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Exclusivo com Will Fleury e a suspensão por doping: "A realidade é que a maior parte dos atletas de topo faz"

Will Fleury (esquerda) dá um soco em Krysztof Jotko durante o PFL 1 em Las Vegas em 2023
Will Fleury (esquerda) dá um soco em Krysztof Jotko durante o PFL 1 em Las Vegas em 2023Christopher Trim / Zuma Press / Profimedia
O lutador irlandês de MMA Will "F*cking" Fleury sentou-se com o podcast checo Flashscore "Livesport Daily" para falar sobre sua carreira até agora, incluindo a suspensão de doping de nove meses que recebeu em 2023.

O bicampeão do Oktagon, que vem do condado de Tipperary, falou extensa e francamente sobre os altos e baixos de sua carreira de lutador, que passou por muitas organizações de MMA e o levou da Irlanda para a Europa e os Estados Unidos.

- Will Fleury, 36 anos, campeão de pesos pesados e pesos leves do Oktagon, antes de mais, tenho de lhe perguntar sobre a alcunha carregada de palavrões. De onde vem?

- Oh, desde que eu era miúdo. Mesmo antes de lutar, toda a minha vida me chamei Will 'Fucking' Fleury? Bem, talvez desde os 14 ou 15 anos. Costumava jogar râguebi, por isso é um jogo muito físico. E eu tinha um problema de atitude, sabe, por isso, se eu placasse alguém, ficava sempre em cima da pessoa, para que ela soubesse que eu a tinha lixado. Ficavas em cima deles. Sim, tipo, 'falhei-te' - sabes? Depois, a partir daí, eu dizia: 'Acabei de ser lixado pelo Will 'F*cking' Fleury', sabes? Boom, tipo Will 'F*cking' Fleury.... E agora, assim que começo a lutar, perguntam-me: "Como te chamas?" E eu respondo: "Sou o Will 'F*cking' Fleury".

- Então, foste sempre assim? Quero dizer, no que diz respeito à tua atitude, competitiva, zangada. Era assim que eras? 

- Provavelmente um bocadinho. Quero dizer, não sei. Eu não era assim tão bom no râguebi. Era um jogador decente, mas não era espetacular. Mas sempre quis ser o melhor naquilo que fazia, sabe? Além disso, todos os miúdos são competitivos, sabe? Por isso, acho que me deixei levar muito por esse lado competitivo. E depois, eventualmente, quando tinha vinte e poucos anos e me interessei mais pelas artes marciais.... apercebi-me de que, na verdade, esta merda da competitividade não é boa para mim de certa forma. É auto-destrutivo. Senti que, se estava constantemente a tentar competir com outras pessoas, estava a dar cabo da minha própria mente. E acabamos por chegar a um ponto em que dizemos: Bem, desde que sintamos que estamos a melhorar em alguma coisa, essa é a sensação mais satisfatória. Portanto, trata-se de melhorarmo-nos a nós próprios. Não se pode vencer toda a gente em tudo, a toda a hora. É uma atitude estúpida, porque não concentrarmo-nos em melhorar-nos?".

Não posso definir o resultado, mas posso definir o meu esforço"

- Então, agora controlas melhor as tuas emoções, mas foi a tua competitividade o primeiro passo para te tornares no que és hoje, um lutador de MMA?

- Acho que sim. O MMA é um desporto em que se ganha e se perde, mas se tivermos essa atitude, isso dá cabo de nós. Por isso, o meu objetivo é melhorar um pouco mais. E, se eu perder a luta, mas tiver dado o meu melhor, sim, as merdas acontecem. E acho que isso é muito libertador, porque não posso definir o resultado, mas posso definir o meu esforço. Assim que sei isso, penso: 'Bem, meu, tentaste tudo o que podias ter tentado?'. Mas esta coisa de ter medo do resultado final, não se pode viver assim. Especialmente quando se está envolvido, tipo... O resultado vai definir a tua vida durante os próximos meses, pelo menos, sabes? E vai demorar muito tempo até teres a oportunidade de corrigir esse erro. Perdi combates que provavelmente nunca mais vou recuperar. Ainda nos atormenta, mas se formos para o combate a pensar: 'E se eu estragar tudo?' Já estamos a perdê-lo, se é que me entendem. Ao passo que, se fores livre, te sentires liberto e disseres: "Ei, fiz tudo o que podia. Sei que tentei tudo, e vou deixar isto fluir". É uma sensação muito mais agradável.

