Said Bakari, lateral-direito do Sparta Roterdão, soma 50 internacionalizações pelas Comores e esteve presente quando o pequeno país insular fez a sua estreia na Taça das Nações Africanas em 2021.
Quatro anos depois da eliminação na segunda ronda, o Flashscore falou com Bakari no centro de treinos do clube, Nieuw Terbregge, numa entrevista exclusiva antes do tão aguardado torneio em Marrocos.
- Olá Saïd, como estás?
- Estou bem. Mal posso esperar que a CAN comece. Já sabemos há algum tempo que estamos qualificados e ainda tivemos alguns jogos depois disso – está cada vez mais perto, por isso estamos ansiosos para começar.
- Vai ser a sua segunda CAN. Lembra-se de como foi a primeira?
- Foi um momento especial. Ficámos muito orgulhosos por jogar lá. Só que, nessa altura, a COVID ainda estava presente. Não conseguimos realmente desfrutar do torneio e do ambiente como jogadores, porque tínhamos sempre de manter a distância. Mas foi fantástico, também para mim. Foi uma grande experiência – é o mais alto nível internacional do futebol africano e jogas contra equipas do Mundial. É um nível elevado e foi uma experiência muito boa para nós.

- Chamou à sua primeira CAN com as Comores de um sonho. Como descreve a segunda?
- Confirmação. É o próximo passo. A primeira vez é um sonho, a segunda é para mostrar que não foi sorte. Temos sorte de estar aqui, mas não foi por acaso. Desta vez, voltámos a mostrar que não aparecemos do nada. A segunda vez é o momento de mostrar quem somos e porque estamos aqui. Especialmente contra Marrocos, uma das melhores equipas do torneio, em casa deles.
- Como encaram o jogo de abertura contra Marrocos?
- Vamos tentar aproveitar o momento. Não devemos colocar pressão sobre nós nem pensar demasiado; só temos de jogar. Pessoalmente, sou alguém que adora o público ou jogar contra o público. Vamos desfrutar. Somos, na maioria, rapazes das ruas de França, de Paris, Marselha e outras zonas do país. Adoramos estes momentos, por isso vamos jogar sem pressão e com alegria.
- Pouca gente conhece as Comores. Como descreve a equipa?
- Somos uma equipa técnica. Não somos tão grandes e fortes como as outras seleções africanas. Somos os mais pequenos em campo, mas muito técnicos. Taticamente, também estamos bem organizados. Jogamos como equipa – não temos grandes nomes nem um jogador estrela em quem confiamos. Todos têm de lutar uns pelos outros, do guarda-redes ao avançado. Somos uma verdadeira equipa e temos de jogar como tal; caso contrário, torna-se difícil para nós.

