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E, quando menos se espera, a vida muda. Fábio Ronaldo começou a época em Portugal, ao serviço do Estrela da Amadora, mas o Motor Lublin apareceu em cena e apresentou-lhe um projeto à sua medida.
Depois de algumas épocas a jogar como ala, regressou ao seu habitat natural e tem-se sentido muito bem naquela que é a sua primeira experiência no estrangeiro.
Dois meses e meio já foram suficientes para deixar um cheirinho do que é capaz, mas os adeptos do Motor ainda têm muito para ver do camisola 11.

"Campeonato polaco está a surpreender-me muito"
- Como é que está a correr a experiência na Polónia?
É a minha primeira experiência fora do país, mas, até ao momento, tem sido incrível. Era algo que já ambicionava há algum tempo e a verdade é que o campeonato polaco me tem surpreendido bastante. A atmosfera nos estádios é fantástica, os recintos são muito bons e não existe uma discrepância entre as equipas muito grande, como existe na liga portuguesa.
Para já, tenho-me sentido muito feliz. As coisas estão a correr bem dentro de campo e isso também vem do facto de estar satisfeito com a minha situação. Quanto mais feliz estás, melhor te consegues expressar e melhor jogador consegues ser. Até agora, está tudo a correr muito bem.
- Antes de falarmos em detalhe sobre o campeonato polaco e essa competitividade tão intensa que já referiu, perguntar-lhe como é que surgiu esta possibilidade. Começa pela primeira vez uma época no Estrela da Amadora e, de repente, aparece a Polónia. Como é que tudo isto aconteceu?
Foi algo que me apanhou um bocadinho de surpresa. O plano inicial, tanto da minha parte como da estrutura do Estrela, era muito claro: esta seria a época para me potenciar, jogar o máximo possível e, no final da temporada, pensar então numa possível venda.
Mas as coisas mudaram muito rápido. Surgiu uma necessidade do clube de vender jogadores e, sendo eu um dos jogadores com mais mercado - até porque grande parte do plantel era novo - acabou por aparecer esta oportunidade.
A verdade é que agradou a todas as partes: eu queria ter uma experiência fora de Portugal, o Estrela estava disponível para me vender e o Motor viu em mim um perfil diferente do que tinha e por um valor que considerou positivo.
Foi tudo muito rápido, quase do nada. Confesso que não estava à espera, porque a minha mentalidade era fazer uma época completa, com estabilidade e muitos minutos. No Rio Ave tinha dois anos seguidos sempre a jogar, mas depois passei meio ano com menos utilização e, quando fui para o Estrela, a ideia era recuperar essa regularidade.
Apesar disso, adaptei-me bem, o processo foi simples e hoje estou feliz e isso é o mais importante.

- Qual foi a sua primeira preocupação assim que surgiu a possibilidade Motor?
A primeira coisa que o Motor fez foi enviar-me um vídeo de três ou quatro minutos a apresentar o clube: a história, as instalações, o estádio, o centro de treinos, o ginásio, as zonas de recuperação… até a cidade e o estilo de vida. E isso deixou-me logo a pensar: “Isto pode ser uma boa opção para mim.”
Quando um clube se dá ao trabalho de se apresentar desta forma, de mostrar argumentos para convencer um jogador, percebe-se que está a pensar de maneira diferente. E, ao ver o vídeo, percebi que as instalações eram excelentes e que o ambiente no estádio era incrível. No último minuto falavam da cidade e do dia a dia e eu imaginei-me ali, a viver aquilo. “Acho que vou ser feliz aqui”, pensei.
Depois falei com o Ivo Rodrigues, que está cá. Ele foi das primeiras pessoas com quem falei, porque às vezes mostram-te uma coisa e a realidade é outra. Mas aqui não: as pessoas são rigorosas, organizadas, muito certinhas, algo típico também de muitos países de Leste.
