Exclusivo com Fredy, capitão de Angola: "CAN é festa, alegria e uma paixão incrível"

Fredy é o capitão da seleção de Angola
Fredy é o capitão da seleção de AngolaKENZO TRIBOUILLARD / AFP / AFP / Profimedia

Em vésperas da sua terceira e última participação na CAN, Fredy analisa o momento da seleção angolana, recorda o encontro “eterno” com Lionel Messi no encontro de celebração dos 50 anos da independência de Angola, identifica favoritos na prova que decorre em Marrocos, destaca talentos emergentes dos Palancas Negras e renova o apelo ao apoio incondicional do povo. Tudo isto em exclusivo ao Flashscore.

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"Esta é uma das melhores gerações que Angola teve nos últimos tempos"

- Estamos a poucas semanas do arranque de mais uma CAN, que será a terceira edição para si. Começava por perguntar quais são as perspetivas para este torneio, que é muito importante para o povo africano e muito acompanhado em todo o mundo?

As expectativas passam por aquilo que queremos realmente fazer: tentar melhorar o que fizemos no ano passado. A minha primeira CAN não correu tão bem; acabámos por ficar na fase de grupos e houve bastante confusão nos bastidores, por isso também não havia grandes expectativas. Mas a última foi muito boa. As pessoas não esperavam muito de nós, mas conseguimos superar essas expectativas. Chegámos aos quartos de final, o que foi lindo! Conseguimos voltar a aproximar o povo angolano da seleção, uma ligação que já faltava há alguns anos.

Este ano, queremos dar continuidade a esse caminho e, se possível, chegar ainda mais longe.

Fredy projeta participação de Angola na CAN ao Flashscore
Fredy projeta participação de Angola na CAN ao FlashscoreČTK / imago sportfotodienst / AMADA MASARU

- E o que significa, em termos mais pessoais, liderar a Seleção de Angola neste Campeonato Africano das Nações?

É muito lisonjeador. Já estou na seleção há cerca de dez anos, quase onze. Vindo de onde venho, passando pelas dificuldades que enfrentei com os meus colegas, sempre senti que, apesar de termos bons grupos, faltava muita coisa: mais união, mais entreajuda, e que muitos jogadores sentissem verdadeiramente o que é representar Angola, mesmo perante as dificuldades.

Neste momento, poder liderar - não sozinho, mas juntamente com os meus colegas, porque temos vários jogadores que já trabalham juntos há bastante tempo - é algo muito especial. Mais do que isso, significa ajudar a preparar o futuro, para que os jogadores das próximas gerações cheguem mais preparados e possam tentar alcançar ainda mais.

- O Fredy disse ano passado que esta era a geração mais talentosa de Angola. Mantém essa convicção? E o que podemos esperar de si e dos teus companheiros nesta fase final?

Sim, mantenho essa opinião. Quando fomos eliminados pela Nigéria no último CAN, disse exatamente isso aos meus colegas, na roda que fizemos no final. Disse-lhes que tinha um orgulho imenso naquilo que conseguimos construir. Muitos daqueles jovens tinham estado no Mundial de Sub-17 há dois ou três anos. E dessa equipa do Mundial, neste momento, temos connosco seis ou sete jogadores importantes: o Beni, o Domingos, o Maestro, o Zini, o Zito e também o Capita, que está muito bem. São jogadores que têm mostrado o seu valor e foi muito positivo terem vindo para a Europa, onde cresceram, ganharam conhecimento tático e se desenvolveram fisicamente.

Por isso, continuo a acreditar que esta é uma das melhores gerações que Angola teve nos últimos tempos. Sem desvalorizar o trabalho das anteriores - até porque não acompanhei tudo o que fizeram - mas esta geração vejo-a com olhos muito, muito positivos.

Messi jogou em Angola
Messi jogou em AngolaJulio PACHECO NTELA / AFP / AFP / Profimedia

O jogo com a Argentina e uma camisola especial: "Messi é arte"

- Neste último estágio tiveram a oportunidade - e, acredito eu, a felicidade - de defrontar a Argentina, campeã mundial. Como foi esse encontro e como correu este estágio tão perto da CAN?