- Como descreve o seu papel como um dos jogadores mais internacionais da história do país?
- Sou trabalhador. Não me considero um exemplo, mas sou alguém que trabalha sempre muito. Ao mostrar isso, transmites aos jovens jogadores a mentalidade de que é preciso trabalhar para alcançar resultados. O meu papel também é servir de ponte entre as gerações mais novas e as mais velhas. Estou um pouco entre as duas – há jogadores mais velhos do que eu e tenho uma boa ligação com os mais jovens. Alguns acham mais fácil falar comigo do que com o staff ou os mais velhos; nesse caso, transmito a mensagem. Mas também estou lá pelo ambiente. Acho importante manter uma boa relação e continuar a divertir-me.
- Sendo um dos jogadores mais internacionais e já no oitavo ano como internacional comorense, sente alguma responsabilidade e liderança pelo país?
- Estás completamente em destaque. O que mostras, fazes ou dizes tem impacto. Talvez não no país em si, mas as pessoas seguem o que fazes ou dizes. Sei que não sou um desconhecido no país – tenho de ter em conta o que faço nas redes sociais, por exemplo, porque também afeta a minha família. Somos figuras públicas no país. Não podemos ir a todo o lado; somos conhecidos lá. Não precisamos disso, mas é o futebol. Somos as personalidades que as pessoas seguem, que os jovens tomam como exemplo, que olham como ‘os grandes’, por assim dizer.
- Como foi regressar a Moroni depois de dois anos?
- Foi uma loucura. Não estivemos lá durante dois anos, mas agora era o momento de voltar. Não foi como da primeira vez, mas foi incrível. Havia muita gente, desde o aeroporto até ao hotel, nos treinos, no jogo... Toda a semana foi só futebol. Foi bonito de ver, eles esperam sempre por nós. Estivemos fora durante toda a fase de qualificação; jogámos todos os jogos fora de casa. Não tivemos oportunidade de celebrar juntos, mas este foi o momento.
- Estão num grupo com Marrocos, Mali e Zâmbia. O que acha do grupo?
- É um dos grupos mais difíceis, senão o mais difícil, do torneio. O Mali tem uma equipa muito forte que chegou aos quartos de final na última edição, toda a gente conhece Marrocos e a sua marca de 17 vitórias consecutivas, e a Zâmbia já foi campeã da CAN. Somos uma equipa pequena, na verdade a mais pequena. É um grupo complicado, mas hoje em dia qualquer equipa pode vencer outra. Somos uma boa equipa, por isso também não será fácil para eles. Vamos lutar pelas três vitórias.
- Outros países pequenos, como Curaçau, inspiram-no depois da qualificação para o Mundial?
- Sem dúvida. É preciso acreditar e dar tudo. Tens Curaçau e Cabo Verde agora, há uns anos tiveste Islândia no Europeu – tens de acreditar em ti e na tua equipa. Tudo pode acontecer. Não se vence Argentina de repente, é preciso ir passo a passo.
- Como descreve o impacto do treinador Stefano Cusin?
- É um treinador disciplinado defensivamente. É italiano e eles são muito rigorosos nas tarefas defensivas. Mudou a forma como jogamos em contra-ataque – jogamos com um sistema diferente, que nos permite avançar mais rápido. Quando chegou, achou que jogávamos bem, mas não atacávamos com rapidez suficiente.
- Como é o seu trabalho com o grupo?
- Bom. Chegaram novos jogadores e estão a mostrar o seu futebol, correu logo bem. Os primeiros resultados também foram positivos. Encaixou bem no grupo – somos mais rápidos a atacar e mantemos bem a posse de bola. Estamos a melhorar defensivamente também.

- O que nota na forma como Cusin vive a CAN com as Comores?
- É ambicioso. Também é um bom momento para ele. Chegou e qualificou-se logo para a CAN, e quase conseguiu o mesmo para o Mundial. É como nós – está ansioso por viver a CAN.
- A equipa é composta maioritariamente por jogadores de países como França. O que nota nos jogadores locais que entram na seleção?
- Temos bons jogadores. Os locais às vezes juntam-se à equipa. Taticamente, a liga não é muito forte, mas os jogadores continuam a evoluir. Daqui a uns anos, cada vez mais jogadores vão integrar a seleção. Alguns juntaram-se a nós para a CAN. São muito bons tecnicamente. Ainda não são os melhores, mas estão sempre a melhorar.
- Sente o crescimento do futebol no país?
- Sem dúvida. Ainda não é profissional, mas estão a tentar melhorar porque os jogadores locais podem acrescentar valor. Existem torneios para jogadores locais em África, o que faz com que mais pessoas queiram ser futebolistas profissionais. Vêem que também podem jogar futebol fora das Comores, em África. Temos jogadores em países como Mauritânia, Namíbia e Botsuana. Sabem que podem ir além das Comores, onde estão a construir infraestruturas e a tentar melhorar as condições.

- Como viveu a construção do grupo?
- Quando entrei na equipa, já eram muito bons. Já estavam juntos há alguns anos. Jogavam um futebol diferente do que jogamos agora. Agora temos muitos jovens que jogam na primeira ou segunda divisão em França. Na altura, jogavam sobretudo em divisões inferiores e era mais difícil vencer. Entraram mais jogadores de níveis superiores e ganhámos confiança – já não somos uma equipa que só defende. Fomos melhorando passo a passo. Os jovens das academias francesas chegam mais rápido do que antes – agora juntam-se a nós com 16 ou 17 anos.
- Qual é o seu objetivo máximo na CAN?
- Vencer. Para mim, é possível. Vou com a ambição de ganhar. Se não acreditares em ti, quem vai acreditar? Vamos para ganhar e chegar o mais longe possível no torneio. Toda a gente já conquistou algo pela primeira vez.
- Descreva as Comores numa palavra.
- Amor. É um país com muito amor para todos. Todos são bem-vindos; adoram estrangeiros. Há muita alegria, as pessoas estão sempre a sorrir. É um país pobre, mas é um país cheio de amor.
