Era inevitável que as dúvidas aparecessem. Aos 40 anos, estava ainda longe de despertar segurança tanto nos meios de comunicação como nos adeptos. "O fato de ser o único na equipa técnica anterior e de ter zero experiência como técnico levantou dúvidas lógicas sobre a real capacidade para um cargo tão importante numa equipa de ponta a nível mundial", conta o repórter argentino Pablo Lisotto, do jornal "La Nación", um dos mais importantes da Argentina.

Passados quatro anos, as dúvidas se transformaram em cinzas com a certeza de que Scaloni trouxe uma grande transformação no plantek, dentro e fora de campo. Agora, Scaloni está a um passo de entrar para um hall de treinadores vitoriosos que levaram a Argentina à maior conquista do planeta, para o fazer dar um salto de patamar na carreira. A conquista do Campeonato do Mundo no Catar seria certamente transformadora na carreira de Scaloni, que começou ainda no outro dia.

Nada como o tempo para trazer segurança, aliada aos resultados com desempenhos que transmitem consistência para ir construindo o seu caminho dentro da seleção. "As coisas foram-se moldando a seu favor com performances aceitáveis. É difícil apontar os méritos não estando dentro da seleção, mas ele soube montar o grupo antes de construir a equipa. Foram evoluções progressivas, sem deixar de lado o fato de ter que lidar com um jogador fora do vulgar", sinaliza Ariel Scher, jornalista da rádio 750 AM de Buenos Aires.
Sem medo de ser feliz
Scaloni levou a seleção ao título da Copa América em 2021, sobre o Brasil, em pleno Maracanã, além de faturar a taça da "Finalíssima", com uma vitória arrebatadora por 3-0 sobre a Itália, em junho deste ano. O Mundial do Catar foi a prova irrefutável da sua capacidade de montar uma eqipa e gerir um grupo com estrelas e um jogador sobrenatural.

Em jogos decisivos, as vitórias tiveram a sua mão, ao fazer mudanças táticas pontuais que surtiram efeito para fazer a Argentina continuar viva no torneio.
Quando as coisas não começaram a funcionar no começo do Mundial, não teve medo de fazer mudanças que fizeram efeito. Tirou peças como Di Maria e Lautaro Martinez para dar uma outra dinâmica à equipa, reforçando o meio-campo quando necessário e "espelhando" a equipa de acordo com o adversário, por uma questão de necessidade.

A aposta na titularidade de Julián Álvarez começou contra a Polónia. Foi um golo do avançado nesse jogo, outro no seguinte diante da Austrália, antes do auge contra a Croácia na meia-final. Foram dois golos e um penálti sofrido na vitória por 3-0, para fazer com que a mudança com o "carro a andar" se mostrasse mais do que acertada. O treinador também tem estrela.
"A verdade é que, nos últimos anos, foram poucas as mudanças na seleção. Situações e episódios específicos forçaram-no a mostrar a sua capacidade de adaptação de acordo com o adversário. Isso ficou claro contra os Países Baixos, nos quartos de final, que fez a equipa ter mais brilho e qualidade", lembra Ariel.
Sintonia
O que poderia ser um motivo de faíscas e atritos, por ter que lidar com uma estrela mundial, passou longe disso. "Ele soube, como poucos, priorizar a força do grupo sobre as virtudes individuais. Há um compromisso humano que transcende o futebol. A enorme sintonia que conseguiu com Lionel Messi desde o primeiro dia foi algo fundamental também", reforça Pablo, destacando a relação entre o novo treinador e o principal jogador do plantel.
Ariel não concorda com a visão de que um trabalho deve basear-se apenas em resultados, lamentando que essa realidade é bastante presente no meio do futebol. "Scaloni teve mérito para criar as melhores condições para potenciar o trabalho de Messi na equipa e para este jogador fazer o grupo ganhar ainda mais força. Esta combinação consolidou o plantel."
"Normalmente, os trabalhos precisam de resultados e ele merecia o reconhecimento e confiança pela capacidade de trabalhar bem, independentemente dos resultados. Menos mal que contou com vitórias que ajudaram a solidificar o seu trabalho e a convencecer a opinião pública", finalizou.