O Ivo confirmou tudo: a estabilidade do clube, as boas condições e o nível competitivo do campeonato. Disse-me que é muito mais intenso do que muitos imaginam e que qualquer equipa pode ganhar a qualquer equipa... não há a discrepância tão grande que existe entre os três grandes e o resto em Portugal.
Percebi que iria ter todas as condições para estar bem e render o melhor possível. Por isso, as minhas dúvidas desapareceram rapidamente.
- E a realidade que encontra é muito diferente daquilo que tinha vivido em Portugal?
Muito diferente. Em Portugal, nem todos os clubes têm as condições que o Motor oferece. O Motor subiu à Primeira Liga no ano passado e, mesmo assim, já apresenta uma estrutura de alto nível. Ficaram em sétimo na época de estreia - o que, para uma equipa recém-promovida, foi acima das expectativas - e este ano o campeonato continua muito equilibrado, com diferenças mínimas entre posições.
Mas o que impressiona mesmo são as infraestruturas: um estádio para cerca de 15 mil pessoas, um ginásio enorme, sauna, banho turco, banho de gelo, jacuzzi, três campos de treino em relva sempre impecável, refeitório… tudo pensado para que o jogador esteja nas melhores condições possíveis. E isso fez diferença para mim. Na fase da carreira em que estou, precisava de um contexto que me permitisse estar na minha melhor versão e render ao máximo.
- Fábio, já leva três golos ao serviço do Motor. O que é que isso lhe diz sobre a sua adaptação?
Tem corrido bem. Uma das razões pelas quais vim para aqui foi precisamente o sistema tático: sabia que ia jogar num modelo que iria tirar melhor partido das minhas características - o um contra um, a imprevisibilidade no último terço.
Em Portugal, acabei por não ser tão bem explorado nesse aspeto. Passei muito tempo a jogar em linha de cinco, como ala, tanto no Rio Ave como no Estrela da Amadora. Por muito que jogasse bem, era difícil fazer números. As pessoas olham para mim como extremo, mas depois veem estatísticas de ala e ficam naquela: 'nem é carne, nem é peixe'.
Eu sempre senti que a minha melhor versão era a jogar a extremo, mas só tens a certeza quando vives isso. Aqui, o treinador explicou muito bem o modelo de jogo, disse-me que me queria para esta função e que já me conhecia. E quando cheguei, as coisas encaixaram: estou mais perto da baliza, apareço mais vezes na área, toco mais na bola em zonas decisivas.
É uma consequência natural: as minhas características juntam-se ao modelo de jogo e os resultados aparecem. Este ano já levo quatro golos - contando com o que tinha feito antes - é o meu melhor registo até agora. Mas quero dar continuidade. Sei que ainda é pouco para aquilo que posso fazer, falta muita época e vou tentar marcar muitos mais.
- Sentiu necessidade de adaptar o seu estilo de jogo ou acha que o seu perfil encaixou naturalmente na equipa e no campeonato?
O futebol aqui é um pouco diferente, a ideologia também, mas aquilo que eu digo é que, na carreira de um jogador, é fundamental escolher bem os passos e os contextos para onde se vai. As minhas características fazem sentido aqui, mas noutro sítio podiam não fazer.
Se eu tivesse ido para uma equipa que joga direto, que vive do “chutão” e de um futebol muito físico, provavelmente não teria a mesma preponderância. Aqui, a forma como a equipa quer jogar encaixa no meu perfil, e isso cria uma simbiose que traz resultados, como acontece com qualquer jogador no contexto certo.
Claro que tive de ajustar algumas coisas, porque o futebol muda de país para país. Mas, no fundo, é sempre futebol: se ouvires, te adaptares e estiveres disponível para mudar certos comportamentos, consegues fazer a transição. A base do jogo mantém-se.

- Já é um Fábio diferente daquele que saiu de Portugal em agosto? Mudou alguma coisa daquilo a que estávamos habituados a ver?
