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Atletismo: Por que razão é que Cuba é uma cantera inesgotável no triplo salto?

As três medalhas masculinas do triplo salto em Paris-2024 foram conquistadas por atletas nascidos em Cuba
As três medalhas masculinas do triplo salto em Paris-2024 foram conquistadas por atletas nascidos em CubaAnne-Christine POUJOULAT / AFP
No ano passado, três atletas nascidos em Cuba ocuparam o pódio olímpico masculino do triplo salto, mas representando países europeus. A ilha caribenha tem sido historicamente um viveiro de talentos nesta prova.

Cuba é a potência tradicional do atletismo latino-americano e acumulou na sua história 15 medalhas em Mundiais ao ar livre nessa disciplina, das até agora 64 no total, às quais se somam três medalhas olímpicas.

No Mundial de Tóquio, em que o triplo salto inicia a sua competição feminina na terça-feira (16 de setembro) e a masculina na quarta-feira (17), essa disciplina é uma das grandes esperanças cubanas, como já aconteceu há dois anos em Budapeste, em que os três metais (uma prata, duas bronzes) conquistados pela delegação foram graças a essa prova.

Mas o que Cuba tem para se manter contra tudo e todos como escola de referência nessa prova?

Primeira paragem: Moscovo

Uma figura chave nessa força é Julio Bécquer Pino, que tem atualmente 84 anos e é considerado pai da escola cubana de saltos, além de ter sido diretor técnico da área nacional de saltos do país durante duas décadas (1979-1999).

O primeiro ponto dessa viagem no tempo leva à União Soviética. Bécquer chegou a Moscovo em 1964 para cursar durante cinco anos estudos de Educação Física, com especialização em atletismo, e mais especificamente em saltos horizontais (salto em comprimento e triplo salto).

"Como éramos os primeiros cubanos lá, naqueles tempos em Moscovo, tínhamos privilégios muito grandes, recebíamos um tratamento imenso", recorda à AFP desde Fuengirola (sul da Espanha).

Nesses anos, pôde tratar diretamente com alguns nomes da elite da disciplina, como Viktor Saneyev (três vezes recordista mundial ao ar livre e três vezes ouro olímpico), o seu treinador Vitold Kreyer ou outra figura da prova, Leonid Shcherbakov, também ex-recordista mundial e prata olímpica em Helsínquia-1952.

Novos métodos

"A estadia na União Soviética deu-me a possibilidade de me formar em todos os sistemas de treino, de estudar tudo. Ao voltar a Cuba, Shcherbakov estava como técnico lá. Tinha sido meu professor e reencontrámo-nos", relata.

As relações de cooperação URSS-Cuba da época favoreceram a presença de grandes preparadores do desporto soviético e os frutos não tardaram a aparecer.

Pedro Pérez Dueñas, pupilo de Shcherbakov, bateu o recorde mundial ao chegar a 17,40 metros nos Jogos Pan-Americanos de Cali de 1971.

"Estávamos lá e foi apoteótico, mexeu com os alicerces do triplo salto no mundo inteiro. Isso incitou-me a aprofundar o trabalho", conta Bécquer, que teve depois outra estadia na União Soviética para fazer um doutoramento, antes de regressar novamente ao seu país.

"Fomos nos aprofundando no estudo do triplo salto, com outros colegas, discutíamos muito sobre os treinos. Quando os soviéticos terminaram, tive a honra de dirigir esse coletivo durante vinte anos", relata.

"Sempre estivemos muito ligados ao trabalho da ciência e às capacidades dos nossos triplistas. Naquela época, os atletas russos utilizavam muito os elementos de força total, eu dizia que os cubanos não podiam fazer tanta força quando temos uma rapidez que eles não têm, somos bons velocistas. Começámos a trabalhar muito a força rápida e a velocidade, a estabelecer as possíveis coordenações", analisa.

Mais em Tóquio?

Nas últimas quatro décadas, a presença cubana nos pódios internacionais tem sido frequente no triplo salto, com uma longa lista em que figuram nomes como Yoelbi Quesada, Aliecer Urrutia, Yoandri Betanzos, Yamilé Aldama ou a bicampeã mundial Yargelis Savigne, entre muitos outros.

Em Paris-2024, três triplistas nascidos em Cuba estiveram no mesmo pódio olímpico: Jordan Díaz, ouro para Espanha, Pedro Pablo Pichardo, prata para Portugal e Andy Díaz, bronze para Itália.

Apesar de não vencer para Cuba, Bécquer afirma sentir-se muito contente por considerar que são "êxitos do sistema cubano".

O trio promete uma nova batalha neste Mundial.

No Mundial indoor do passado março na China, Andy Díaz já foi campeão, enquanto representando Cuba Leyanis Pérez e Liadagmis Povea foram ouro e prata, respectivamente.

Leyanis Pérez chega a Tóquio como a melhor da temporada do triplo salto, embora tenha uma dura rival na venezuelana Yulimar Rojas, que regressa de uma lesão e se tornou a melhor da história no triplo salto graças aos ensinamentos justamente do mito cubano Iván Pedroso, que na sua época de atleta foi a estrela do salto em comprimento.


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