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Agência Mundial Antidopagem enfrenta uma perda de credibilidade sem precedentes

Jannick Sinner enfrenta uma proibição de três meses por doping
Jannick Sinner enfrenta uma proibição de três meses por dopingJULIAN FINNEY / GETTY IMAGES EUROPE / Getty Images via AFP

Desde a sua controversa decisão sobre os nadadores chineses que acusaram positivo há um ano até ao complicado tratamento do caso do tenista Jannik Sinner, a Agência Mundial Antidopagem (AMA) enfrenta uma crise de confiança sem precedentes, exacerbada pelo seu interminável impasse com os Estados Unidos.

O caso dos nadadores chineses não está inscrito na ordem de trabalhos da assembleia anual da AMA, que começa terça-feira em Lausanne, mas o tema estará presente nas conversas informais nos corredores, porque as consequências ainda se fazem sentir.

O caso remonta a quase um ano, quando o New York Times e a emissora alemã ARD revelaram que 23 nadadores chineses testaram positivo para a substância proibida trimetazidina (TMZ) em testes realizados em 2021.

Mas o facto de, apenas três meses antes dos Jogos Olímpicos de Paris-2024, a AMA ter aceitado a tese das autoridades antidopagem chinesas de que estes resultados positivos se deviam a uma contaminação coletiva no restaurante onde os nadadores comeram foi uma bomba.

"Ninguém percebeu muito bem porque é que a AMA, normalmente tão rigorosa, aceitou as explicações das autoridades chinesas", recorda uma fonte próxima do movimento olímpico.

Relações atribuladas com os EUA

Este caso acabou por dinamitar as relações com os Estados Unidos, que já estavam tensas desde o caso de doping russo em 2015-2016.

Travys Tygart, chefe da Agência Antidopagem dos Estados Unidos (USADA), não para de acusar a AMA de ter "permitido que a China varresse os positivos para debaixo do tapete" e a decisão, no início de janeiro, de deixar de pagar a sua contribuição à AMA só veio agravar a crise.

Embora a AMA tenha decidido desistir do processo por difamação contra Travys Tygart, numa tentativa de acalmar a situação, o FBI, ao abrigo da Lei Rodchenkov, que permite aos EUA investigar casos de doping, continua a investigar a história, sem qualquer sinal de regresso à normalidade.

"Este diferendo está a envenenar demasiado as relações no seio da luta antidopagem mundial, é quase esgotante", diz uma fonte.

"A AMA está a atravessar a maior crise de confiança de sempre", disse à AFP David Pavot, professor de direito internacional na Universidade de Sherbroooke, no Canadá.

"Falando com outras agências antidopagem, há muitas que pensam como a agência americana, mas não têm a coragem de o dizer", acrescenta Pavot, que também rejeita qualquer ligação entre a crise e os ataques da administração Trump ao multilateralismo.

A crítica pública é, de facto, pouco frequente num mundo bastante discreto.

"A história da AMA e a natureza da sua atividade fazem com que passe por crises e que passe ainda mais", disse à AFP Olivier Niggli, diretor do organismo com sede em Montreal.

"Quando tivemos a crise russa, foi também a mais grave da sua história. Sempre que temos uma nova crise, esta é vista como a mais importante", afirma.

"Fim do recesso"

"O próximo presidente do COI terá de apitar o fim do recesso. A AMA não pode continuar assim, vai ter de readmitir os americanos e acalmar toda a gente", disse um membro do organismo olímpico, que pediu anonimato, a propósito da eleição do novo patrono olímpico, marcada para quinta-feira, 20 de março.

Para complicar ainda mais a situação antidopagem, que para muitos se tornou um emaranhado de leis cada vez mais incompreensíveis, o caso de Jannik Sinner, o tenista número 1 do mundo, veio deitar achas para a fogueira.

Absolvido pela Agência de Integridade do Ténis (ITIA) depois de ter testado positivo para esteróides anabolizantes, a WADA decidiu levar o caso ao Tribunal Arbitral do Desporto (CAS) para uma suspensão de um a dois anos, pouco antes de chegar a um acordo com o tenista italiano para cumprir uma suspensão de três meses.

"Muitos atletas não compreenderam a reviravolta da WADA. Em termos formais, não se podia ter feito pior", disse uma fonte.

"Negociações como a do caso Sinner foram feitas mais de 70 vezes nos últimos anos, em circunstâncias completamente comparáveis, sem nunca levantar este tipo de suspeita", queixa-se Niggli, surpreendido.

Um sentimento que não é partilhado por outro dos responsáveis pela luta mundial contra o doping: "Nada está a correr bem. Estamos a perder toda a gente, tornou-se demasiado complicado. A AMA está demasiado isolada, vive no seu próprio mundo".