Foi um jogo completamente diferente. Celebravam-se os cinquenta anos da independência do nosso país, e só isso já era motivo de festa e de querer estar com o nosso povo, de celebrar e tentar fazer algo inédito. Ter o privilégio de defrontar o campeão do mundo e jogar contra o Messi, um jogador que já provou ser um dos melhores - na minha opinião, o melhor que vi jogar - foi único. Ficará para sempre nas nossas memórias.

Além disso, acabou por ser muito positivo, porque demos uma resposta bastante boa. Apesar de ser contra a Argentina, era um jogo de preparação para a CAN. Temos um treinador novo; passámos muitos anos com o mister Pedro (Gonçalves) e, entretanto, ele seguiu o seu caminho. Agora estamos a assimilar as ideias do novo treinador (n.d.r. Patrice Beaumelle), e acho que mostrámos uma imagem muito positiva. Os próprios jogadores da Argentina reconheceram isso, tal como o treinador deles. E é exatamente esse o caminho que temos de continuar a seguir.

- E como foi aquele primeiro contacto, ali no centro do campo, na reunião com a equipa de arbitragem: o Fredy de um lado, e do outro alguém como o Lionel Messi?

Para mim, foi um momento eterno. Ter a oportunidade de defrontar os melhores é o sonho de qualquer jogador de futebol. Marcou-me imenso, porque, como disse, é um jogador que admiro profundamente. Não vejo o Messi apenas como futebol; para mim, o Messi é arte. O que ele faz em campo é extraordinário.

E ele foi um exemplo para muitos dos jogadores que estavam ali, tal como foi para mim. Por isso, poder partilhar aquele momento com ele foi verdadeiramente inesquecível.

- A grande questão é: como está e onde está a camisola?

A camisola está lavadinha e guardada a sete chaves. Muitos amigos até brincam: “Quando eu for a tua casa, é melhor guardá-la muito bem.” Mas está segura. É uma recordação especial. O momento em si já foi eterno, mas ter tido o privilégio de trocar a camisola com o Messi é algo único.

Para os meus filhos, por exemplo, foi incrível. Quando cheguei - já de madrugada - e eles viram a camisola na manhã seguinte, ficaram radiantes. Talvez ainda não tenham bem noção do que significa, mas foi um momento marcante. É algo que vou guardar para sempre e, daqui a uns anos, vou poder contar aos meus netos e mostrar esse momento tão especial.

- Houve alguma brincadeira dos seus companheiros a dizer: “A camisola do Messi é para mim”?

Por acaso, não. No hotel, muitos de nós até perguntámos se seria possível termos um momento com ele antes do jogo. Mas o nível de segurança era muito elevado, tudo extremamente controlado, para evitar aquele tumulto de jogadores a pedirem coisas e a incomodarem. Infelizmente, não foi possível ter esse contacto com o Messi, nem com outros jogadores, antes do jogo. Havia uma grande separação no hotel; alguns chegaram a cruzar-se com eles, mas foi coisa de segundos.

Toda a gente queria ter esse momento, claro. E eu aproveitei logo na altura da moeda ao ar para lhe pedir. Mas sim, era algo que todos gostariam de ter vivido.

- Ele acedeu logo ao pedido?

Sim. No momento em que falei com ele, mostrou uma humildade incrível. Percebe-se realmente que não é apenas o jogador que todos vemos, mas também uma pessoa extraordinária. Foi super aberto e disponível. Mesmo durante o jogo, alguns jogadores eram mais… digamos, “implicativos”: bastava tocar no Messi para reagirem de forma mais agressiva. Mas ele manteve-se sempre tranquilo, sempre com um sorriso. Foi muito bom ver isso.

Angola foi eliminada pela Nigéria na última CAN
Angola foi eliminada pela Nigéria na última CANČTK / imago sportfotodienst / AMADA MASARU

Análise ao grupo e favoritos: "Objetivo é tentar chegar às meias-finais"

- Pelas imagens que temos visto das últimas edições, a CAN é sempre uma prova cheia de emoções. O povo vibra imenso e há momentos absolutamente fantásticos. Como sente que está o povo angolano para esta edição?

Eu digo isto muitas vezes, mesmo que algumas pessoas não concordem, acho que a CAN é uma das competições continentais mais fervorosas que existem. Nós, povo africano, temos uma forma muito intensa de viver a felicidade e os grandes momentos. Somos emotivos, vibrantes, e a CAN carrega tudo isso: festa, alegria e uma paixão incrível. O povo angolano, por natureza, já é assim, por isso está toda a gente muito entusiasmada para esta edição.

