O dia 26 de maio de 2025 deveria ser o culminar de uma época fenomenal para o Liverpool. Para a maioria dos 1,5 milhões de adeptos que invadiram a cidade, para o desfile em autocarro descapotável, era o momento de libertação com que sempre sonhámos. Era o nosso momento.
Para quem festejou na Rua da Água, contudo, o dia ficou marcado por cenas de uma natureza inimaginável.
Como alguém que trabalha para o Flashscore, e adepto do Liverpool desde que me lembro, quando surgiu a oportunidade de cobrir o desfile do título da Premier League, nem hesitei. Ia lá estar. Nada me ia impedir.
O meu dia começou cedo. Voo para Manchester e depois comboio até à Estação Lime Street, em Liverpool, para chegar às 9:00. Apesar do céu cinzento e carregado, a cidade já respirava ambiente de festa. Cachecóis, bandeiras e chapéus de balde por todo o lado. Encontrei-me com os colegas do Flashscore, Ste Carson e Lukas Kratochvil, bem como com a parceira do Ste e uma amiga dela, antes de sairmos para aproveitar o dia.
O plano era simples: comer qualquer coisa, beber um copo, esperar que o meu outro amigo, o Jack, chegasse, ir até ao Royal Liver Building, perdermos a voz a cantar e simplesmente desfrutar do melhor dia do ano.
Para o Jack, no entanto, o plano já estava a desmoronar-se. Ele estava com dificuldades em chegar a Merseyside, apanhado no caos dos comboios cancelados e da estação Birmingham New Street sobrelotada.
As minhas tentativas de o ajudar à distância foram frustradas pela sobrecarga das torres de telecomunicações. Um problema que só se agravaria ao longo do dia. Acabei por lhe dizer para apanhar um táxi. "Foi mais do que um dia de salário, mas menos do que uma semana", confessou ele mais tarde, com um sorriso.

Pelas 14:00, começámos a ver ondas de pessoas a chegar em massa ao Liver Building. Os comboios iam chegando, os adeptos desembarcavam e faziam a caminhada de 15 minutos até nós.
De repente, o conceito de espaço pessoal desapareceu, e ainda faltavam cerca de três horas e meia para o autocarro passar por ali. A certa altura, a situação era tão apertada que estava encostado a uma parede e a tentar afastar as pessoas para conseguir respirar.
Foi pior do que alguns concertos e festivais a que já fui ao longo dos anos? Pensando bem, talvez não, mas depois de ouvir tantas histórias de terror sobre Hillsborough, é fácil começar a ter pensamentos negros naquela situação.
Eventualmente, através de um autêntico jogo do telefone estragado, chegou-nos a informação de que a polícia tinha fechado a estrada. Uma ação tardia, mas ainda assim bem-vinda. Com o tempo, a multidão foi recuando para o Strand e o espaço na Rua da Água alargou-se um pouco.
De alguma forma, como que por milagre, o meu telemóvel apanhou sinal por breves instantes – o Jack tinha conseguido chegar. Estava por perto, mas era impossível juntar-se a nós devido à densidade da multidão.
Faltava uma hora. A multidão assobiava quando um adepto do Everton acenou com uma camisola azul brilhante à janela do seu apartamento.
Faltam 30 minutos. Um engenho de fumo foi lançado para o parapeito da janela do adepto do Everton, tapando-lhe a vista do que é o sucesso.
Faltam 10 minutos. Uma vaga de fogo de artifício foi lançada. O ambiente estava ao rubro.
E então… O momento: Fogo de artifício. Pirotecnia. Confetti. O rugido da multidão. O baixo do set de DJ do Calvin Harris a aumentar. Era para isto que toda a época tinha sido construída.
Uma nuvem de fumo vermelho envolveu a zona. Conseguia ver o autocarro… pesava eu. Só se distinguia o contorno. Aquela é a sombra do Harvey Elliott! Já passou. O espetáculo terminou. Até à próxima, seja quando for.
A multidão virou-se e começou a regressar lentamente ao ponto de partida. O meu telemóvel vibrou e recebo a foto de uma cara conhecida. De alguma forma, tanto eu como o Jack temos sinal agora. "Olá!" exclamou ele, bem-disposto. "Onde estás? No mesmo sítio de antes?"
Enquanto esperávamos que o Jack se juntasse a nós, a parceira do Ste e a amiga decidiram encontrar-nos de novo no apartamento que tínhamos como base, antes de descerem a Rua da Água. Ficaram os rapazes a comentar o que conseguiram ver do desfile, enquanto os meus olhos percorriam a multidão à procura dele.
Ao olhar para o fundo da Rua da Água, vi pessoas a gritar de terror e a fugir do que, do nosso ponto de vista, parecia uma rixa de rua. Havia uma enorme concentração de gente e braços a esbracejar. "Ó valha-me Deus… Pronto, já sei qual vai ser a manchete", pensei para comigo.
"Um pequeno grupo não sabe beber e acabamos todos a ser metidos no mesmo saco pela imprensa." Depois vi o carro. O que está aquilo ali a fazer? A estrada estava fechada.
Duas mulheres, ofegantes, pararam na esquina.
"Um carro acabou de atravessar a multidão!", disseram.
Contaram-nos o que se passou, tão confusas quanto nós. Nesse momento, rebentou um fogo de artifício fora de tempo. O estrondo ecoou nos edifícios. Alguém que passou a correr gritou instintivamente: "TIRO!" e instalou-se o pânico.
Tudo pareceu estar em câmara lenta, mas ao mesmo tempo rápido demais para perceber. O som desapareceu, restou apenas o bater forte do meu coração a querer saltar do peito.