Acho que não. Quem vê de fora pode achar que mudei muito, mas o Fábio é o mesmo. O meu perfil mantém-se: continuo a ir no um-contra-um, continuo a assumir o jogo como sempre fiz em Portugal. A diferença é que aqui faço isso em zonas mais adiantadas e isso traz consequências mais decisivas, como os golos e sabemos bem o peso que os golos têm na perceção que se cria de um jogador.
Se calhar já fiz jogos melhores em Portugal, em termos de qualidade, mas como não marcava, passava mais despercebido. Aqui, como estou mais perto da baliza, consigo traduzir o meu jogo em números.
Fora de campo também sou igual: sempre fui alguém fácil de integrar, sempre ajudei os estrangeiros nos balneários, falo inglês, crio boas relações. Aqui é igual... toda a gente fala inglês, tenho o Ivo a ajudar, e adaptei-me bem. Já tinha experiência de estar fora de casa, mesmo em Portugal, por isso não foi um choque. Era algo que eu queria e para o qual já me sentia preparado.
No fundo, estou só a ser eu. Não estou a forçar nada. Acho que quando tentas ser algo que não és, mais cedo ou mais tarde isso nota-se.

"Este era o contexto que eu procurava para mim"
- Como é viver na Polónia? Um bocadinho mais fresco do que em Portugal, certamente... (risos)
Isso é, sem dúvida, das coisas mais diferentes: faz muito mais frio e anoitece mais cedo do que em Portugal. Mas, sinceramente, lido bem com isso. Quando jogava em Vila do Conde, por vezes passava pior - lá chovia imenso, fazia frio e ainda havia vento, e essa combinação é que custa. Aqui é “só” frio. Treinamos com calça térmica, luvas, e arranja-se sempre forma de estar confortável.
Quanto a anoitecer cedo, a minha rotina é praticamente igual à que tinha em Portugal. Estou cansado do treino, venho para casa descansar. Agora treinamos à uma da tarde, cheguei há pouco tempo, já está a anoitecer, mas fico em casa na mesma: jogo PlayStation com os meus amigos, leio, faço aquilo de que gosto.
- É um país muito frio, mas muito quente no que toca aos adeptos. Como tem vivido esse lado?
Tem sido incrível. Foi até um dos fatores que mais pesou na minha decisão, porque qualquer jogador sonha jogar com estádios cheios. E, em Portugal, esse é um dos nossos defeitos: temos muitos clubes com poucos adeptos na bancada, e isso mexe um bocadinho com a motivação.
Há jogadores que se agigantam nos jogos grandes e eu era um desses. Sempre que jogava contra os grandes fazia boas exibições, porque entrar no Dragão ou na Luz, com 50 ou 60 mil pessoas, dava-me uma motivação extra. Claro que nem todos os jogadores lidam da mesma forma, mas comigo sempre funcionou assim.
Aqui na Polónia isso acontece todas as semanas. Jogamos sempre com 10, 15 mil pessoas nas bancadas. Há duas semanas fomos ao Lech Poznań, atual campeão, e estavam mais de 22 mil. O ambiente é sempre fortíssimo, sempre “quentinho”, mesmo com temperaturas negativas.
E isso puxa por ti. Quando entras no aquecimento e vês a bancada cheia, os cânticos, as coreografias, sentes logo o impacto. Motiva-te, empurra-te e ajuda-te a estar na tua melhor versão.
- Até agora, o Motor tem correspondido às suas expectativas?
Sim, o Motor tem correspondido plenamente às minhas expectativas. Era exatamente o contexto que eu procurava para mim. Estamos a fazer as coisas bem e acredito que ainda vamos somar muitos pontos esta época.

"O Rio Ave é o clube mais importante da minha vida"
- Como é que olha para trás e vê a sua evolução desde a formação até ao futebol sénior?
