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Perfil: O discreto Simon Yates fechou um capítulo para viver o seu "conto de fadas"

Simon Yates venceu a Volta a Itália
Simon Yates venceu a Volta a ItáliaLUCA BETTINI/AFP

Simon Yates encerrou este domingo um capítulo da sua carreira, ao vencer a 108.ª Volta a Itália com uma demonstração de paciência e taticismo que o devolveu à ribalta do ciclismo quando já ninguém acreditava ser possível.

Sete anos depois de desfalecer no Colle delle Finestre, onde perdeu mais de 38 minutos e uma maglia rosa que envergou durante 13 jornadas, o britânico de 32 anos voltou à subida que, como o próprio admitiu, “definiu” a sua carreira para ajustar contas com o passado.

“Quando o percurso foi anunciado, pensei que queria regressar e talvez fechar esse capítulo. Esteve sempre no meu pensamento tentar algo nesta etapa”, reconheceu no sábado, após tomar de assalto a liderança da geral.

Diante do gigante, Yates não se amedrontou e, mesmo duvidando de que seria capaz e quando já todos o tinham descartado da luta pela vitória final, arriscou, beneficiando também da marcação cerrada entre Isaac del Toro (UAE Emirates) e Richard Carapaz (EF Education-EasyPost), que talvez tenham desvalorizado – como a maioria dos espetadores e especialistas da modalidade – a capacidade de um ciclista que já sabia o que era ganhar uma grande Volta.

Quase ninguem deu por ele, mas o campeão da Vuelta-2018 esteve sempre lá – desde a 14.ª etapa que estava no pódio. Assumidamente descontente com a tática da equipa na sexta-feira, viu a Visma-Lease a Bike desenhar a estratégia perfeita para a 20.ª etapa, lançando Wout van Aert na fuga para, depois, ajudar o britânico a consolidar a sua vantagem para o duo de perseguidores.

“Investi muito da minha carreira e da minha vida a ambicionar ganhar esta corrida, e tive muitos azares. Foi difícil lidar com isso. (…) Na edição de 2022, tive de desistir devido a uma lesão no joelho, outras vezes apanhei covid, estive doente. Por isso, ainda não acredito que finalmente consegui”, descreveu o campeão da Vuelta-2018, que foi terceiro na corsa rosa em 2021, depois de abandonar a edição anterior.

As lágrimas que lhe escorriam sem parar no sábado, uma raridade em alguém que diz ser pouco emocional, eram o sinal mais visível de que ainda existem “contos de fadas” no ciclismo. O seu começou quando o pai, John, teve um acidente de bicicleta e decidiu levar os filhos Simon e Adam ao velódromo de Manchester para manter-se em contacto com a modalidade, quando estes tinham pouco mais de 10 anos.

Sim, porque falar de Simon é falar de Adam, e vice-versa – até a pedalar são idênticos, como atesta um vídeo viral da Volta a França de 2023. A carreira dos discretos gémeos Yates confunde-se até 2020, com os dois corredores nascidos em 07 de agosto de 1992 em Bury (Manchester) a serem colegas de equipa nas variantes da Mitchelton-Scott, que os obrigou a usar óculos de cores diferentes para distingui-los.

Enquanto Adam deu o salto para a INEOS, tornando-se mais conhecido do que o irmão, que o bate por larga margem em palmarés em grandes Voltas, Simon manteve-se fiel à estrutura australiana, da qual só saiu esta época, numa mudança entendida pelos amantes da modalidade como o aceitar de que os seus tempos como líder incontestado de uma equipa tinham acabado, após dois anos sem resultados expressivos.

A separação profissional não beliscou a relação dos tranquilos gémeos, apreciadores de vinho tinto e avessos à exposição mediática, que continuam a ser os melhores amigos.

“Somos superpróximos. Falo com ele literalmente todos os dias nos últimos 10, 15 anos, talvez até 20”, disse Adam, depois de roubar a primeira etapa e a respetiva camisola amarela do Tour-2023 ao irmão.

Apesar da imagem de seriedade, quem os conhece garante que são divertidos e provocam gargalhadas com a competição permanente em tudo o que fazem, que não se traduz numa rivalidade na profissão que ambos abraçaram.

Profissional desde 2014, Simon conta com 35 vitórias no currículo, sendo as mais sonantes as seis etapas conquistadas na corsa rosa, o Tirreno-Adriático de 2020, além, claro, das duas grandes Voltas – no Tour, o seu melhor resultado é o quarto lugar de 2023, atrás do seu irmão.

Fora os azares no Giro, que este domingo conquistou, o maior pesadelo na carreira do ciclista da Visma-Lease a Bike foi mesmo o positivo por terbutalina em março de 2016, durante o Paris-Nice, que o levou a ser suspenso por apenas quatro meses, depois de ter ficado provado que foram os médicos da Orica GreenEdge a cometer o erro de não comunicar que o britânico estava a usar o medicamento para tratar a asma.