Os holofotes acendem-se para assinalar o feito: 200 golos. O golo é o combustível de qualquer avançado e o elemento que faz a diferença em qualquer jogo. Para Fabrício Simões e Marco Véstia, não é diferente. Quis o destino que ambos atingissem esta marca redonda ao serviço do Alcochetense, onde são figuras de destaque e representam mais de 50% dos golos marcados pelos alcochetanos na temporada 2024/25.
"Para mim, é uma marca muito significativa. Nunca imaginei alcançar um feito como este, e fico verdadeiramente feliz por tê-lo conseguido. Além disso, é gratificante saber que posso ser uma referência para os mais jovens, mostrando-lhes que também podem atingir grandes objetivos e alcançar patamares semelhantes com trabalho e dedicação", descreve Fabrício Simões, que conta no currículo com três subidas ao principal escalão do futebol português, em conversa com o Flashscore.

"O mais especial? O meu primeiro golo na Liga foi um momento muito especial. Aconteceu no meu segundo jogo, quando jogava pela UD Leiria, contra o Nacional. E o mais marcante é que a nossa equipa venceu por 1-0. Ficou gravado como um dos momentos mais importantes da minha carreira", acrescenta o avançado brasileiro.
Sentado ao lado de Fabrício no balneário do Alcochetense, Marco Véstia também não esconde o orgulho por ter alcançado este número redondo, especialmente num clube tão especial como o Alcochetense.
"Atingir a marca dos 200 golos é algo que, para ser sincero, nunca imaginei ser possível. Quando começamos as nossas carreiras, não pensamos em números. Isso é algo que faz sentido para jogadores como o Cristiano Ronaldo, mas para nós, o foco é fazer golos. Não pensamos em alcançar marcos específicos. No entanto, à medida que vamos avançando na carreira, e especialmente quando nos aproximamos do fim, começamos a olhar para trás e perceber a magnitude do que conseguimos", atira.
"Eu só este ano percebi que estava a caminho dos 200 golos, porque, entretanto, disseram-me que estava a aproximar-me dos 100 golos pelo Alcochetense. É um marco realmente excelente, um registo que ficará para a vida. Deixar uma marca que será recordada por quem jogou connosco e para os mais jovens, que poderão olhar para nós e ver que temos uma história. É, sem dúvida, um motivo de grande orgulho", sustenta.
"Tem um significado muito grande para mim, porque o Alcochetense não foi o meu primeiro amor, mas é um dos amores da minha vida. Atingir os 100 golos pelo clube e, na mesma época, alcançar os 200 golos na minha carreira, enche-me de um enorme orgulho, tanto a mim como a todos os que me rodeiam", completa o camisola 9.

"O terminar a carreira é algo que me assusta, preciso muito do balneário"
Os golos fazem parte da história de Fabrício e Marco. São também o reflexo do tempo que passou desde que deram os primeiros passos no futebol sénior. Esse tempo, que traz consigo a maturidade, é também o mensageiro da inevitabilidade: o sinal de que o fim da carreira está cada vez mais próximo.
Apesar de já ter ultrapassado a barreira dos 40, Fabrício admite que é "normal" pensar nesse cenário, embora ainda sinta forças para continuar mais um tempinho: "Nesta divisão, sinto que ainda tenho mais para dar. Tenho o físico para isso. Vamos ver até onde consigo chegar. A motivação está sempre presente, especialmente quando marco golos e estou com os meus colegas no balneário, a partilhar esses momentos".
A reflexão é mais profunda do lado de Marco Véstia. A dois meses de completar 39 anos, o avançado admite que ainda não está "mentalmente" preparado para o dia em que terá de pendurar as chuteiras.
"Não consigo (imaginar esse dia). Obviamente, penso que a minha carreira já não vai durar muitos anos. No final de cada época, faço uma avaliação, principalmente da minha capacidade física, do meu rendimento e também do fator mental, porque preciso estar motivado para continuar a jogar. Fisicamente, sinto-me bem. Mentalmente também. E o rendimento tem sido positivo. O Fabrício é um exemplo para mim e aprendo com ele todos os dias", garante.

"Terminar a carreira é algo que me assusta, porque preciso muito do balneário para me sentir realizado. É verdade que nem sempre estamos em ambientes e grupos positivos, mas, ao longo da minha carreira, a maior parte das vezes tive bons grupos, e eu era feliz neles", remata.
Além de todos os registos relacionados com golos, o melhor marcador da história recente do Alcochetense, com 108 golos, está a apenas 18 jogos de ser o jogador com mais jogos com a camisola do emblema de Alcochete, um recorde que pertence atualmente a Diogo Piqueira (273 partidas).
"Esse registo pertence ao jogador mais importante da história do Alcochetense, Diogo Piqueira. Para mim, ele será sempre o meu grande capitão. Posso até fazer mais 50 jogos que o Diogo, mas jamais chegarei perto da importância que ele teve e continua a ter neste clube. É uma honra estar perto de alcançar esse número de jogos, mas nunca me poderei comparar à sua história no Alcochetense. Ele é, sem dúvida, o jogador mais importante da história do clube", defende Marco Véstia, que cumpre a 3.ª passagem pelo Alcochetense.