Tive de seguir um percurso diferente daquele dos jogadores que saem de um clube grande e são logo emprestados a equipas de Primeira Liga. As condições que tive na formação - apesar de o Rio Ave ser um clube incrível e ao qual sou muito grato - não eram as de um grande. Mas tive sempre a sorte de estar rodeado de pessoas que acreditaram em mim: os meus pais, treinadores, gente que me acompanhou e me ajudou a crescer. E eu próprio sempre acreditei muito no meu valor, continuei a trabalhar e a lutar pelo meu espaço.
As coisas aconteceram como tinham de acontecer... cada jogador tem o seu caminho, e o meu foi este. E, sinceramente, sinto que tudo o que vivi me tornou mais forte mentalmente e mais completo. Fiz toda a formação como extremo, mas quando cheguei ao futebol profissional, 80% dos jogos que fiz na Primeira Liga foram como ala. Isso obrigou-me a desenvolver outras valências, a ver o jogo de outra forma, a tornar-me um jogador mais inteligente.
Não tenho arrependimentos. Se calhar, o Fábio de há cinco anos olhava para este Fábio de agora e ficava orgulhoso, porque o meu objetivo sempre foi ser jogador profissional.
- E qual foi o momento em que percebeu que era realmente possível chegar ao patamar profissional?
Tive a sorte de ter um pai que sempre procurou o melhor contexto para mim. Ele percebeu cedo que o mais importante na formação não era dizer que jogava no FC Porto, no SC Braga ou no Sporting, mas sim jogar minutos, muitos minutos. Dos Sub-15 aos Sub-19, isso é fundamental.
Quando decidi ir para o Rio Ave foi precisamente por isso: sabia que ia jogar e evoluir. Se não jogas, não evoluis. O treino é importante, mas é no jogo que tens os estímulos que te fazem crescer.
No Rio Ave percebi que só qualidade não chegava. Tinha estado no Sporting, mas ali, com um contexto mais competitivo, a ficha mudou. Fui com outra mentalidade, muito mais competitiva, e fiz os meus melhores anos nos Sub-19. Quando comecei a treinar com a equipa A, senti logo que pertencia ali e essa confiança ajudou-me a agir com naturalidade.

Sempre fui irreverente: gostava de arriscar, ir para cima, tentar coisas. Às vezes até levava um “cachaço” por tentar uma cueca no meiinho, mas fazia parte da minha identidade. Acho que isso também me fez ser olhado de forma diferente.
Vi muitos jogadores com qualidade a chegarem à equipa A e a bloquearem... não por falta de talento, mas por falta de à-vontade, por medo de errar. Sempre pensei o contrário: “Vou desfrutar. Se correr bem, ótimo. Se não correr, há outros caminhos.” Essa mentalidade ajudou-me muito. Quando jogas sem peso nos ombros e desfrutas, o futebol flui. E, se tiveres qualidade, as coisas acabam por acontecer.
- Acredito que tenha vivido no Rio Ave alguns dos melhores momentos da sua carreira até agora. É um clube especial?
O Rio Ave é o clube mais importante da minha vida. Foi onde passei mais tempo e onde me deram a oportunidade de fazer aquilo que eu sempre quis: jogar futebol profissional. Tenho cem jogos pelo Rio Ave e sentia-me verdadeiramente em casa.
As pessoas gostavam muito de mim, também pelo facto de eu vir da formação - eu e o Costinha éramos os únicos dessa geração a chegar à equipa principal, e isso cria sempre uma ligação emocional especial.
As coisas acabaram como acabaram, mas sou extremamente grato. Todos os treinadores que tive me ensinaram algo, nos bons e nos maus momentos, e tudo isso contribuiu para eu ser o jogador que sou hoje.
- Seguiu-se depois o Estrela. Uma mudança significativa: deixa o Norte e regressa ao Sul. Foi uma passagem curta, com alguns momentos complicados. Como é que resume esse capítulo da sua vida?
Acho que o Estrela foi, acima de tudo, aprendizagem... aprender a tomar decisões, perceber contextos e entender o que é bom ou não para mim. Não digo que faria tudo diferente, porque só me arrependo do que não faço. O que fiz foi porque, naquele momento, achei que era a melhor decisão.