Também temos um povo muito exigente, que vai querer muito de nós. E acredito mesmo que a CAN da Costa do Marfim foi espetacular: a organização, tudo. Não tivemos nada a apontar; deram-nos todas as condições para estarmos focados apenas no campo. E creio que a CAN em Marrocos será ainda melhor, pelo que o país tem mostrado nos últimos anos - o desenvolvimento no futebol, as infraestruturas, as condições oferecidas. Muitas seleções que não têm condições para jogar nos seus países já utilizam Marrocos exatamente por isso.

O povo marroquino também é um pouco como o turco: vive o futebol com enorme intensidade. E, além disso, estamos perto da Europa; até costumo brincar dizendo que, se mergulhar deste lado da piscina, em Portugal, saio do outro lado em Marrocos. Por isso, acredito que vai haver muita gente - descendentes africanos e também público europeu - e que todos os olhos do mundo vão estar virados para esta CAN.

- Na última edição, vocês igualaram o melhor registo de sempre de Angola na prova: os quartos de final, onde foram eliminados pela Nigéria. É possível o povo angolano sonhar com um pouco mais nesta edição?

Sonhar não custa, e é sempre bom. Nós também queremos isso; queremos fazer ainda melhor. Igualámos o registo, mas com uma diferença importante: antigamente não havia oitavos de final, passava-se diretamente para os quartos. Desta vez, igualámos o resultado, mas jogando uma partida a mais.

Neste momento, o nosso grande objetivo é tentar chegar às meias-finais. E, chegando lá, o terceiro ou quarto lugar já está garantido. Mas chegar à final seria algo inédito e absolutamente fantástico de ver.

O grupo de Angola na CAN
O grupo de Angola na CANFlashscore

- África do Sul, Zimbabué e Egito integram o grupo de Angola. Difícil?

Bastante. Acho que o nosso grupo, juntamente com o de Moçambique, é dos mais equilibrados. E, olhando para o papel, talvez até seja o grupo mais nivelado de todos. Vai ser difícil; qualquer equipa pode ganhar qualquer jogo. Por isso, temos de estar cem por cento focados, bem preparados, entrosados e fazer tudo para passar a fase de grupos.

- E entre todas as seleções presentes, consegue identificar algum favorito a vencer a competição?

Para mim, Marrocos é claramente a grande favorita, não só por jogar em casa, mas também pela campanha que tem feito nos últimos tempos. Têm jogadores magníficos. O Senegal será também uma das equipas que estará sempre na luta. A Costa do Marfim, sendo a campeã em título, terá sempre uma palavra a dizer.

A Nigéria é uma equipa muito forte, com jogadores de nível mundial. Gosto bastante da equipa da Tunísia; talvez não tenha nomes tão sonantes como outras seleções, mas como equipa funciona muito bem. O Egito é sempre um candidato, pela qualidade coletiva e pelos jogadores que tem e ter alguém como o Salah ajuda muito.

A Argélia também merece destaque. Na última CAN fomos nós que lhes complicámos bastante a vida, mas acredito que este ano vão querer apresentar uma imagem completamente diferente. E há ainda o Congo, que tem um núcleo de jogadores muito bons e pratica um futebol de qualidade.

Acho que estas são as seleções que vejo como as mais fortes nesta edição.

Fredy ao lado de Gelson Dala na última CAN
Fredy ao lado de Gelson Dala na última CANKENZO TRIBOUILLARD / AFP / AFP / Profimedia

Do "melhor" Gelson Dala ao "diamante" Zini: "É um miúdo muito especial"

- Não querendo que o Fredy seja injusto para com os seus companheiros de seleção, mas há algum “diamante” que acha que vai ser visto com especial atenção? Ou acredita que serão vários os jogadores em destaque na vossa seleção?

O Gelson (Dala) será sempre a nossa principal referência. Para mim, é o melhor jogador angolano de todos os tempos, sempre com respeito por tudo o que os outros fizeram. Conheço bem o Gelson: tive a felicidade de jogar em Angola quando ele apareceu e também de partilhar equipa com ele aqui na Turquia. Por isso, será claramente a nossa grande figura.

