Mais

Pogacar perdeu o Tour, Vingegaard ganhou-o

Pogacar perdeu o Tour, Vingegaard ganhou-o
Pogacar perdeu o Tour, Vingegaard ganhou-oAFP
Tadej Pogacar despediu-se esta quarta-feira definitivamente do sonho de vencer pela terceira vez a Volta a França em bicicleta, ao implodir no Col de la Loze, perdendo quase seis minutos para Jonas Vingegaard, na etapa rainha ganha por Felix Gall.

O esloveno da UAE Emirates viveu esta quarta-feira o pior dia da sua curta mas excecional carreira, com milhões de espetadores em todo o mundo a testemunharem o naufrágio do corredor de 24 anos, reconhecido pelo próprio em pleno Col de la Loze, onde com um simples “I’m gone. I’m dead” ("fui, estou morto", em tradução livre), dito através do rádio da sua equipa, entregou a vitória final do Tour ao dinamarquês da Jumbo-Visma, que agora lidera com 07.35 minutos de vantagem.

O ocaso do bicampeão da Grande Boucle (2020 e 2021) e vice da passada edição na 17.ª etapa acabou por deixar num discreto segundo plano a exibição de Felix Gall (AG2R Citroën), que, aos 25 anos, se estreou a vencer na prova francesa, replicando um feito que só outros três ciclistas austríacos tinham conseguido antes (Max Bulla, em 1931, Georg Totschnig, em 2005, e Patrick Konrad, em 2021).

Não posso dizer que seja um sonho de criança… mas há um ano, há um ano e meio, nunca poderia imaginar que estaria nesta posição agora”, disse um muito emocionado Gall, que cortou a meta com o tempo de 04:49.08 horas, à frente de dois rivais na luta pelo top 10: o britânico Simon Yates (Jayco AlUla), segundo a 34 segundos, e o espanhol Pello Bilbao (Bahrain Victorious), terceiro a 01.38 minutos.

Em quarto, a 01.52, chegou Jonas Vingegaard, que beijou a aliança ao cortar a meta, numa celebração antecipada daquele que será o seu segundo triunfo consecutivo no Tour. Só uma tragédia impedirá o dinamarquês de voltar a subir ao degrau mais alto do pódio nos Campos Elísios, no domingo, já que Pogacar está a quase oito minutos e o terceiro, o britânico Adam Yates, também da UAE Emirates, está já a 10.45.

O dia desastroso de Pogi começou bem mais atrás, quando estavam decorridos cerca de 15 quilómetros dos 165,7 entre Saint-Gervais Mont-Blanc e Courchevel: o esloveno tocou na roda de outro ciclista e caiu, levando o camisola amarela imediatamente a abrandar para conferir o estado do seu grande adversário, que aparentemente saiu ileso desse azar.

O Tour é impiedoso, nunca para e, por isso, os ataques continuaram a suceder-se, sem que fuga estivesse formada à entrada da primeira contagem de montanha do dia, no Col des Saisies, que partiu a corrida e deixou a quase totalidade dos 10 primeiros da geral num grupo à frente do pelotão e atrás de três crónicos fugitivos: o consolidado líder da montanha Giulio Ciccone (Lidl-Trek), Julian Alaphillipe (Soudal Quick-Step) e Krists Neilands (Israel-Premier Tech).

Com a situação de corrida em permanente mutação, até Bilbao, Simon Yates, David Gaudu (Groupama-FDJ) e Gall, os quatro homens que encerravam então o top 10, se juntaram à numerosa fuga, tal como o português Rui Costa (Intermarché-Circus-Wanty), Thibaut Pinot (Groupama-FDJ), Ben O’Connor (AG2R Citroën) ou Guillaume Martin (Cofidis), entre muitos outros.

Foram 34 os ciclistas que iniciaram a subida a Cormet de Roselend, nova montanha de primeira categoria, com mais de um minuto de vantagem sobre o grupo do camisola amarela, permanentemente comandado pela Jumbo-Visma, e de lá saíram com uma diferença pouco maior.

A multidão de fugitivos entendeu-se bem e chegou a dispor de três minutos de diferença na descida após a Côte de Longefoy – onde Egan Bernal (INEOS), o campeão do Tour2019, voltou a cair -, a segunda categoria que era a última dificuldade antes do temível Col de la Loze.

Conhecido como “o Galibier do século XXI”, o monstro desta edição, com 28,1 quilómetros de extensão, 2.304 metros de altitude e percentagens de inclinação que chegam aos 24%, foi enfrentado pelos ciclistas apenas pela segunda vez na história da prova – só em 2020, meses antes da primeira passagem do Tour, o troço final de sete quilómetros foi asfaltado.

Rui Costa foi dos primeiros a descolar de um grupo progressivamente menos numeroso à medida que a estrada ia inclinando para pendentes proibitivas, resistindo na frente apenas os trepadores, numa altura em que a INEOS tentava endurecer o ritmo no pelotão, de modo a devolver o pódio a Carlos Rodríguez, outro dos derrotados da jornada – continua a ser quarto, mas está mais longe de Adam Yates e tem o outro gémeo, Simon, apenas 18 segundos atrás de si.

Os penosos quilómetros até ao ponto mais alto da 110.ª edição expuseram as debilidades de Pogacar, que perdeu definitivamente a Volta a França a mais de oito quilómetros da contagem de categoria especial instalada no Col de la Loze: o esloveno implodiu e nem com a ajuda dos seus colegas de equipa, exceção feita a Adam Yates, que continuou à procura de defender o terceiro lugar, conseguiu evitar perder quase seis minutos na meta para o dinamarquês.

Com o seu único rival a passar mal, Vingegaard preferiu, inicialmente, ser cauteloso e seguir na roda do colega Sepp Kuss, antes de acelerar para uma cronoescalada improvisada a mais de quatro quilómetros do alto. O campeão em título seguia no encalço dos poucos fugitivos que ainda seguiam na frente, nomeadamente Gall, o primeiro a coroar o Col de la Loze, quando foi travado por uma mota caída na estrada e por um carro da organização.

Mas nem o percalço parou o dinamarquês, que apanhou Bilbao e Gaudu a subir e com eles seguiu até à meta, onde confirmou a vitória final no Tour. A ousadia de entrar na fuga valeu a Simon Yates uma ascensão de três lugares na geral, para quinto, com Bilbau a subir um posto, para sexto, e Gall a ser agora oitavo, atrás de Jai Hindley (BORA-hansgrohe), que esta quarta-feira pareceu melhor, mas voltou a perder tempo.

Entre os portugueses, Rui Costa acabou em 40.º (a 23.29) e Nelson Oliveira (Movistar) foi 54.º (a 29.29), com o primeiro a subir ao 73.º lugar da geral, a 03:31.10 horas de Vingegaard, e o segundo a descer ao 56.º, a 02:55.05.

Na quinta-feira, o pelotão poderá recuperar de cinco dias consecutivos nas montanhas, nos 184,9 quilómetros maioritariamente planos entre Moûtiers e Bourg-en-Bresse.