“Há cerca de 10 anos, em 2014, surgiu o convite para ser o ‘head coach’ da seleção de Singapura, através de um treinador norte-americano, que referiu o meu nome quando o contactaram. Estive dois anos no cargo e fui convidado para ser um dos diretores do Singapore Sports Institute (SSI), onde estou desde 2016, estando, novamente, como responsável pelo treino de atletas da federação de atletismo e também pelas estafetas, embora tenha estado ligado a outros desportos”, começa por contar Luís Cunha.
O antigo atleta, que tem como recordes pessoais 10,34 segundos nos 100 metros e 20,95 nos 200, tem agora 58 anos e reconhece retirar satisfação dos resultados obtidos pelos seus comandados, distinguindo-os do que conseguia quando era o protagonista.
“É diferente. Fui a três Jogos Olímpicos como atleta, mas os resultados que se conseguem obter dependem do talento, do que se herda dos pais, da dedicação, disciplina e do trabalho do treinador, e isso influencia se, nestas funções, se consegue alcançar o sucesso”, detalha, à Lusa.
Luís Cunha é o treinador de Shanti Pereira, a melhor velocista de sempre de Singapura, que vai disputar nos Mundiais Budapeste-2023, entre sábado e 27 de agosto, logo nas duas distâncias de eleição do seu timoneiro, e que, dado o apelido tipicamente luso, admite ter tido antepassados portugueses na Índia, de onde é originária.
“Ela nem consegue pronunciar bem o seu nome. Eu costumo dizer-lhe que eu consigo fazê-lo melhor do que ela”, afirma o português, admitido brincar com a atleta, que já orientou nos Jogos Olímpicos Tóquio-2020, em 2021, e nos Mundiais Oregon-2022.
No entanto, a presença nos Mundiais da capital húngara, cujas qualificações estão marcadas para domingo, nos 100, e quarta-feira, nos 200, tem um simbolismo diferente.
“É a primeira vez que temos uma atleta a fazer os mínimos. Ela tem participado por ser a melhor de Singapura, com um ‘wild card’, e, agora, apesar de eu não gostar da expressão, vai estar por mérito e em duas distâncias, nos 100 e nos 200 metros. Ela começou comigo há três anos, incluindo os dois de covid-19 quando, para nós, foi impossível competir. Este ano está bem acima das nossas melhores expectativas”, reconhece.
Shanti Pereira, de 26 anos, apresenta-se no hectómetro com o recorde nacional alcançado já este ano de 11,20 segundos, numa situação idêntica nos 200 metros, com o registo de 22,69. Mesmo assim, as ambições são comedidas.
“O objetivo é tentar aproximar-se dos recordes pessoais e tentar correr duas vezes. Nos 100 vai ser difícil, mas nos 200 parece-me realista passar as eliminatórias. Isso, para Singapura, é uma coisa! Deixarmos de enviar atletas sem mínimos para ter uma atleta que passa uma ronda. Eu sei que é uma coisa pequenina, é muito poucochinho, mas, no contexto do atletismo de Singapura, é histórico”, explica.
Além de Shanti Pereira, Singapura apresenta pela primeira vez dois atletas em Mundiais, com a presença, nos 400 metros barreiras, de Calvin Quek, que também é treinado por Luís Cunha, mas, segundo o próprio, “tem um nível completamente diferente”.
“É nestas pequenas coisas, pequenas satisfações. Eu sinto que estou a ter mais visibilidade pelo talento destes atletas, mas é difícil comparar com o que fiz para trás e com o que fiz como atleta”, rematou o português, assegurando ter “objetivos de regressar a Portugal, para a reforma ou para continuar a treinar", até porque “o custo de vida em Singapura é muito caro e o clima horrível”.