Depois temos o Mabululu, que na última CAN fez uma competição extraordinária. É um jogador com um faro pelo golo muito forte. Mas acredito que o Zini, que para mim é um miúdo muito especial e com um talento enorme, também pode ser uma grande surpresa. Infelizmente está a recuperar de uma lesão neste momento, mas espero que chegue à CAN em boa forma. Pode muito bem ser um diamante ainda por lapidar.

- O Fredy já admitiu que esta será a sua última participação na CAN. Como está a lidar com a expectativa, o nervosismo, a ansiedade?

Tento não pensar muito nisso e aproveitar o momento. Sou uma pessoa que vive mais o presente do que aquilo que poderá acontecer depois. Se não aproveitarmos o momento, não conseguimos usufruir dele. Por isso, o meu foco está nos jogos - nesses três jogos iniciais, que são os que já temos garantidos. Quero desfrutar deles.

Depois, fase a fase, logo se vê. Se passarmos a fase de grupos, aí talvez sinta um pouco mais esse nervosismo e essa emoção de perceber: “Está a chegar ao fim.” Mas sempre tive consciência de que este momento iria chegar. Há novos talentos a surgir, diamantes que já brilham e que podem ajudar muito a seleção. Já estão integrados e acredito que chega uma altura em que temos de saber passar o testemunho.

Sinto que já transmiti muito do que é jogar pela seleção, do que é viver a camisola nacional e representar o país. E, como digo sempre, quando entramos em campo, não vamos sozinhos: levamos milhões de angolanos connosco. E estou mentalizado para este último capítulo.

Fredy começou a jogar na seleção de Angola em 2014
Fredy começou a jogar na seleção de Angola em 2014SAMUEL KUBANI / AFP / AFP / Profimedia

O trajeto na seleção angolana: "Muita resiliência, muito amor à pátria"

- Fredy, olhando para trás: a sua primeira internacionalização foi em 2014. Já lá vão onze anos ao serviço da seleção. Houve momentos altos, outros mais baixos, naturalmente alguns complicados. Como descreveria este trajeto ao serviço dos Palancas Negras?

Foi complicado. Foi resiliência, muita resiliência... Quando cheguei à seleção de Angola, já havia desafios, mas ainda era possível manter algum equilíbrio. Depois de dois ou três anos, a situação na federação começou a dar passos atrás e apareceram várias situações menos boas.

Tenho histórias... Às vezes falo disso com o Buatu. Nós chegámos praticamente na mesma altura; se não foi no mesmo jogo, foi com um jogo de diferença. E ainda há pouco tempo, nos Camarões, estávamos a relembrar tudo isso e dissemos um ao outro: “Imagina aquilo que já passámos, todas as dificuldades... e hoje conseguimos chegar onde estamos". E não queremos parar aqui - queremos mais.”

Foi muita resiliência. E foi, acima de tudo, muito amor à pátria.

- Com toda a sua experiência e tudo o que já viveu - momentos de instabilidade e outros de maior estabilidade - como encara o futuro da seleção de Angola? Acredita que as coisas já estão estruturadas para que o futuro seja ainda melhor?

Acho que ainda falta bastante para que o futuro seja verdadeiramente melhor. Já demos alguns passos muito positivos. Houve também uma mudança na liderança da federação, e é normal que esta nova direção precise de algum tempo para se adaptar e para conseguir seguir os bons exemplos.

Os próximos jogos de Angola
Os próximos jogos de AngolaFlashscore

Acredito nas pessoas que estão à frente, acredito na capacidade de trabalho e também na ambição de querer fazer as coisas acontecer. Mas sei que sozinhos não vão conseguir; é preciso muita ajuda, porque o processo não é fácil. O mais importante é a organização. Mesmo com muitos recursos ou com poucos, se não houver organização, será sempre difícil. Mas, se tudo for bem estruturado, o futuro da seleção será muito bom.

- Por fim, como capitão e um dos jogadores mais experientes, que mensagem deixaria ao povo angolano?

O que tenho vindo a dizer mantém-se: continuem a acreditar em nós e a apoiar-nos, porque juntos somos mais fortes. Como diz o nosso Hino: “Pátria unida jamais será vencida”. É fundamental sentirmos o apoio do povo, mesmo nos momentos menos bons. Com essa força extra, conseguimos sempre dar um pouco mais.

Acreditem que vamos sempre dar tudo para lhes proporcionar alegrias, porque as nossas vitórias são também as vitórias de todos os angolanos.