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André Luís (HC Turquel): "Tenho muito mais ambição como treinador do que como jogador"

André Luís assumiu equipa sénior do HC Turquel
André Luís assumiu equipa sénior do HC TurquelLucas Luís/Flashscore
André Luís é um antigo jogador e atual treinador de hóquei em patins, carreira que concilia com a de professor. Natural da aldeia do hóquei, Turquel, regressou ao clube na época passada e, esta temporada, pela primeira vez, é o treinador da equipa principal do Hóquei Clube de Turquel.

"O nosso objetivo passa pela subida de divisão"

- O HC Turquel lidera a zona sul da 2.ª divisão. Qual o balanço que faz desta sua época de estreia na equipa principal?

- Estamos a fazer uma época dentro das nossas expectativas. O nosso objetivo sempre, desde o início, passou pela subida de divisão e o meu regresso ao clube deu-se o ano passado com os Sub-19 e a equipa B. Acabei por trilhar aqui um caminho que era preciso fazer, de voltar, de estar perto da estrutura, porque tinha saído e estava cinco anos fora do clube, apesar de estar presente também, porque tenho o meu filho a jogar nos escalões de formação do clube, mas não era a mesma coisa. Então, trilhei esse caminho, assumi a equipa sénior este ano e as coisas estão a correr dentro daquilo que era expectável, com uma equipa que desceu de divisão, que manteve a estrutura, apesar de termos tido algumas saídas importantes, como o Vasco Luís, o André Pimenta e o Nanu Castro, que foram três jogadores muito importantes o ano passado, apesar de a equipa não ter conseguido a manutenção, que era o objetivo. 

Este ano, estamos com a inclusão de alguns atletas novos, jovens, formados no clube também. Temos cerca de 70% ou 80% de atletas formados com passagem na formação do clube, boa parte deles formados desde o berço. Portanto, isso é algo que nos orgulha, e é um trabalho que estamos a fazer, que nos dá também algum gozo, apesar de todas as semanas termos as nossas dificuldades e tentarmos ultrapassar cada dificuldade com as nossas armas.

André Luís assumiu novo projeto no HC Turquel
André Luís assumiu novo projeto no HC TurquelCarmo Honório

- Quais são as principais adaptações que um clube como o Turquel tem que fazer, e mesmo em relação aos atletas, tendo em consideração esta mudança entre primeira e segunda divisões?

- As mudanças são enormes, porque, num clube como o HC Turquel, por exemplo, na Primeira Divisão, joga muitas vezes para a manutenção, é confrontado com características de jogo completamente diferentes, vai jogar contra adversários que, muitas das vezes, são superiores a ti, que te pressionam mais, que jogam mais tempo em ataque organizado, e tu tens que defender mais. Na Segunda Divisão, é completamente diferente, porque, no nosso contexto, assumimos em 80% dos jogos o ataque organizado, e temos que mudar um bocadinho as características que são da primeira para a segunda. E essa mudança é difícil, é uma mudança complicada, mudar o chip nos atletas, ter que atacar mais, ter tempos de ataque organizado, por exemplo, com mais posse, tentar virar o adversário, criar situações de finalização de uma forma que não estavam habituados na época anterior. Portanto, é completamente distinto, e a verdade é que o ritmo também é outro, e essa, para mim, é claramente a grande diferença. Nós tivemos esse exemplo agora há bem pouco tempo, porque temos estado no nosso campeonato da Segunda Divisão, e jogámos recentemente na eliminatória da Taça de Portugal com o Óquei Clube de Barcelos, que nos colocou dificuldades que mais nenhum adversário nos tinha colocado até hoje, com um ritmo de jogo muito intenso, e isso notou-se ao longo do jogo, apesar de termos feito uma excelente partida, mas não conseguimos vencer.

- Apesar de ter estado fora do HC Turquel durante alguns anos, nunca deixou de seguir o clube. Qual foi o projeto que lhe apresentaram, e quais são os planos do HC Turquel para os próximos anos?

