CAN-2025: O jejum de três décadas da África do Sul

O antigo capitão dos Bafana Bafana, Neil Tovey, ergue o troféu da CAN em 1996 ao lado de um sorridente Nelson Mandela
O antigo capitão dos Bafana Bafana, Neil Tovey, ergue o troféu da CAN em 1996 ao lado de um sorridente Nelson MandelaMYKEL NICOLAOU / AFP

O triunfo da África do Sul na Taça das Nações Africanas (CAN) de 1996 prometia inaugurar uma nova era, em que o gigante adormecido do continente se ergueria para rivalizar com os titãs tradicionais da época, como Nigéria, Camarões e as nações árabes do norte.

Mas, passados trinta anos, continua a ser o seu único sucesso. A sorte dos Bafana Bafana foi-se esgotando, primeiro de forma lenta, depois de tal modo acelerada que a equipa mal era considerada como outsider à conquista do troféu continental bienal.

No entanto, há um novo otimismo em torno da seleção, impulsionado pelo terceiro lugar alcançado nas últimas finais, na Costa do Marfim, há dois anos, e pela qualificação para o Mundial-2026, nos Estados Unidos, México e Canadá.

O treinador belga Hugo Broos, que deixará o cargo após a fase final, encontrou o equilíbrio certo entre juventude e experiência, e a equipa parte para as finais da CAN-2025 em Marrocos com alguma esperança de estar entre os candidatos ao título, provavelmente pela primeira vez em vinte anos.

Mas porque demorou tanto tempo para um país com uma forte cultura futebolística, uma boa liga doméstica e infraestruturas, e jogadores de talento inegável, voltar a figurar entre as principais seleções do continente?    

Quando o Estádio FNB vibrava de alegria com a vitória por 2-0 sobre a Tunísia na final de 1996 e o sorridente presidente Nelson Mandela entregava o troféu ao capitão Neil Tovey, parecia improvável que a competição de seleções mais cobiçada de África escapasse aos Bafana a partir daí.

A história da emocionante caminhada da equipa até ao troféu, sob o comando de Clive Barker, é tão repetida que até parece aborrecer quem esteve em campo naquele dia de fevereiro.

“Gostava que voltássemos a ganhar o troféu, para deixarmos de falar da Geração de 1996,” dizem muitos. Mas o facto de uma repetição parecer agora tão distante é o que faz crescer a lenda a cada ano que passa.

O declínio dos Bafana Bafana

O declínio dos Bafana é fácil de traçar. Após a vitória em 1996, foram vice-campeões dois anos depois, terminaram em terceiro em 2000 e caíram nos quartos de final em 2002. Entre 2004 e 2008, ficaram-se pela fase de grupos, antes de falharem a qualificação em 2010 e 2012.

Como anfitriões, qualificaram-se em 2013 e foram eliminados nos quartos de final. Voltaram em 2015, mas foram claramente derrotados na primeira ronda, somando apenas um ponto em nove possíveis.

A equipa beneficiou do alargamento das finais para 24 seleções em 2019 e, com mérito, surpreendeu os anfitriões Egito na segunda ronda. Mas, no final, perderam três dos cinco jogos e arrastaram-se pelo torneio.

Não conseguiram a qualificação para as finais de 2021, o que abriu caminho à chegada de Broos, e dois anos depois alcançaram esse terceiro lugar.

A África do Sul foi campeã continental em 1996, a única vez que ergueu o troféu
A África do Sul foi campeã continental em 1996, a única vez que ergueu o troféuWALTER DHLADHLA / AFP

Para Tovey – que mais tarde foi também diretor técnico da Federação Sul-Africana de Futebol (SAFA), estando assim numa posição privilegiada para compreender os desafios do futebol do país – tudo se resume a recursos humanos e mentalidade.

“Quando aquela equipa de 1996 precisava de ir buscar forças, éramos muito intensos no pensamento e no processo,” afirmou: “Desde então, houve equipas muito boas, com jogadores de grande qualidade. Mas penso que, mentalmente, todos éramos como capitães em campo. Todos sabíamos as nossas responsabilidades e não precisávamos de olhar para o banco (do treinador). Quando as coisas corriam menos bem em campo, conseguíamos resolver e identificar problemas muito mais rapidamente do que as equipas conseguem agora. Não tem havido essa liderança em campo nas equipas seguintes, para ser honesto. É tão simples quanto isso.”