Mas, olhando agora para trás, percebo que devia ter pensado no contexto da mesma forma que pensei quando escolhi o Motor: procurar uma equipa cujo modelo de jogo fosse ao encontro das minhas características. No Estrela, a prioridade era ter minutos e jogar, mas acabei por perceber que isso não chega. O contexto é fundamental.
Respeito muito o Estrela. Tem gente top, profissionais incríveis, fiz ali amizades muito boas. Mas a verdade é que o contexto não era o ideal para mim. Lutámos para não descer, éramos das equipas com menos golos, defendíamos muito e jogávamos pouco. Para um central ou para um guarda-redes isso pode ser ótimo; para um extremo que precisa de atacar, de criar, de fazer números, não é o cenário certo.
Ainda assim, o clube tem alma, tem história e adeptos incríveis. Simplesmente não era o contexto certo para mim naquele momento. E foi por isso que, quando surgiu uma oportunidade que sabia que se enquadrava melhor no meu perfil, decidi agarrá-la.

"Ainda vou dar mais momentos de alegria aos adeptos do Motor"
- Aos 24 anos, como é que se sente em relação ao futuro?
Com o passar dos anos e com aquilo que vais vivendo no futebol, aprendes a criar cada vez menos expectativas. Raramente as coisas acontecem no momento em que achas que vão acontecer.
Na altura do Rio Ave, por exemplo, criou-se a ideia de que eu podia ir para o Vitória SC. Falou-se muito disso, fazia sentido - eles estavam bem, jogavam a Europa - e é normal que imagines o cenário, o estádio, a mudança. Mas acabou por não acontecer. E, passado seis meses, com a entrada do investidor, o Rio Ave já não contava comigo.
Percebi aí que o futebol é timing, momentos. Às vezes tens de ir, outras vezes não é a altura certa. E que o interesse dos clubes é sempre consequência do que fazes dentro de campo, não das expectativas que crias.
Hoje foco-me muito mais no essencial: treinar bem, estar bem no jogo, ser a minha melhor versão todos os dias. Se fizer bons jogos, golos, assistências… tudo o resto vem por acréscimo: melhores contratos, melhores ligas, melhores oportunidades.
Vim para aqui com ambição, claro, quero “rebentar” e abrir portas. Mas, acima de tudo, estou feliz e a desfrutar. O foco é ajudar a equipa. O resto acontecerá de forma natural, se tiver de acontecer.
- O que é que os adeptos do Motor ainda não viram do Fábio e que vão poder ver em breve?
Estou aqui há dois meses e meio e acho que já viram muito do meu jogo, mas quero continuar a evoluir. Vou tentar ser ainda melhor, marcar mais golos e dar mais momentos de alegria aos adeptos e à equipa.
Fico feliz quando sou eu a decidir, claro, mas não olho para o futebol apenas dessa forma. Quem marca aparece como protagonista, mas há todo um trabalho por trás - do colega que faz o passe, da jogada que é construída antes. Eu só tento expressar alegria através do meu futebol e passar isso às pessoas.
Dizem-me muitas vezes que transmito essa felicidade quando jogo, e isso deixa-me muito contente. No fim, o que posso prometer é que vou continuar a dar o meu melhor. Se continuarmos a ganhar jogos e a somar pontos, todos saímos a ganhar: o Motor, a equipa e eu também.
- Agora, uma pergunta para o provocar um bocadinho: o que é que lhe dá mais prazer? Marcar um golo ou fazer uma cueca?
Marcar um golo, obviamente (risos). Como disse, é o momento mais difícil e mais importante do jogo. Antes, talvez tivesse outra mentalidade... adorava dar uma cueca e ficava a falar disso uma semana inteira, mas hoje vejo o futebol de forma diferente.
O golo é o que muda o marcador, o que dá pontos, o que põe as pessoas de pé a gritar e a abraçarem-se. É isso que realmente faz a diferença. Cresces e percebes que o essencial no futebol são os golos, os resultados, estar bem na tabela e ganhar títulos.
