Nélson Pereira: "Para se voltar a ser campeão não se pode mexer muito nas peças da equipa"
Foi duas vezes campeão nacional, representou a seleção, começou a carreira no Torreense, passou pelo Sporting, Vitória FC, Estrela da Amadora e Belenenses.
- Nélson, toda a gente conhece a tua ligação ao Sporting durante muitos anos, primeiro como jogador e depois na equipa técnica. O Sporting já é campeão. É um justo campeão, na tua opinião?
- Sim, penso que esta vitória do Sporting no campeonato é unânime. Foi a equipa mais consistente, teve sempre uma ideia de jogo bem definida, dominou os seus adversários e, em função disso, amealhou o número de pontos suficientes para festejar este título de campeão nacional.
- A grande arma desta temporada foi só Gyökeres ou houve mais qualquer coisa?
- Houve mais qualquer coisa. Claro que o Gyökeres é a grande referência em termos ofensivos, não só pelos golos que marca e pelas assistências que faz, mas é difícil não falar de Hjulmand, o outro loiro que o Sporting contratou e tem sido uma peça fundamental no meio-campo. Veio dar um equilíbrio ao jogo que o Sporting precisava. Depois, temos sempre de destacar o capitão Coates. Gonçalo Inácio fez mais uma boa época, mas o capitão foi mais uma vez a voz de comando desta equipa, é a extensão do treinador dentro do campo e por isso merece todos os meus elogios.
- Olhando para este plantel, para o título e valorização que este plantel teve, é expectável que exista um assalto a este plantel. Terá o Sporting capacidade para manter este núcleo duro?
- Esse é o grande desafio que o Sporting tem pela frente. Tendo em conta que na próxima época também existe Liga dos Campeões, vai depender da capacidade financeira que o clube vai ter nesta altura, sabendo nós que vai ser preciso vender alguém. Parece-me que o esforço que está a ser feito é que a espinha dorsal possa continuar. Talvez no setor dos defesas-centrais, ou mesmo até o Marcus Edwards, possa sair daí um jogador mais vendável nesta altura sem abanar a estrutura da equipa. Gyökeres e Hjulmand serão peças difíceis de colmatar. À semelhança do que aconteceu noutros anos em que o Sporting foi campeão, para se voltar a ser campeão não se pode mexer muito nas peças fundamentais da equipa.
- Nesse aspeto também é importante manter Rúben Amorim, não é?
- Sim, ele é o obreiro disto tudo. É o técnico que conseguiu consolidar uma equipa em termos de jogo, os jogadores acreditam nesta ideia, está identificado com o que é o Sporting da atualidade e é importante começar pelo seu timoneiro.
- A época vai fechar com a final da Taça de Portugal entre o Sporting e o FC Porto, um FC Porto que está em mudança de administração já empossada mas ainda não completamente em funções. A romaria ao Jamor vai ser grande para mais um grande jogo.
- É a grande festa do futebol português. Estádio do Jamor sempre lotado dentro e fora, uma festa incrível e o Sporting vai ter um adversário difícil. Há mudanças ao fim de 42 anos no FC Porto e isso traz algo de diferente. Os jogadores vão querer homenagear o presidente cessante com uma vitória e, ao mesmo tempo, dar logo o primeiro título ao novo. Há ingredientes que vão ajudar à motivação do FC Porto, que desde si já existe porque é uma final de Taça, mas é um condimento novo. Vai ser mais uma grande final entre duas das grandes equipas do nosso campeonato.
- O Campeonato da Europa também está aí à porta. Foste internacional por Portugal, que se assume como candidato a esta vitória na Alemanha depois de o ter conseguido em França, em 2016. São ambições legítimas, na tua opinião?
- São ambições legítimas. Nós temos dos melhores jogadores do mundo, jogadores que jogam nos melhores clubes do mundo e com os quais o selecionador conseguiu construir uma boa seleção. O apuramento é imaculado, eleva as expectativas enquanto adeptos e penso que os próprios jogadores estão com essa mentalidade vencedora, sabem o seu valor, aquilo que podem fazer e não tenho dúvidas que, nesta altura, há uma ambição muito grande da seleção nacional para trazer o título de campeão para Portugal.
