa e construiu um balneário que acreditava. Por isso é que ficámos invictos, e o registo ainda se mantém até hoje.

"Espero ver o Mikel Arteta levantar o troféu"

- Quem foi o principal responsável por criar essa cultura vencedora no balneário?

Patrick Vieira, sem dúvida. Era o capitão e o líder. Precisamos de diferentes tipos de líderes: líderes técnicos como o Bergkamp ou o Thierry Henry, mas o Patrick tinha tudo – liderança, honestidade, espírito de luta. Era francês, mas com mentalidade inglesa. Essa combinação foi fundamental.

- Vê semelhanças entre os Invencíveis e o atual Arsenal?

A equipa atual está muito bem e joga um futebol de grande qualidade. Não gosto de comparações diretas porque os Invencíveis foram um grupo especial, e esta é uma equipa diferente, com um treinador diferente. Mas sinto-me otimista. Espero ver o Mikel Arteta levantar o troféu com esta equipa. Esse é o meu sonho, e o sonho de todos os adeptos do Arsenal.

- O que mudou com o Arteta, na sua opinião?

O Arteta mudou algo, sobretudo em relação à profundidade do plantel. A qualidade no banco é muito importante. O Arsenal investiu muito no Viktor Gyökeres, e foi uma jogada fundamental. Se queres vencer a Premier League, precisas de um avançado capaz de marcar golos com regularidade, mas também de ajudar a equipa nos momentos difíceis.

- O Gyökeres é a peça que faltava ao Arsenal na luta pelo título?

Sim, porque os golos são decisivos, mas não se trata apenas de marcar. Ele oferece algo diferente à equipa. Para mim, a grande diferença neste plantel do Arsenal não está apenas no onze inicial, mas também na qualidade do banco. Quando entram, os jogadores conseguem ajudar logo a equipa. Isso é fundamental ao longo de uma época longa.

- Quão importante é a profundidade do plantel ao mais alto nível?

É essencial. Quando tens opções, consegues competir tanto na Premier League como na Liga dos Campeões. Se tens jogadores como o (Gabriel) Martinelli no banco, ou o (Leandro) Trossard no banco, são excelentes opções. Podem mudar o jogo. Para o Mikel Arteta, isto é uma ótima notícia, porque tem mais possibilidades e soluções.

- Portanto, os adeptos do Arsenal têm razões para acreditar novamente?

Sim, claro. Agora os adeptos podem sonhar. A época ainda é longa, e o futebol é sempre complicado, mas o Arsenal está mais focado, mais consistente e mentalmente mais forte do que antes. Essa é a mentalidade dos campeões.

- Marcou golos com regularidade a partir do meio-campo na era dos Invencíveis. Estudavas os guarda-redes ou era algo instintivo?

Para ser sincero, era instintivo. O futebol é natural, mas o treino é fundamental. Todas as manhãs, especialmente para avançados e jogadores ofensivos, é preciso trabalhar em frente à baliza. A minha principal função era assistir, mas se pudesse marcar, claro, ficava satisfeito.

Digo sempre isto, até ao meu filho: se queres ser futebolista profissional, os treinos são o mais importante. Se trabalhas bem nos treinos, consegues fazer o mesmo nos jogos.

- Ficava no relvado depois do treino para trabalhar a finalização?

Sim, muitas vezes. Depois do treino da equipa, ficava com o terceiro guarda-redes a trabalhar os remates. Fazia-o com o Thierry Henry, Dennis Bergkamp, Robin van Persie, todos. Quando repetes estas ações no treino, tornam-se instintivas nos jogos. Para mim, o treino era a chave.

De campeão da Europa ao Arsenal: "24 horas inacreditáveis"

- Uma das suas assistências mais famosas foi na final do Euro-2000 para o golo de ouro do David Trezeguet. O que recorda desse momento?

Foi uma substituição muito estranha, para ser sincero. Entrei já tarde e substituí o Bixente Lizarazu, um lateral-esquerdo. Mas talvez o treinador tivesse um pressentimento. Recebi a bola, fui para o um-contra-um com o Cannavaro, driblei-o e cruzei para o David Trezeguet. Ele marcou um golo fantástico. Para mim, tratou-se de assumir a responsabilidade e o risco, e resultou.

- O que sentiu nos segundos após criar um golo de ouro numa final do Campeonato da Europa?

Foi uma sensação incrível. Quando vi o David marcar, soube que estava feito. Fomos campeões da Europa. O jogo contra a Itália foi muito difícil, por isso vencer daquela forma foi especial. Nem tenho palavras para descrever.

- E depois, quase de imediato, assinou pelo Arsenal…

Sim. No dia seguinte à final, fiz os exames médicos no Arsenal. Nem cheguei a festejar muito no início, só mais tarde em Paris. Foram 24 horas inacreditáveis: campeão europeu pela França, depois assinar um contrato de quatro anos com o Arsenal no dia seguinte. Um momento extraordinário na minha vida.

- Esse foi o melhor verão da tua vida?

Sim, depois do Mundial de 1998. Em 1998, vencemos o Mundial, e em 2000, o Campeonato da Europa. Tive muita sorte. Bons tempos, bons verões.

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