Agência da ONU procura acordo com a FIFA por causa dos direitos laborais no Mundial-2022

Organização Internacional do Trabalho quer fazer a "devida diligência" das próximas edições do torneio
Organização Internacional do Trabalho quer fazer a "devida diligência" das próximas edições do torneioAFP

Após duras críticas ao Campeonato do Mundo no Catar, o chefe da agência das Nações Unidas para o trabalho pressionou este domingo o presidente da FIFA a desempenhar um papel mais importante no escrutínio dos futuros anfitriões do torneio.

O diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Gilbert Houngbo, disse à agência France-Press (AFP), antes de se encontrar com Gianni Infantino, que o Catar foi uma vítima de "dois pesos e duas medidas" e que o país tem feito progressos significativos, mas precisa de fazer mais pelos trabalhadores migrantes.

A OIT procura desempenhar um papel de "devida diligência" nos futuros países candidatos, disse Houngbo numa entrevista.

A FIFA tem enfrentado uma pressão crescente após anos de críticas aos direitos laborais no Catar, que vão desde a controvérsia sobre as mortes em mega-projectos de construção até aos salários não pagos e ao trabalho no calor feroz durante o verão no estado do Golfo.

Houngbo disse acreditar que "a FIFA está muito determinada a garantir que para futuros Campeonatos do Mundo, ou na próxima atribuição, a questão social, a questão do respeito das normas laborais, sejam questões críticas na decisão".

O antigo primeiro-ministro togolês disse que o respeito pelos direitos humanos tinha de incluir "direitos ligados ao trabalho e especialmente à saúde e segurança no trabalho".

A FIFA, que já trabalha com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, afirmou após a reunião que as conversações sobre um memorando de entendimento com a OIT ainda não estavam concluídas.

"Temos estado envolvidos com a OIT há vários anos e queremos garantir que a nossa cooperação frutuosa continuará no futuro", disse Infantino numa declaração.

Houngbo disse que estava "razoavelmente otimista" em chegar a um acordo com a FIFA sobre os direitos dos trabalhadores.

"Não pode ser o único elemento para se tomar uma decisão, mas a OIT estaria disponível a levar a cabo uma espécie de devida diligência a todos os países candidatos" para a FIFA.

Ele disse que as mesmas regras deveriam aplicar-se "aos Jogos Olímpicos e outros desportos".

O Campeonato Mundial de Futebol de 2026 realizar-se-á nos Estados Unidos, Canadá e México. "Em teoria, não temos qualquer problema. Mas isso não nos impede de permanecer vigilantes", disse Houngbo.

- Base permanente -

A OIT tem um escritório temporário em Doha desde 2018 aconselhando o governo do Catar sobre as reformas e condições de monitorização dos trabalhadores migrantes que constituem quase 90% dos 2,9 milhões de habitantes.

Houngbo também manteve conversações com o Catar para tornar o escritório numa base permanente, a primeira na região do Golfo onde quase todos os países enfrentam críticas aos direitos laborais.

O chefe da OIT afirmou que muitos dos ataques ao Catar mostraram "dois pesos e duas medidas".

"Ouvi duras críticas ao Catar, quando o Catar fez mais neste campo do que outros países. Mas nada é dito sobre os outros países".

Houngbo disse que o Catar merecia elogios por desmantelar o seu sistema laboral punitivo "Kafala" - que impedia os trabalhadores de mudar de emprego ou sair do país sem autorização do empregador -, introduzindo um salário mínimo e restringindo as horas que podem ser trabalhadas no calor desde que os sindicatos internacionais apresentaram uma queixa oficial à OIT em 2014.

O governo, que manifestou a sua consternação perante aquilo a que chamou ataques "racistas", diz ter gasto mais de 350 milhões de dólares (332 milhões de euros) em indemnizações por salários roubados e não pagos desde 2018.

"Isto mostra o empenho do governo e a dimensão do problema", disse o chefe da OIT.

Um "pequeno número" de empresas "continua a ter práticas ilegais e é aí que temos de continuar a trabalhar".

A OIT está também a pressionar o Catar a melhorar a sua recolha de dados para acabar com os amargos debates sobre o número de mortos em acidentes de trabalho.

O governo disse que houve 414 mortes em acidentes de trabalho entre 2014 e 2020. Grupos de direitos dizem que "milhares" morreram.

"Penso que o público precisa de saber a verdade e por vezes a verdade sincera é que não existe informação credível", disse Houngbo.