Durante muito tempo, a Netflix mostrou-se relutante em investir em eventos desportivos em direto, mas aproveitou o sucesso dos seus documentários para se aventurar neste mercado. Houve uma exibição em Las Vegas entre Rafael Nadal e Carlos Alcaraz em 2024, mas é sobretudo no boxe que a plataforma tem apostado. E não com uma figura qualquer, mas tampouco consagrada: Jake Paul.
Foco no boxe feminino
Desde 2020, o YouTuber com quase 21 milhões de seguidores tornou-se um pugilista de peso pesado, tanto no sentido literal como figurado. Aos 28 anos, soma 13 combates (12-1), mais próximos do espetáculo, como aconteceu com as estrelas de MMA Anderson Silva e Nate Diaz, ou ainda Mike Tyson, mesmo tendo enfrentado Tommy Fury (única derrota, mas conseguiu um knock-down na 8.ª e última ronda) e Julio César Chávez Jr, antigo campeão mundial dos médios. Três combates em 2023, três em 2024 e já dois previstos para 2025: a máquina está bem oleada e é lucrativa. Porque Paul oferece mais do que a sua própria imagem com combates "para todos os gostos": os cartazes são apelativos e mistos.
O seu combate contra Tyson foi acompanhado por um campeonato mundial unificado entre Katie Taylor e Amanda Serrano, por um combate pelo título WBO dos super-médios entre Shadasia Green e Melinda Watpool e por um duelo pelo cinturão dos welters WBC entre Mario Barrios e Abel Ramos.
Com Paul, nunca as pugilistas femininas foram tão bem remuneradas e o interesse foi tal que a Netflix organizou, a 11 de julho, uma gala 100% feminina com as melhores do mundo. A sua empresa MVP gere sobretudo mulheres (31 contra 12 homens, contando com Paul) e já promoveu um campeonato mundial entre Serrano e Danila Ramos em 12 rondas de 3 minutos, quando o habitual são 10x2 minutos. Uma aposta muito acertada, pois havia espaço livre, o que lhe permitiu afirmar-se neste meio.
Ponto de encontro de um triunvirato
Em resumo, o norte-americano é o rosto do seu próprio espetáculo, mas percebeu que um único main event não basta. De figura secundária, tornou-se central no universo do boxe em poucos anos. Se enfrentar o campeão mundial WBA dos leves Gervonta Davis não fazia sentido desportivo, indicava uma subida de nível na escolha dos adversários.
E como alternativa, conseguir Anthony Joshua é um verdadeiro sucesso. AJ é ex-campeão mundial, um pugilista que continua a ser uma aposta segura. É certo que o medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de 2012 está em declínio, mas não desistiu de tentar uma nova oportunidade mundial em 2026. Eddie Hearn e ele procuravam um combate de regresso, Tony Yoka foi mencionado numa lista restrita, mas que peso tem o francês face a Paul? Mesmo um duelo entre campeões olímpicos vale menos!
A primeira razão é clara: os prémios serão muito superiores. Fala-se em 50 milhões de dólares. E, acima de tudo, Paul pode ser o elo de ligação entre Netflix, DAZN e Ring Magazine. Desde que Turki Al-Sheikh comprou a Bíblia do boxe, a DAZN partilha muitos conteúdos de grande qualidade na sua plataforma. O americano destacou-se na Netflix, mas também investiu na DAZN em agosto de 2023, contra Diaz. O tempo em que enfrentava Silva na Showtime, canal que entretanto abandonou os ringues, parece já distante... e foi há apenas três anos!
Para este combate contra Joshua em Miami, há uma dúvida: que plataforma irá transmitir? Paul vs. Davis estava anunciado para a Netflix, mas AJ tem exclusividade com a DAZN. Se as últimas galas organizadas pela MVP foram transmitidos na DAZN, o duelo contra "Tank" marcava o regresso à Netflix.
Paul aliado a Joshua pode ser o momento ideal para iniciar uma sinergia em torno do boxe... antes de explorar outros campos. Sendo a DAZN apelidada de "a Netflix do desporto", uma associação destas seria gigantesca em termos de direitos de transmissão. Jake Paul faz tudo depressa e em grande escala. Este combate com Joshua pode acelerar um processo desenvolvido em tempo recorde.
Prova de que quem era visto como um palhaço no início já tinha uma ideia muito clara do modelo que queria criar.