"Toda a gente sabe que o Alcochetense tem sempre grandes grupos"
Fabrício Simões chegou a Portugal em 2007, então para jogar no Câmara de Lobos, na antiga 3.ª divisão nacional, e precisou apenas quatro anos para atingir o patamar mais alto do futebol nacional. Esta caminhada no futebol português faz dele um "exemplo" para os mais jovens e uma "referência" na presente edição da 1.ª divisão distrital da AF Setúbal.
"Jogar nesta divisão não é uma experiência nova para mim e faz com que eu me veja como uma referência para os mais novos que estão a começar. Naquela altura em que cheguei a Portugal, era mais difícil chegar ao topo, mas agora já é mais acessível. Procuro passar para eles que não há segredo nenhum, que o importante é fazer o simples, sem inventar. Com paciência e dedicação, conseguem, pouco a pouco, alcançar patamares mais elevados", explica o camisola 20.
Para Marco Véstia, não há segredos na distrital setubalense. O antigo internacional sub-17 português está a cumprir a sua 11.ª temporada neste contexto e a 10.ª época ao serviço do Alcochetense.
"O Alcochetense é um clube que todos os anos luta para estar nas divisões profissionais. Teve momentos altos e baixos, como qualquer outro, mas soube sempre reerguer-se, como se pode ver no palmarés exposto no balneário. Falta lá uma taça, que é a última e ainda não foi colocada, mas é um clube com história e que luta constantemente para subir de divisão. Para já, é um clube diferenciado. É um clube onde os jogadores que chegam sentem-se parte de uma grande família. O balneário é conhecido em todo o distrito, e todos sabem que o Alcochetense tem sempre grandes grupos e uma união incrível", descreve.
Sobre a competição: "As equipas são muito agressivas, os campos fora de casa, muitas vezes, não têm o melhor piso, e as dimensões, em muitos casos, são reduzidas. As equipas procuram sempre um jogo muito mais agressivo, o que torna sempre difícil defrontá-las. Isso é o que torna o campeonato tão competitivo, porque qualquer equipa pode fazer pontos em qualquer campo".

O Alcochetense ascendeu, na jornada anterior, à liderança do campeonato e segue numa luta particularmente interessante com o Olímpico do Montijo e os Pescadores por uma vaga de acesso ao Campeonato de Portugal. Nesta disputa, os adeptos assumem uma especial importância e em Alcochete acredita-se que ainda há margem para crescer nesse capítulo.
"Alcochete é uma vila com uma forte tradição em touradas, e as pessoas têm uma grande ligação a essa área, sendo muito aficionados. O futebol acaba por ficar um pouco em segundo plano, mas estamos aqui para fazer com que essa relação com a comunidade, no que diz respeito ao futebol, melhore. Queremos que mais pessoas venham ao estádio, e acredito que as redes sociais e a comunicação desempenham um papel importante nisso, pois ajudam a aproximar as pessoas dos clubes. O Alcochetense está a crescer nessa vertente, e acredito que a relação entre a comunidade e o clube ainda pode evoluir muito mais", considera Marco Véstia.

"Feliz pelo percurso que fiz"
Voltamos ao ponto de partida. Os holofotes continuam a brilhar sobre a história destes dois excelentes exemplos. Fabrício Simões e Marco Véstia tiveram percursos distintos no futebol, mas ambos convergem na paixão pelo desporto-rei. Os 200 golos são a recompensa pelo caminho que percorreram, um percurso que exigiu sacrifícios, incluindo abdicar de outras coisas na vida, como, por exemplo, a família, que muitas vezes ficou (e fica) em segundo plano. Ainda assim, tudo vale a pena quando a alma não é pequena, como um dia escreveu o poeta português Fernando Pessoa.
"Estou satisfeito com a carreira que fiz e com o percurso que trilhei, mas, no início, se tivesse tido um bom empresário, poderia ter chegado mais alto. No entanto, penso que fiz uma boa carreira e estou contente com o que conquistei, sem me importar com onde poderia ter chegado. No começo, foi muito difícil. Quando comecei, levei vários 'não', especialmente quando fui fazer testes no Brasil, mas não desisti. Com persistência, consegui chegar até aqui", enaltece Fabrício Simões.
"O que eu gostaria que dissessem sobre mim quando decidir terminar a carreira é que fui um exemplo, tanto dentro como fora de campo", conclui.
Mais extrovertido na comunicação, Marco Véstia partilha do sentimento de Fabrício. O avançado sente que poderia ter tido uma carreira diferente, especialmente considerando o início promissor que o levou às seleções jovens portuguesas, ao lado de nomes como Miguel Veloso, João Moutinho e Vieirinha. Contudo, não deixa de se orgulhar de tudo o que viveu no mundo do futebol.
"Quando olho para trás, sinto que poderia ter feito mais, mas, no fundo, fico feliz com o percurso que fiz. Partilho da opinião do Fabrício, que talvez com o empresário certo ou as oportunidades ideais, a minha carreira tivesse sido diferente. Também reconheço que, nas escolhas que fiz, como nunca ter querido sair da minha zona de conforto, acabei por prejudicar um pouco a minha trajetória. No entanto, tenho memórias que levarei para toda a vida, como as internacionalizações pela Seleção Sub-17, que já parecem de outra vida, mas que ficaram marcadas. Tenho até o jogo gravado em cassete para mostrar, o que me traz boas recordações. Passei pela Segunda Liga e tive o privilégio de jogar com grandes nomes, como capitães de seleções que disputaram mundiais ou competições africanas. Foram exemplos valiosos ao longo do meu caminho, e ao olhar para tudo isso, encho-me de orgulho", atira.
"Daqui a 5 ou 10 anos, quando falarem de mim, vou querer que se diga mais do que 'fui um bom jogador', mais do que os golos que marquei. Quero que digam: 'O Véstia era um bom colega, uma referência, um exemplo dentro e fora de campo'", remata.
