- Falamos depois do jogo com a Argentina. Como foi participar numa partida com a campeã do Mundo? Em particular com o Messi, claro.
- Acho que quase ninguém diria que a campeã do Mundo e número um mundial podia vir a Angola disputar um jogo, não é? A última vez que jogaram foi em Nápoles e a dificuldade de trazer uma seleção dessas a África... só mesmo numa grande competição, que foi o Mundial na África do Sul. Não me recordo, de cabeça, se houve outra seleção assim tão grande a vir jogar ao continente africano. Toda a gente perguntava o mesmo 'será que o Messi vem a Angola? Eles têm de ter as vacinas todas, será que se vai a esse trabalho todo, será que não vai?'. Eram essas as perguntas. Isto foi tratado por pessoas do país, foi à parte da Federação. Eles só nos respondiam 'nós só vamos organizar o jogo, eles vão fazer a viagem, vão estar acompanhadas por pessoas poderosas do país e do Governo e nós só sabemos que dia 14 de novembro vai haver o jogo com a Argentina'. Depois começou a especular-se que eram 10, 12, 15 milhões de euros, que só pagavam esses 10 se o Messi viesse.
- A experiência foi única, para mais tarde recordar. Jogar com a Argentina era algo impensável e jogar contra um dos melhores de sempre também era. Não sofrer golo (do Messi), nem nos meus melhores sonhos. Pensei muito nisso, sabia que ia jogar, no dia do jogo soube que ia ser titular porque estava combinado que jogávamos 45 minutos cada parte. Fiquei feliz por ser titular, na minha cabeça passaram muitos lances, o Messi a rematar e eu a defender e concretizou-se, felizmente para mim.
- Há algum momento desse particular que vá guardar na memória? Conseguiu alguma camisola?
- Toda a gente começou a escolher. Queriam a do Lautaro, do Messi, etc. Eu disse 'vou virar-me para o Rulli, que é da minha posição e vou falar com ele'. No fim do jogo falei com ele, ele perguntou 'posso ficar com a tua também?'. E eu disse-lhe 'olha, vou pedir-te desculpa, mas esta não posso dar porque só temos mesmo uma, mas não te preocupes que vou falar com o Clinton, que joga no Lyon, e quando ele vier em dezembro à CAN, dou-lhe a camisola e ele entrega-te quando jogar contra ti'. O Rulli disse que não havia problema. Tomei o meu banho, dirigi-me ao balneário da Argentina, o Rulli vem à porta e pergunta 'então, Hugo, já tens a camisola? Dei a uma pessoa da Federação para te entregar'. E eu ' o que é que tu foste fazer? (risos) Achas que alguém me veio entregar a camisola?'. Aqui, qualquer pessoa chega, pensas que é da Federação, dás a camisola e ela desaparece. E foi o que aconteceu, não fiquei com a camisola. Vou dizer ao Clinton quando ele vier, entrego-lhe a camisola e escrevo uma nota a dizer 'está aqui a minha camisola, mas não tive a tua porque desapareceu'.
- Queria ter guardado a camisola de alguém da Argentina, mas o momento que ficará para sempre para mim e para a minha família foi a defesa que fiz ao remate do Messi, que depois reconheceu a defesa, tenho essa foto em que estamos os dois a cumprimentar-nos um ao outro (ver abaixo). Aquele reconhecimento valeu muito mais do que qualquer camisola.

- É certo que foi um jogo amigável, mas o Scaloni elogiou a exibição de Angola. Em que medida é que este jogo pode ter contribuído na preparação para a CAN?
- Este tipo de jogos traz o melhor de nós em termos de entrega e concentração. Há erros porque eles são os melhores, aí há sempre erros, eles provocam o erro. Nem todas as seleções têm a sorte de se prepararem para a CAN contra seleções como esta. Para nós foi muito bom, é um jogo que demonstra que é possível fazermos uma boa CAN. Tivemos uma boa posse de bola, construímos boas jogadas e tivemos oportunidades de golo. Havia quem pensava que ia ser só a Argentina com bola e nós a defender, que seria o normal porque a Argentina teve a seleção quase toda a titular e isso para nós foi um teste muito bom. Preparar uma CAN com a Argentina? Não há nada melhor do que isso.
- Que sinais é que a equipa foi dando nessa partida?