Adoro uma boa cueca ou um cabrito, claro que sim, mas o que conta no futebol são os golos, os pontos e os títulos.

Do "sonho" de um grande a um objetivo: "Gostava de ter feito 100 jogos na Liga"
- Ficou algo por fazer em Portugal? Algum objetivo que gostasse de concretizar no futuro? Isto sem lhe perguntar diretamente se sonhava jogar num dos três grandes…
É óbvio que tinha esse objetivo. Qual é o jogador português que cresce a jogar contra FC Porto, Benfica ou Sporting e não sonha um dia representar um desses clubes? Qualquer um. Mesmo que o coração seja azul, verde ou vermelho, se uma oportunidade dessas aparece, ninguém a deixa fugir: jogar Champions, jogar com 50 ou 60 mil pessoas, estar num grande, no teu país, perto da tua família… claro que é um sonho meu, e continua a ser. E o futebol dá muitas voltas, nunca se sabe.
Mas há também um objetivo mais realista que gostava de ter concretizado antes de sair: fazer 100 jogos na Primeira Liga. Fiz 100 jogos pelo Rio Ave, mas não cheguei aos 100 no principal escalão. Quem sabe se, daqui a uns anos, não volto e atinjo essa marca, que para mim teria muito significado.
Penso muitas vezes nisto: tenho amigos com quem cresci, que jogaram comigo, que tinham nível para chegar onde eu cheguei, e que, por várias razões, não tiveram essa oportunidade. Sinto-me abençoado.
- O Fábio tem um irmão mais novo. Que conselhos costuma dar aos jovens que sonham atingir o patamar de profissional?
O que digo sempre é simples: desfrutem do jogo e não se ponham uma pressão desnecessária. Muitos jogadores vivem numa corrida contra o tempo: “aos 23 já devia estar ali”, “aos 24 já devia ter acontecido isto”… e isso só bloqueia. No futebol, tudo pode mudar em dois ou três anos.
Há jogadores que estavam nos campeonatos inferiores e hoje jogam Champions. A chave é seres tu próprio, trabalhares muito e manteres humildade. Talento há em todo o lado, o que faz a diferença é a mentalidade, o detalhe, o momento certo.
Às vezes basta um jogo: naquele dia está um agente na bancada, a bola corre bem para ti e a tua vida muda. Mas isso só acontece se estiveres preparado. Para mim, sorte é isso: preparação a encontrar a oportunidade.
Digo ao meu irmão muitas vezes: “Diverte-te. Joga o teu futebol, não tentes ser o que não és. E trabalha. Não és o melhor do mundo quando jogas bem, nem o pior quando jogas mal. Até os craques têm dias horríveis. Faz parte. Tens é de ser forte.”
- Percebo que lida bem com a pressão, a expectativa e a crítica. Isso é importante num jogador?
Sim, é muito importante. E não foi sempre assim. Quando começas, sentes o peso de tudo: queres jogar, queres aproveitar oportunidades, queres ajudar a tua família, sentes que podes mudar a vida de quem está à tua volta… e isso cria pressão. Às vezes motiva-te, dá-te propósito. Outras vezes vira-se contra ti, porque pensas: “Não estou a conseguir. Porquê?”
Com o tempo, aprendi a lidar melhor com isso. Ver as coisas a acontecer, perceber que o trabalho dá frutos, ajuda-te a ganhar tranquilidade. Hoje sei que as coisas vão acontecer pelo que sou e pelo que faço todos os dias, talvez não no momento que eu quero, mas no momento certo.
Antes questionava tudo: “Joguei bem, por que não apareceu um contrato melhor?” ou “Treinei bem, por que não sou titular?” A nossa geração quer tudo rápido e o futebol não funciona assim. As coisas boas levam tempo. Se fossem fáceis, toda a gente as teria. E é por isso que, quando chegam, têm valor.