O Ste avançou diretamente para o caos. "As raparigas estão lá em cima." Ficámos eu e o Lukas encostados à esquina, a tentar reagrupar-nos o mais depressa possível. Agentes da polícia passaram a correr, depois mais uma vaga, e outra. "ANDAR! ANDAR! ANDAR!"
Começo a ligar ao Jack. Não atende. Tento de novo. Nada. Outra vez, e outra, cada vez com mais desespero.
Atende. "Estou a ver-te."
O tom animado de há minutos desapareceu por completo. Os nossos olhares cruzam-se do outro lado da rua. Quando atravessa, reparo que está pálido; não tem brilho no olhar. Conta-nos que esteve a apenas três metros do carro quando este parou.
O meu primeiro instinto foi pôr-nos a andar dali, mas de repente caiu-me tudo em cima. Se o timing tivesse sido diferente, podia ter sido muito pior. Podia tê-lo perdido. Parei, virei-me e dei-lhe o maior abraço que alguma vez dei a alguém.
Enquanto continuamos a andar, pego no telemóvel. 'Ataque terrorista. Estou bem.' – Um visto, dois vistos. A mensagem chega ao grupo da família e depois é reencaminhada para a minha namorada.
Nesse momento, não fazíamos ideia da causa, dos motivos ou da definição oficial do incidente, mas pareceu-me lógico avisar. Era a forma mais rápida de explicar que aquele dia se tinha tornado um pesadelo.
Viro-me para os rapazes: "Temos de voltar ao apartamento antes que fechem isto tudo." Os três – o Lukas, o Jack e eu – seguimos pelo Strand na direção oposta, a tentar afastar-nos do caos antes de voltarmos a descer mais à frente.
Entramos numa rua lateral e damos por nós no meio de uma multidão animada de adeptos, completamente alheios ao horror que se passava a poucas ruas dali. A mudança de ambiente é desconcertante.
Conseguimos finalmente sair da multidão e descemos a Castle Street, onde encontramos o início do cordão policial. De repente, estamos de novo no meio do caos. Pessoas a cambalear, um carrinho de bebé abandonado, e um homem a tentar estancar a cabeça com lenços, apesar de ter um golpe que parece ir até ao osso.
Enquanto tentamos perceber que caminhos ainda estão abertos, ouço o meu nome. É o Ste, e traz as raparigas com ele. Todos estão bem.

Contornamos o que parece ser um número infinito de ruelas e becos para evitar os cordões policiais, até que finalmente chegamos ao apartamento do Ste. Sapatos fora, chaleira ao lume, todos na sala, canal de notícias na televisão.
Somos recebidos com imagens em direto da equipa de reportagem no Pier Head. Agora tudo começa a parecer surreal. Estivemos MESMO ALI. Exatamente onde a câmara está apontada. Nada disto faz sentido.
A rua vazia parecia assustadora, com a fita policial a esvoaçar ao vento e lixo espalhado pela estrada, um contraste gritante com o ambiente animado de há apenas uma hora. O silêncio na sala só é interrompido por alguém que vai dando novidades enquanto percorre as redes sociais à procura de respostas.
Há um vídeo filmado de uma janela, depois outro ao nível do chão. Um mostra os vidros do carro todos partidos. Os mesmos vídeos repetem-se vezes sem conta no feed.
Começam a surgir relatos de que a polícia diz tratar-se de um homem branco britânico da zona. "Eu podia ter dito isso. Os olhos dele estavam selvagens quando o tiraram do carro", comentou o Ste.
Depois de termos um momento para nos recompor, sair e ligar aos nossos, sugeri irmos comer. Tínhamos uma mesa reservada do outro lado da cidade, por isso seria bom apanhar ar e tentar distrair-nos.
Ao sairmos e passarmos pelo cordão policial na Dale Street (que dá acesso à Rua da Água), sentiu-se um silêncio pesado, apenas interrompido pelas luzes azuis a piscar. Nessa altura, não sabíamos quantas vítimas havia ou se existiam mortos, mas já começavam a aparecer flores.
Na rua seguinte, porém, um grupo de rapazes com camisolas do Liverpool cantava a plenos pulmões o cântico do Federico Chiesa. Estariam a par do que se passava, ou seriam como nós, a tentar encontrar um momento alto num dia que azedou?
Seis meses depois, já conhecemos toda a história. Não houve terroristas, apenas um homem que teve um lapso de juízo gravíssimo. Foi condenado a mais de 21 anos de prisão.
Olhando para trás, é difícil pensar nesse dia por motivos futebolísticos. Com a forma como terminou o dia do desfile, e o falecimento infeliz do Diogo Jota, pouco depois, ficou um peso negro e difícil sobre esse período. Os resultados recentes não têm ajudado, mas mantenho a esperança de que haverá mais desfiles num futuro próximo.
Quando acontecerem, podem crer que lá estarei de novo. Pronto para ver os rapazes a erguer o grande troféu brilhante. Para ver os confettis a cair do céu e ouvir mais uma vez o rugido dos adeptos.