- Os planos do HC Turquel são sempre criar também uma aposta na formação, como todos os anos, porque todos os anos o clube coloca alguém da formação, algum atleta, nas suas equipas séniores, seja na equipa B, seja na equipa principal. E a verdade é que passou muito por isso, e passou também pela subida de divisão. Eu queria uma subida de divisão imediata, foi isso que a direção me propôs, e que eu me proponho também a tentar conseguir. A verdade é que o projeto passa depois por tentar consolidar-nos na Primeira Divisão. Tivemos um período de 10 ou 11 anos, talvez, na Primeira, em que conseguimos consolidar-nos, mas o nível subiu. O clube, a verdade é que, nua e crua, não conseguiu acompanhar, e com os recursos, que são um pouco limitados, tendo em conta a questão financeira, porque não é um clube muito abonado, e depois também a questão da deslocalização geográfica, não nos permite recrutar atletas com qualidade fora daquilo que são os nossos parâmetros. A verdade é que, para recrutarmos um jogador de valia idêntica àquilo que temos em casa, preferimos apostar num jogador da formação e promovê-lo à equipa principal. Portanto, passa muito por isso: passa por tentar subir de divisão, primeiramente, e depois chegar à Primeira Divisão e consolidar o nosso papel lá, e termos o nosso trajeto e o nosso papel lá, na Primeira, mas com as limitações inerentes àquilo que já falei anteriormente.

André Luís passou pelo clube como jogador
André Luís passou pelo clube como jogadorCatarina Maria

"É mais barato ir buscar um jogador argentino do que um português"

- Como já mencionou, o plantel principal do HC Turquel é constituído por vários jogadores que passaram pela formação do clube. No município de Alcobaça, com cerca de 57 mil habitantes, é fácil atrair as crianças para a prática do hóquei em patins?

- Sim, neste momento, no município, temos dois clubes em atividade: a Associação Alcobacense de Cultura e Desporto e o Hóquei Clube Turquel. Nós somos uma vila do concelho de Alcobaça com cerca de 6 mil habitantes, isto contando com a periferia, e temos muitos atletas que vêm, neste caso, para a formação das freguesias vizinhas, e o clube já tem feito um trabalho muito interessante nas escolas. E atenção, é um trabalho que não tinha sido feito até há bem pouco tempo, mas a verdade é que teve de se modernizar, teve de ir à procura, porque a base de recrutamento, como disse anteriormente, também é um pouco curta. É verdade que qualquer miúdo que nasce em Turquel experimenta o hóquei em patins antes de qualquer coisa. Isso também é algo que o clube conseguiu construir, e um nome que o clube conseguiu criar, para ter esse tipo de atração, mas a verdade é que começam a escassear os recursos humanos. Queremos miúdos com qualidade e, para termos miúdos com qualidade, temos de ir às escolas, temos de ir à procura, temos de nos fazer ao caminho e tem sido um pouco por aí. Acho que a Associação Alcobacense de Cultura e Desporto também tem feito um bom trabalho nesse sentido e o concelho, sendo um concelho relativamente pequeno, e a vila de Turquel, então, mais pequena ainda, tem de dar esses passos.

- Desde há alguns anos que o HC Turquel também tem contratado jogadores estrangeiros, sobretudo jogadores argentinos, tanto para a equipa masculina sénior como para a equipa feminina. Qual o motivo para este tipo de aposta no mercado argentino?

- Esta é uma frase feita, uma frase batida, mas a verdade é que, muitas vezes, para os clubes, é mais barato, por incrível que pareça, mesmo que pareça um contrassenso, ir buscar um jogador argentino, neste caso argentino, do que um jogador português. O exemplo concreto de Turquel: neste momento, estamos na Segunda, nos escalões seniores masculinos, e um jogador que joga num clube da zona periférica de Lisboa, ou da Linha, com o ordenado que nós não lhe conseguimos dar, preferem ficar na zona, mesmo que o clube não seja atrativo. Ou seja, preferem ficar junto da sua área de residência e auferir mais ou menos o mesmo que nós conseguimos oferecer.