O impacto do nome Ronaldo: "Diziam-me sempre que com este nome tinha de dar jogador"
- No meio dessa pressão toda… o facto de ser português e se chamar Ronaldo também lhe coloca alguma pressão ou não?
A minha mãe não pensou muito na pressão que me ia meter com esse nome! (risos) Mas já estou habituado. Na escola, em qualquer sítio onde eu fosse, era sempre a mesma coisa: primeiro diziam logo que eu era jogador de futebol, depois vinham as piadas do “Ronaldo tem de ser jogador, não podes fazer outra coisa”.
Diziam tudo na brincadeira, claro, mas a verdade é que acabei mesmo por ser jogador e fico contente. Aqui na Polónia também é constante: “Ronaldo, Ronaldo”. Ajuda, porque é um nome sonante. Mas é como tudo: quando estás bem, o nome ajuda; quando estás mal, também pode servir para pegar contigo. Faz parte do futebol, e eu lido bem com isso.
- Mas de onde é que veio essa inspiração? É que quando nasceu, o Cristiano Ronaldo ainda não era o fenómeno que é hoje…
Foi a minha mãe que escolheu. Eu nem era para ser Fábio Ronaldo... ela queria chamar-me Fábio Júnior. Mas na maternidade não deixaram. Deram-lhe ali algumas opções e ela acabou por escolher “Ronaldo”. E ficou assim.
- Perante tudo o que já viveu graças ao futebol, se o futebol fosse uma pessoa como nós… o que é que lhe diria?
Agradecia. Tudo o que sou e tudo o que tenho hoje devo ao futebol e também tudo o que pude dar à minha família.
Lembro-me de ouvir o Luis Enrique dizer: “Vocês não são deuses, têm é a sorte de serem muito bons num desporto onde há muito dinheiro envolvido”. E é verdade. O futebol permite-me ajudar os meus, dar melhores condições à minha família, proporcionar experiências. Isso, para mim, vale tudo.
Mas não é só isso. Desde pequeno que o futebol foi quase uma terapia. Quando jogas, esqueces os problemas, seja num estádio cheio ou num futsal a uma quarta-feira à noite com os amigos. É um sentimento difícil de explicar: a alegria de um remate, de uma finta, de uma vitória.

O futebol une, faz rir, faz chorar, dá raiva, dá felicidade. É uma mistura de emoções única. E sinto-me privilegiado por poder viver disso, por orgulhar quem gosta de mim e até por fazer alguém que eu nem conheço celebrar um golo meu.
Saber que posso tocar a vida de pessoas que nunca vi dá-me responsabilidade e, acima de tudo, gratidão. Nem toda a gente pode dizer isso. Por isso, ao futebol, só poderia mesmo agradecer.
- No dia em que decidir colocar um ponto final na sua carreira, o que gostarias que as pessoas dissessem quando ouvissem a pergunta: “Quem é que foi o Fábio Ronaldo?”
Gostava que falassem primeiro da pessoa e só depois do jogador. No futebol, como na vida, já conheci gente que jogava muito… mas que, pela forma como se comportava, só deixou má imagem. E isso apaga tudo o resto.
Quero o contrário. Quero que digam: “Jogava muito, era humilde, era boa pessoa, preocupava-se com os outros.” Que se lembrem da minha postura, da forma como tratei quem estava à minha volta, da atitude que tive todos os dias e não apenas dos clubes onde passei.
Para mim, a carreira é consequência daquilo que somos. Acredito mesmo nisso: atraímos o que damos. E eu quero olhar para trás e saber que fui um bom colega, que ajudei, que tive valores, que representei bem quem me criou... a minha mãe, o meu pai, a minha família.
No fim, os golos e os clubes um dia desaparecem da memória. Mas o carácter fica. E o que eu quero é que, quando alguém perguntar “quem foi o Fábio?”, a resposta seja simples: “Era top. Um grande gajo, dentro e fora de campo".