- Não pode ser "perigoso" pensar no título em antecipação? Transmite-se uma mensagem para fora e outra para dentro. Claro que tem de haver confiança para vencer o título, mas pensas que essa confiança também existe, embora todos tenham os pés bem assentes no chão?
- Acho que é essa a grande virtude. A nossa seleção e o seus jogadores sabem o que podem conseguir, mas não os vemos a fazer uma festa antecipada. Vemos um discurso cauteloso, de que existem outras seleções com bons intervenientes e sinto que há um acreditar muito grande. Esse acreditar traz responsabilidade e ambição, mas também traz o discernimento mental que permite entender que 'sim, somos bons, mas temos de mostrar que somos bons porque os outros querem-nos ganhar'. Acho que é importante sentir isso. Pela campanha que Portugal fez na qualificação, os outros adversários sabem que têm alguém à altura que lhes vai querer ganhar.
- Uma seleção que vai continuar a contar com Cristiano Ronaldo, Pepe já está na faixa dos 40, se estiver bem vai voltar a ser chamado. São os dois mais velhos, depois muita gente com idade intermédia e depois com juventude. Dizia o Beto que é uma juventude com muita rodagem a nível internacional. Essa simbiose poderá dar resultado, não é?
- Há um equilíbrio e isso faz muita diferença. Se olharmos para o Pepe e o Cristiano Ronaldo, que já passaram por tudo o que existe em termos de competições, vemos também um João Neves a aparecer mas que é já uma referência do seu clube. Temos de ter esta esperança que existe essa simbiose. Portugal tem um plantel muito equilibrado e a grande dificuldade do selecionador é mesmo escolher os melhores para ir ao Europeu. Lá vai ter a dificuldade das escolhas do 11 inicial, mas é uma dificuldade boa. É qualidade em quantidade e isso se calhar não existiu em algumas competições em que Portugal participou. Agora não, a qualidade da equipa mantém-se.
- No fundo, o problema de Roberto Martínez é saber quem vai ficar de fora da convocatória. Aqueles que vão ficar de voltar davam para construir uma equipa com grande qualidade.
- Não tenho dúvidas disso. Felizmente para nós portugueses temos muitos e bons jogadores. Para Roberto Martínez há dificuldade e há sempre injustiça por algum que possa não ir, mas é mesmo por excesso de qualidade ou quantidade, não é porque não tenham valor para jogar na seleção.
- Diogo Costa, Rui Patrício, José Sá: na tua opinião, o lote de guarda-redes está fechado?
- Sim, acho que sim. Têm sido os guarda-redes mais chamados por Roberto Martínez e temos um misto de experiência e juventude, já são todos experientes, mesmo o Diogo, sendo o mais novo, já tem muitos jogos. Parece-me um lote equilibrado de guarda-redes que nos dá garantia.
- Muito se fala da qualidade do Diogo Costa, que é bem visível e um dos talentos das balizas portuguesas e muito provavelmente, depois do Europeu irá continuar a fazer carreira mas fora da Liga Portugal.
- É uma possibilidade. O Diogo vem fazer a substituição de um grande guarda-redes, que se chama Rui Patrício, um dos principais obreiros do título europeu mas mesmo numa situação em que não joga tanto tenho a certeza que é um elemento de apoio fundamental ao Diogo. Depois, o Diogo tem a tranquilidade necessária para jogar. Na seleção, todos querem jogar mas todos querem que a seleção ganhe e há este apoio para que a seleção ganhe e um apoio mútuo entre os que jogam e não jogam. Como os conheço bem, sei que esse ambiente existe. É um ambiente de luta por um lugar, mas muito saudável e sempre a querer que quem jogar faça sempre o seu melhor para que uma seleção ganhe. Isso é muito importante numa seleção nacional.