Jogar no estrangeiro traz experiência

Esse conhecimento em campo era, em parte, fruto de vários jogadores atuarem em grandes ligas mundiais.

O defesa Lucas Radebe e o avançado Phil Masinga estavam no Leeds United, em Inglaterra, e Eric Tinkler jogava em Portugal, no Vitória FC. O influente John “Shoes” Moshoeu estava no quarto ano da sua passagem pela Turquia, ao serviço do Kocaelispor.

Doctor Khumalo vinha de uma experiência na Argentina, no Ferro Carril Oeste, enquanto o herói da final, com dois golos, Mark Williams, passou pela Bélgica antes de se transferir para o Wolverhampton Wanderers, em Inglaterra.

Essas experiências fizeram deles melhores jogadores e fortaleceram a sua mentalidade. Atuavam em ligas que, na altura, eram um verdadeiro desafio para jogadores internacionais, sobretudo africanos.

O avançado do Burnley, Lyle Foster, é atualmente o único sul-africano a jogar numa das cinco principais ligas europeias.

O avançado dos Bafana Bafana, Lyle Foster, joga no Burnley da Premier League
O avançado dos Bafana Bafana, Lyle Foster, joga no Burnley da Premier LeagueDAN ISTITENE / GETTY IMAGES EUROPE / GETTY IMAGES VIA AFP

Tinkler concorda com Tovey ao afirmar que a liderança é um fator, mas acrescenta que há outra grande diferença entre os jogadores dos Bafana de então e os de agora.

“Nos anos que antecederam 1996, a nossa liga doméstica era praticamente semi-profissional. Os jogadores tinham empregos durante o dia e treinavam à noite. Se querias ser profissional, a única hipótese era ir para o estrangeiro, o que exigia um esforço incrível,” diz o antigo médio, agora treinador de sucesso na Premier Soccer League (PSL): “Essa fome, esse desejo de sair do país... já não é o mesmo da nossa geração. Vejo isso. Para muitos jogadores, trata-se apenas do dinheiro. E são bem pagos na PSL, por isso, onde está a motivação para realmente se superarem e atingirem outro patamar nas suas carreiras? Hoje em dia, o dinheiro vem antes do desempenho. Para nós, era ao contrário. Precisávamos mesmo de mostrar serviço para começar a ganhar algo de jeito e fazer vida do futebol. Isso motivava muitos de nós.”

Pode parecer uma solução simples: basta melhorar a atitude. Mas há uma razão mais profunda para a descida dos Bafana na hierarquia, muito mais difícil, talvez impossível, de contrariar.

África do Sul tem pouca diáspora para aproveitar

A vasta diáspora de muitas nações africanas cria um fluxo de jogadores que melhoram drasticamente as suas seleções. Estes atletas passam por academias em França, Países Baixos, Inglaterra e Espanha, e muitos já jogam em equipas principais de competições exigentes aos 18 anos.

Recebem 11 anos de formação de nível mundial e tornam-se atletas altamente preparados, com capacidade e conhecimento para singrar como profissionais, estando prontos para o palco internacional desde cedo.

Riyad Mahrez (Argélia), Alex Iwobi (Nigéria), Kalidou Koulibaly (Senegal) e Achraf Hakimi (Marrocos) são apenas alguns exemplos de destaque, mas as últimas duas décadas do futebol africano estão repletas de centenas de outros casos.

Estas nações, sobretudo no Norte e Oeste de África, beneficiam de ter a sua formação de base feita por outros, com padrões de excelência mundial.

Dos 23 jogadores da Argélia que conquistaram a Taça das Nações em 2019, 12 atuavam em clubes das cinco principais ligas europeias e outros quatro eram titulares em equipas de Portugal e Turquia.

Na África do Sul, a formação tem de ser feita, em grande parte, internamente, muitas vezes de forma desorganizada e quase sempre com poucos recursos.

Mas até isso está a mudar, com a vitória nas finais da Taça das Nações Africanas de sub-20 de 2025, no Egito, a mostrar que a nova geração é competitiva no panorama continental.