- O Fredy é experiente, o Buatu também, o Gaspar tem estado num nível muito bom, o Maestro tem estado bem na Turquia, temos o N'Zola na frente e o Chico Banza é um jogador para quem é igual jogar contra a Argentina ou a Zâmbia, não interessa quem está do outro lado. O jogo foi decorrendo e fui sentindo a confiança deles. Isso mostra caráter da equipa. O mister tem feito um trabalho bom porque normalmente, quando se vem para a seleção, vem-se com o pensamento de 'vou relaxar um bocado porque vou estar com os meus amigos que não vejo há muito tempo'. O que ele nos vai passando é que não podemos facilitar e senti diferença na organização da equipa. Tivemos ocasiões para chegar à baliza da Argentina, chegámos, tivemos situações e demonstrámos caráter".

"Se não passarmos a fase de grupos vai ser uma grande desilusão"
- Como descreve o momento atual da seleção angolana? Houve uma mudança relativamente recente de selecionador.
- Estamos num momento de transição. Trabalhei com o antigo selecionador quase desde início e o que notei diferença é o que ele nos pede nos treinos: mais concentração e intensidade. É um selecionador que já esteve em sete CAN e isso dá muita bagagem. Ganhou duas CAN, como adjunto, mas ganhou e esteve lá, sabe o que é preciso. O selecionador antigo queria, claro, mas eu sentia que, na preparação dos jogos, havia relaxamento e isso não era bom. Pode correr tudo bem porque os jogadores têm talento ou mal, como agora nesta qualificação para o Mundial.
- Nos últimos tempos Angola tem mostrado mais competitividade, mas acabou por ficar apenas em 4.º no grupo de qualificação onde Cabo Verde foi a surpresa. Na sua leitura interna, que fatores explicam a prestação de Angola? Onde acha que a equipa evoluiu e onde acusou maior dificuldade?
- O selecionador no treino disse-nos 'quero uma seleção boa que pode ganhar a qualquer equipa e pode bater-se com qualquer equipa. Não quero uma seleção que pode ganhar a qualquer equipa e pode perder com qualquer equipa'. Faltou um bocado isso na qualificação para o Mundial, mais estabilidade, exigência. Depois da CAN que Angola fez, toda a gente estava esperançosa que a qualificação para o Mundial ia ser muito boa. A seleção era a mesma e quem chega aos quartos de final da CAN pode bater-se de frente com as seleções para ir ao Mundial. Toda a gente estava com esse pensamento, eu também estava. Começámos com um empate em Cabo Verde, que é sempre bom, eles têm uma boa seleção, e depois empatámos com as Maurícias e vês que falta ali qualquer coisa e é aí que temos de dar o passo seguinte. Temos de fazer bons jogos contra as boas seleções, mas temos de ganhar às seleções que são teoricamente mais fracas. Só assim é que Angola poderá ir outra vez ao Mundial.

- Em 2024 repetiram o maior feito do país e chegaram aos quartos. O objetivo passa por fazer o mesmo ou a dificuldade do grupo, com Egito e África do Sul, torna essa missão muito difícil?
- Estamos a preparar-nos para passarmos a fase de grupos, achamos que é possível. Com uma vitória no grupo podemos entrar logo nos melhores terceiros e isso é bom. Mas vemos a última CAN e Angola também não era dos favoritos do grupo e passou em primeiro, isso pode dizer muita coisa do que pode vir nos oitavos. Em primeiro, podes encontrar uma seleção de terceiro lugar de outro grupo. Temos de fazer o nosso trabalho, tentar ficar o mais acima possível no grupo. Pelo que temos feito, se não passarmos a fase de grupos vai ser uma grande desilusão.
- Nos últimos anos, tem-se notado algum crescimento em seleções africanas, como já falámos de Angola e também Cabo Verde. O que acha que mudou para que isso acontecesse?
- A aposta do continente europeu nos jogadores africanos. Se vais a seleções de África, as que não eram muito grandes já conseguem meter quatro ou cinco jogadores a bom nível em clubes da Europa e isso vai puxando os outros, o próprio país a ter melhores condições ao nível de formação e campeonato. É por aí que começa a evolução. A CAF obriga a que todos os campos na Liga dos Campeões (africana) sejam bons para jogar. Antigamente não havia isso, hoje em dia há uma inspeção rígida. Vais para a fase de grupos e todos os estádios são novos ou foram remodelados há pouco tempo. Isso faz o futebol evoluir e é bom para as seleções todas.
- Um crescimento que está a ser acompanhado pelo crescimento estrutural das organizações.