- O que me faz lembrar, na verdade, uma das tuas citações, que me interessa: "Aparentemente, muitas pessoas pensam que isto é um trabalho árduo e um estilo de vida difícil. Na realidade, não é. Arranja um emprego a sério durante alguns anos e verás como é difícil. É tão fácil, e és tão livre". Estava a falar a sério?

- Sinceramente, sim... Não estou só a dizer isso. Quero dizer, ok, fisicamente, há coisas que faço que são bastante difíceis. Mas eu escolho quando as faço. Portanto, ninguém é meu chefe. Eu sou o meu chefe. Já tive um patrão a sério na vida. Prefiro ser o meu próprio patrão. Sim, tenho de fazer algumas coisas que são difíceis, mas aceito-as, como por exemplo, ou faço isto para estar naquela posição ao entrar no combate, ou não faço. Então, será que quero trabalhar no duro e ser campeão? Sim, está bem, quero fazer isso. Ótimo, é essa a minha motivação para fazer isto. Portanto, é difícil, mas... Sou eu quem me motiva. Sou eu que escolho fazer isto... Toda a gente na vida já passou por um momento em que parece que tudo está à nossa volta e não conseguimos controlar o que se passa. Lutar não é nada disso. Temos total liberdade para ser o lutador que queremos ser e para treinar como queremos treinar.

- É essa a sua principal motivação, ser o seu próprio patrão?

- Sim. Nem sequer para ser o meu próprio patrão, mas para viver a vida como quero e ser o meu próprio homem. Eu era inspetor de quantidades em Londres. Era esse o trabalho que costumava fazer. E não significava nada para mim. Não era algo que me preenchesse de todo. Era uma forma de ganhar dinheiro e receber um cheque de ordenado. Eu adorava artes marciais, mesmo naquela altura. Isso foi quando eu tinha vinte e poucos anos. Por isso, eu era como... Chegou a um ponto em que pensei: "Estarei disposto a fazer isto para o resto da minha vida, só para ganhar dinheiro suficiente para sobreviver?" E pensei: "Seria uma vida de merda. Costumava sentir-me da mesma forma e pensava: 'Está bem, podia ganhar dinheiro suficiente a fazer isto, mas... o dinheiro não valeria a pena'. Agora penso: 'Na verdade, trabalhei bastante para ganhar um bom dinheiro com isto' e valeu mesmo a pena, porque os últimos 10 anos foram muito agradáveis na minha vida. Tenho tido muita sorte em poder ser eu próprio e ganhar a vida com isso. A maioria das pessoas não tem essa possibilidade e estou muito grato por isso."

A referência Connor McGregor

- Já fizeste parte de muitas organizações de MMA - Bellator, BAMMA, PFL e agora Oktagon. Quais são as diferenças entre elas? Porque és um dos poucos lutadores que tem experiência na maioria das organizações, não só na Europa, mas também na América do Norte.

- Há uma cultura diferente em todo o lado. Reparei que o Bellator e a PFL eram as duas mais parecidas, porque o Bellator foi comprado pela PFL, mas eu estive em ambas quando eram empresas diferentes. Estive com o Bellator quando era só Bellator, e mesmo antes de começarem a vir para a Europa. Eles contrataram-me... Minha primeira luta foi em Roma, na Itália, mas eles me contrataram antes de começarem a montar o Bellator Europe e fazer todos os eventos na Irlanda. Isso foi em 2018. Tive seis combates com eles. E, sim, era uma empresa decente para trabalhar. Eles pagavam muito bem, para ser justo com eles, mas, tipo, sempre parecia um pouco como, 'És irlandês e queremos que você seja como Conor(McGregor)'. E eu dizia: 'Não vou ser como o Conor, malta'. Isso não é comigo. Não é assim que eu sou.