Neste momento, o jogador argentino ou o jogador estrangeiro vê o campeonato português como atrativo, querem vir à procura do sonho e é muito nessa base. O clube, até há bem pouco tempo, não tinha casa para oferecer aos atletas, mas, neste momento, conseguiu criar essas condições e vai muito nessa base. Ou seja, a ideia é tentar trazer, trazendo gente com qualidade, melhor que a que nós temos cá em casa, porque, se for para ser igual ou pior, não faz muito sentido virem, e é muito nesse sentido.

- Os jogos do HC Turquel em casa têm sempre um ambiente especial, único, temido por muitos e desejado por outros tantos. Qual é o feitiço para de 15 em 15 dias o vosso pavilhão estar quase sempre no mínimo bem composto, sendo uma equipa de uma freguesia com cerca de 4 mil a 6 mil habitantes?

- Tem muito a ver com essa questão do bairrismo, das pessoas que têm um sentimento de pertença ao clube muito grande. O facto de termos jogadores da terra também não está dissociado disso, ou seja, os meus amigos, os amigos dos outros atletas, os familiares, ou seja, é uma bola de neve. As pessoas vêm ao hóquei, é quase cultural o facto de vir ao hóquei ao sábado à noite. Nós jogamos jogos em casa ao sábado às 21 horas, e isso faz com que as pessoas tenham esse sentimento de pertença. Neste momento, segundo o que falei com a direção, temos os lugares de época todos vendidos na bancada central. Portanto, isso é um indicador daquilo que o clube tem, e o clube construiu essa imagem, construiu essa imagem bairrista também, de voluntariado, porque temos muita gente a ajudar o clube, sem querer nada em troca, e isso é muito importante. Cria um sentimento de família, e eu acho que esse sentimento passa para dentro da pista, e acabamos por conseguir construir ali um ambiente único que nos dá vantagem no fator casa.

- E para terminar, deixou de jogar no final da época de 2014/15 com o HC Turquel estabilizado na Primeira Divisão, o que ficou por fazer como jogador que vai tentar alcançar enquanto treinador?

- Eu sempre digo isto a toda a gente, principalmente aos meus atletas: tenho muito mais ambição como treinador do que como jogador. Eu deixei de jogar relativamente cedo, tinha 32 anos, à beira de fazer 33, porque já não me identificava muito com o jogo, ou seja, já estava com pouca alegria no treino e no jogo. Acabei por passar por uns períodos mais difíceis na minha carreira, em que tive ali um ano ou dois em que já não sabia se deixava de jogar ou não. Acabei por assumir a carreira como treinador adjunto e, depois, mais tarde, como treinador principal. O que eu quero, como treinador, é crescer, é trazer algo ao hóquei. Essa é a minha ambição: trazer algo ao hóquei, ao hóquei português principalmente, trazer conteúdos novos. Sou uma pessoa que gosta muito de ver vídeos, de investigar, de fazer a minha pesquisa, de trazer ideias novas para aquilo que é o jogo da minha equipa, e estou sempre disponível para poder partilhar também esse conteúdo, pelas formações que vou dando na federação. 

Quero que o hóquei português evolua, principalmente nesta transição entre a formação e o escalão sénior, porque é onde tenho trabalhado ultimamente, tenho estado ligado aos séniores, no ano passado aos Sub-19 também, à equipa B, e esta transição tem sido muito difícil para os nossos atletas jovens. Nós temos que dar esse passo, ou seja, temos que fazer uma aposta clara naquilo que é a qualidade do jovem jogador português, para podermos abastecer as nossas equipas de maior qualidade, de Primeira Divisão, com esses jogadores. Portanto, essa é a minha função enquanto treinador: quero crescer e ter uma palavra importante nesse crescimento do hóquei em Portugal também.