- Sim e a CAN é o espetáculo mais visto do Mundo depois do Mundial. África está em todo o lado. Se vais ver as visualizações no Youtube, streamings, quando há CAN isso dispara completamente. Quem está a um nível muito bom na CAN consegue bons contratos. A nível organizacional, o presidente da CAF deu um crescimento significativo a África.

- Falando de Angola, quais é que são os pontos fortes da equipa atualmente?
- Acho que, neste momento, estamos muito fortes a nível defensivo. Se conseguirmos levar isso mais para a frente, porque temos jogadores muito bons, se conseguirmos engatar podemos ser uma seleção muito forte.
- Está por dentro do futebol angolano. O que achas que falta para, por exemplo, o país voltar a um Mundial?
- Falta consistência em projetos. Não é bom estar sempre a trocar de selecionador, não dar continuidade a uma direção. Agora tens um presidente que gosta de futebol, esteve muitos anos ligado ao Interclube, foi campeão, tem o vice-presidente, o Kali, que foi ao Mundial-2006, teve muitas internacionalizações, gosta de futebol. O envolvimento é bom, mas tem de se dar continuidade. Se tudo correr bem, vamos fazer uma boa CAN, depois um terço deste grupo vai partir e temos de estar prontos para preencher essas vagas de jogadores que se vão abrir para dar continuidade ao projeto. Há jogadores que antigamente não saiam daqui, os outros estavam nas segundas divisões de Portugal e Espanha, mas agora vês jogadores na LaLiga, Ligue 1, Serie A. Temos de dar continuidade a isso porque, com o tempo, podemos ser uma forte candidata a ir a um Mundial.

"Esta vai ser a melhor CAN de sempre"
- Como está a ser feita a preparação da equipa para a CAN? Foi o último estágio antes da fase final.
- Tem sido boa. Foi a última convocatória para o mister fazer os últimos testes. Depois teremos mais jogos de preparação, mas já com a convocatória final. Toda a gente está esperançosa de ir. Esta vai ser a melhor CAN de sempre porque Marrocos está a preparar-se para receber o Mundial e vamos encontrar excelentes condições. Vai ser uma CAN muito bem disputada, os jogadores vieram preparados, já não dizem que não à seleção, não pedem para ficar nos clubes para lutar por um lugar e vêm à seleção porque sabem que uma boa CAN é uma montra enorme. O que senti é que a equipa está forte e com todos a lutar pelo lugar.
- Diz que vai ser das melhores CAN de sempre: olhando para as seleções presentes, quais podem ser as favoritas ou surpresas?
- As que se qualificaram para o Mundial irão certamente partir com avanço. A moral vai estar em alta, o grupo vai estar mais forte. O Egito, para mim, parte sempre como número um. É a seleção com mais títulos africanos. Depois tens Sadio Mané no Senegal, a Costa do Marfim, que ninguém daria nada na última CAN e chegou lá mesmo no fim. A Nigéria vai querer vingar-se por não ter ido ao Mundial, o Congo vai moralizado porque atingiu o play-off. Acho que as seleções que vão ao Mundial, Congo, Camarões, que vão ter mudanças, vão ser as principais candidatas.
"Sabia que ia chegar a minha vez e agora estarei lá"
- A nível pessoal, foi suplente na CAN-2012 e agora tem a oportunidade de se estrear. Como se sente por ver este sonho ser alcançado nesta altura e por representar Angola na prova pela primeira vez como titular?
- 13 anos depois, posso estrear-me. Foi sempre um objetivo desde que, em 2011, decidi ter a nacionalidade angolana para representar a seleção. Não tive a sorte de me estrear, mas estive lá com, se calhar, o melhor grupo que Angola já teve. Agora, em 2025/26, pode ser a minha estreia. Espero que seja, vou lutar por isso. Estive uma parte de fora, não fiz parte da qualificação, mas estou bem, mesmo com 39 anos sinto-me muito forte fisicamente e mentalmente.
- Nasceu em Braga, chegou a jogar pelas seleções jovens de Portugal, mas já chegou há muito tempo à seleção de Angola. Curiosamente, esteve praticamente sete anos afastado da seleção. O que acha que levou a que isso acontecesse?