- Sentiste que foste forçado a ser uma personagem?

- Não, de todo. Mas senti-me como se fosse: 'É por isso que estás aqui, porque estamos à procura de outro tipo que seja parecido com o Conor'. E, tipo, ninguém disse nada sobre isso, mas sempre soubemos - sentimos isso. Por isso, havia sempre uma sensação engraçada de, tipo, 'Eles querem que tu sejas isto, mas, na verdade, tu és isto'. Com a PFL, foi um pouco semelhante no sentido em que, tipo, eles são uma empresa americana, querem que te tornes, tipo, sabes, o tipo irlandês, atrevido, blá, blá. E, para ser sincero, talvez eu seja mais assim agora, naturalmente, mas isso não fazia parte de quem eu era. Eu era um artista marcial muito respeitador, queria que as minhas artes marciais falassem por mim e queria ser eu próprio, porque eu era único... Mas o que eu digo é que todos eles têm culturas diferentes, e todos eles têm estruturas organizacionais diferentes."

- As pessoas admiram o facto de ser bastante aberto sobre as circunstâncias que rodearam a proibição de doping de nove meses que recebeu no El 2023 por ter testado positivo para Drostanolona. Fale-nos sobre isso...

- Em relação ao doping, o meu raciocínio foi que eu tinha 33 anos. E tinha sido espancado por um grupo de tipos que estavam definitivamente a tomar alguma m.... Fiz um combate em pesos-pesados ligeiros.... Na verdade, foi na altura em que estava a pensar lutar no Oktagon, tinham-me oferecido o contrato da PFL e disseram-me: 'Queremos um combate em pesos-pesados. E se ganhares este combate em peso-leve, tens a oportunidade de participar no Torneio do Milhão de Dólares no próximo ano... No meio de tudo isto, aceitei um combate porque estava a treinar com um polaco da cidade, o que era ilegal na altura (devido às restrições impostas pela COVID), mas estávamos a fazê-lo. E ele disse-me: 'Ei, ele está a fazer o que quer? E ele disse-me: "Queres lutar com este tipo daqui a duas semanas na Alemanha? Eu disse: 'Sim, que se lixe'. Eu estava em boa forma física, mas pesava apenas cerca de 90 quilos. E eu disse: "Sim, vou aceitar este combate. E ele disse: 'Este tipo, que tem estado a treinar, pesa 100 quilos. Ele quer lutar em pesos-pesados'. Eu tinha 92 quilos, o combate era com 93 quilos, por isso já estava abaixo do peso. E eu pensei: 'Normalmente não faria isto, mas como é COVID, não há outros combates. Sim, vamos a isso, vamos". E assim fiz, e quando lá chegámos, chegámos um dia antes da pesagem, e o tipo era enorme. E era muito forte. E eu pensei: "Ainda consigo dar-lhe uma tareia".

Pensei: 'Ele vai cansar-se, vou esperar, no primeiro assalto vou ser um pouco cauteloso, brincar com ele'. Não, ele não se cansou, estava muito forte, em muito boa forma, tudo. Deu-me uma tareia e submeteu-me na segunda ronda. Nunca tinha sido dominado assim num combate, em que o tipo era muito mais forte fisicamente do que eu. ive essa experiência e, quando me propuseram lutar em pesos-pesados, eu disse: "Não, obrigado, não sou um peso-pesado." Sabe, eu tinha feito sparring com alguns pesos-pesados; eles eram muito maiores, ou na altura eram muito maiores do que eu, por isso pensei: "Não vou entrar nisso"...."

