Já detentora do recorde mundial nesta distância não olímpica, Faith Kipyegon terá, no entanto, de superar a sua própria marca (4:07,64 minutos), ganhando quase dois segundos por cada 400 metros. Nunca nenhuma mulher tentou tal feito, alcançado pela primeira vez em 1954 pelo britânico Roger Bannister (3:59,4 minutos) e recordado como um dos maiores desempenhos do desporto.
"Sinto-me forte. Não vai ser fácil, mas vou dar o meu melhor", explicou a 18 de junho a campeã queniana de 31 anos, que diz querer escrever o seu "legado" e "inspirar" as novas gerações de atletas femininas.
Embora Kipyegon possa ter o mesmo sonho de Bannister há 71 anos, as condições da corrida serão muito diferentes na quinta-feira. Numa altura em que o atletismo profissional ainda não existia, Bannister, então estudante de medicina, correu um encontro regional depois de uma manhã de trabalho no hospital, numa pista de asfalto e usando sapatilhas pesadas com espigões.
Kipyegon beneficiará de todo o apoio tecnológico da Nike, o seu patrocinador de longa data, que transformou o projeto "Breaking 4" numa verdadeira operação de comunicação, seis anos após o "Breaking 2" do maratonista Eliud Kipchoge, o primeiro homem a correr menos de duas horas numa maratona (1:59,40 horas, um desempenho não sancionado).
Numa conferência de imprensa online - onde os jornalistas não podiam fazer perguntas diretamente, pois eram filtradas por um moderador muito atento à imagem da marca com a vírgula - Kipyegon permaneceu vaga sobre os detalhes da sua tentativa.
Tudo o que sabemos é que a Nike lhe fez um fato à medida, que vai usar um novo par de sapatilhas e que Kipchoge estará à sua espera na meta.
Mas será que ela vai utilizar outras inovações? Será ajudada por numerosas lebres para a proteger do vento, como aconteceu com Kipchoge em 2019? E, sobretudo, como tenciona reduzir quase oito segundos do seu recorde, em apenas quatro voltas ao estádio?
"Toda a gente me pergunta como tenciono baixar esses segundos? Eu própria pergunto-me a mesma coisa", disse.
Para muitos observadores, o degrau parece demasiado alto.
"Alerta de spoiler. Ela não vai quebrar a barreira dos quatro minutos. E nem sequer vai chegar perto", diz Robert Johnson, cofundador do site especializado Letsrun.com.
Ele aponta, em particular, a corrida de regresso de Kipyegon, que correu os 1000 metros na China, no final de abril, em 2:29,21 minutos.
"Ela foi fantástica, quase batendo o recorde mundial da disciplina no seu regresso", diz Johnson. Mas se convertermos o seu desempenho em 1.609 metros, a distância da milha, obtemos 4:00,08 minutos. Portanto, ela deveria correr ainda mais depressa, com mais 609 metros".
Se o jogo da conversão não está do lado da campeã, os atletas especializados na distância estão entusiasmados.
"Estou muito intrigado para ver se é possível", declarou à AFP Jakob Ingebrigtsen, que bateu este inverno o recorde mundial da milha em pista coberta (3:45,14 minutos). Parece completamente louco".
"Não sei se será capaz de o fazer, mas o risco que está a correr é insano, é muito forte porque não tem nada a provar a ninguém", disse Agathe Guillemot, recordista francesa da disciplina (4:25, 99 minutos em pista coberta).
"Há já alguns anos que ela tem vindo a esmagar os 1500 metros, mas continua a decidir sentir-se totalmente desconfortável", acrescenta. "Penso que é bom mostrar que se pode ter grandes ambições e que não é nada de mais falhar. Não estou a dizer que ela vai falhar, mas há mais hipóteses de ela não ter sucesso do que de ter sucesso, e mesmo assim ela arrisca. Gosto disso".
A tentativa está marcada para o Stade Charléty, em Paris, por volta das 20 horas.