- São as tais coisas que eu digo: os projetos são feitos, mas depois trocam direções e treinadores e há sempre alguém que paga. Eu fui convocado para a CAN, mas na primeira convocatória a seguir já não fui convocado porque o selecionador mudou. Eu jogava na mesma e o novo selecionador não me chamou, simplesmente. Regressei a Portugal e continuei a não ser chamado, o selecionador chamava jogadores maioritariamente do Girabola. Só quando o Pedro Gonçalves assume é que recebi uma chamada do antigo treinador de guarda-redes do Benfica, que tinha trabalhado em Angola, a dizer 'o mister quer que tu regresses. Estás aberto a regressar?'. E eu disse 'eu nunca estive fechado, simplesmente não me convocavam'. Naqueles sete anos, perdi duas ou três CAN onde podia ter estado. Foi duro, mas sempre disse que não ia desistir. Sabia que ia chegar a minha vez e agora, se tudo correr bem, estarei lá.

"O Gelson Dala é o melhor jogador de Angola"
- Ter voltado a Angola foi determinante para se afirmar na seleção? Também foi com esse objetivo que assinou pelo Petro?
- Quando regresso a Angola não foi por causa da seleção. Estava na África do Sul, no Cape Town, e já estava a ser chamado pelo Pedro Gonçalves. O meu regresso a Angola até teve a ver com a minha saída da seleção. Houve um episódio que não foi feliz com um adepto no campo, o selecionador não conseguiu viver com isso, eu consegui, ele preferiu tirar-me da baliza da seleção numa qualificação onde estávamos com uma vitória e um empate, estávamos em primeiro, mas foi com a pressão e tirou-me da baliza. Senti-me desprotegido na altura. Se calhar devia ter aguentado o soco no estômago, mas não consegui e foi assim que aconteceu. Vim para o Petro lutar por títulos, a parte financeira também pesa, mas queria estar num país que conhecia, porque estava sozinho na África do Sul, a 14 horas da minha casa, na Póvoa de Varzim, e em Angola estava mais perto. A minha mudança também foi um bocado por aí.
- Continuamos a ver muitos jogadores do campeonato português ou com passagem por cá na seleção, como o David Carmo, Kialonda Gaspar, Beni Mukendi. Se tivesse de dizer, quais são as principais referências atuais da seleção de Angola que podem sobressair na CAN?
- Há um que eu vou levar sempre comigo, que foi um miúdo que se estreou comigo, vi crescer, é o meu companheiro de quarto, fazemos o off season sempre juntos em Esposende. O Gelson Dala, para mim, é o melhor jogador de Angola há muitos anos e, se tiver força e estiver bem fisicamente, irá sempre ser dos melhores jogadores. Não aparece muito no estrelato, é muito humilde, mas dá tudo. O David Carmo é um jogador sonante, o Kialonda sai daqui para o Estrela com o meu cunho, na altura o treinador era o Sérgio Vieira, que foi meu treinador no Farense. Precisamos muito que o Zito esteja em grande forma, que o Fredy continue com força nas pernas e é esperar. O Tó Carneiro, que ninguém conhece, está em Marrocos, é uma máquina. Eu sou o mais velho e tenho quebrado o meu próprio recorde sempre que jogo, aumento o recorde de jogador mais velho a cada jogo. Estejam atentos porque Angola irá fazer uma boa CAN e vai orgulhar os países PALOP. Espero que nos apoiem.
- Ficou ideia que o Gelson Dala podia ter atingido um nível superior quando esteve em Portugal. Notava-se que era um jogador muito talentoso.
- Sim, mas também tem a ver com projetos. Se apanhasse o Ruben Amorim no Sporting, de certeza que iria ter muitas hipóteses. Ele é muito bom jogador, mas apanhou um Sporting complicado, o projeto não avançava, mudava de treinador. Se apanhasse outro treinador, ia ter muita sorte.
- Vai fazer 40 anos ainda com a CAN a decorrer. Está perto de atingir um objetivo de carreira. Para finalizar, que outros grandes objetivos ainda tem? Ainda o vamos ver a defender a baliza de Angola nos próximos anos?
- Vou fazer a 15 de janeiro, se estivermos na CAN é sinal que estamos perto da final. Toda a gente diz que o golo 1000 do Ronaldo é na final do Mundial, para mim era um sonho festejar o meu aniversário na seleção. Tenho o sonho de fazer uma grande Liga dos Campeões com o Petro de Luanda porque aqueles quartos de final ficaram atravessados na minha garganta, estávamos muito fortes. Depois quero estrear-me na CAN, que ainda não me estreei, e conseguir fazer mais do que foi feito na última CAN seria fantástico. Se vou continuar a representar Angola? Isso vai depender do mister. Felizmente, irei ter mais um ano no Petro de Luanda e, se ele achar que eu estou bem, vou estar de braços abertos porque quero desfrutar de tudo o que posso desfrutar na minha carreira.