E depois disseram-me: "Está bem, mas o acordo é o seguinte. Se ganhares este combate, vais para o Torneio de Um Milhão de Dólares'. Na altura, eu estava com a minha namorada há cerca de cinco anos e ela era muito contra os esteróides e eu disse: "Bem, dêem-me uma semana e depois digo-vos alguma coisa", porque eu sabia o que isto significava, sabem? Fui para casa e perguntei-lhe: "A situação é a seguinte... E ela disse-me: 'Podes fazer o que quiseres, mas não penses que eu aprovo', porque ela era muito contra este tipo de coisas. Eu disse-lhe: 'Bem, olha. Agora estou numa fase da minha carreira em que tenho de fazer algo com isto e, se não o fizer, provavelmente vou sentir-me um pouco mal.'. E depois, também, apenas a oportunidade de estar financeiramente seguro com o milhão de libras, tipo, sim. Não é mau dinheiro.... Eu pensei: 'Não. Eu podia ganhar isto, montar um ginásio, fazer muitas coisas fantásticas com a minha vida'. Acho que muito do que eu disse se deveu ao facto de: 'Bem, se eu fizer isto, há uma boa hipótese de ganhar isto e toda a gente vai pensar que não és aquele tipo (que não consegue fazer isto)'.... Por isso, houve um pouco de mostrar a toda a gente: 'Vão-se lixar, eu também sou o homem certo.

!Toda a gente naquele torneio estava a beber um copo"

"Por isso, obviamente, comecei e ganhei o combate contra o Kris (Krzysztof) Jotko. O Jotko também acusou positivo e, depois, nesse torneio, havia 10 tipos no torneio e, nessa noite em Las Vegas, seis dos 10 tipos acusaram positivo. Agora, se me perguntarem se os outros quatro tipos estavam limpos? Nem pensar. Toda a gente naquele torneio estava a beber. Muitos deles tinham vindo dos pesos-médios, por isso, se se vai para os pesos-médios e se sobe e se ganha 20 quilos de massa muscular, sim, é provável que se tenha consumido esteróides. O que me surpreende é o facto de a PFL ter mantido o Rob Wilkinson e o Thiago Santos, porque eles diziam: "Sim, não faz mal se fores famoso e te dopares, não te preocupes com isso. Mas vês estes tipos? Livra-te deles". É uma mensagem moral muito confusa, não é? Porque é óbvio que eles estavam a tentar... expor todos os resultados e torná-los públicos e tudo isso. É como se estivessem a tentar marcar uma posição. Mas depois diziam: "Mas estás a ver estes tipos? Sim, eles estão bem. Eles estão bem.'"

- Arrependes-te de ter participado?

- Não me arrependo mesmo. E fazem-me muitas vezes essa pergunta e tenho de ser sincero."

- Talvez uma pergunta melhor fosse: Faria diferente se estivesse na mesma situação?

- Sim, fá-lo-ia de forma diferente, mas não diria que não o faria. Sei que é controverso, mas a realidade é que a maior parte dos atletas de topo faz algum tipo de melhoramento do desempenho. Bem, há tipos que não o fazem, e eu admiro-os. Honestamente, admiro-os. Mas a realidade é esta: o primeiro combate em que me dopei foi aquele em que fui apanhado, certo? E eu pensei, 'Oh, m..., estou 1-1'. Por outro lado, conheço muitos tipos que se doparam durante toda a sua carreira e nunca falharam o teste. Ou, sabes, nem sequer fizeram o teste. Por isso, é engraçado. Eu diria que se vamos ter um sistema, que o tornemos muito justo ao ponto de ninguém poder fazer batota, o que não é certamente o sistema que temos atualmente com os testes... ou então, mãos à obra, deixem passar e façam o que quiserem. Definitivamente, não podemos chegar a um ponto em que haja 100% de transparência e 100% de probabilidade de sermos apanhados se tomarmos alguma coisa. Não é esse o caso, e não vejo que venha a ser esse o caso. Compreendo que as pessoas vão tentar tudo o que puderem para que isso aconteça, isso é certo.

- Que papel desempenhou o escândalo de doping na motivação para os seus êxitos recentes, por exemplo, em Oktagon?

- Penso que grande parte (da minha motivação) vem de.... Sempre senti que era um ótimo lutador. E nunca senti que consegui mostrar isso da maneira que poderia. Por isso, sempre tive a preocupação de não ter oportunidades e de não obter o reconhecimento que provavelmente desejava, por ser um lutador de alto nível. Porque eu viajava e treinava com pessoal do UFC, lutadores de alto nível no UFC, e alguns dos meus parceiros de treino eram considerados de alto nível. E eu sempre me senti como, 'Uau. Eu posso vencer todos estes'.