Há 49 anos, David Kotei Poison regressou ao Gana para ser recebido como um herói, depois de ter vencido Rubén Olivares no campeonato de pesos pluma do WBC. As ruas estavam cheias de multidões jubilosas e faixas a celebrar o seu triunfo. A vitória de Kotei não só fez dele o primeiro campeão mundial de boxe do Gana, como também preparou o terreno para futuros campeões.
Chegou mesmo a emprestar 45 mil dólares ao governo para a compra de cavala enlatada, a fim de ajudar a aliviar as dificuldades económicas do país. Seguindo o seu legado, o Gana produziu oito campeões mundiais masculinos, incluindo lendas como Azumah Nelson e Joshua Clottey.
A 24 de novembro de 2024, chegou o momento de Quartey. Estava de olhos postos no título mundial de pesos super-pesados, atualmente detido por Birdie. Cinco meses antes, Quartey desafiou Birdie depois de ter derrotado facilmente outra pugilista ganês. Como nenhuma compatriota havia conquistado um título mundial, ela estava determinada a mudar essa narrativa.
"Quando lancei o desafio pela primeira vez, fui ignorada. Senti que nunca iria ter essa oportunidade. O meu treinador veio ter comigo uns dias mais tarde e garantiu-me que eu ia conseguir o combate e, pouco depois, fui lutar com uma adversária do Dubai e, apesar de ter perdido o combate por pontos, isso motivou-me", contou Quartey ao Flashscore.
Por trás do seu sucesso esteve Ebenezer Adjei, o dedicado treinador de Quartey, que trabalhou incansavelmente nos bastidores para garantir este combate decisivo. Ele pretendia acrescentar um novo capítulo ao legado histórico da academia de boxe Black Panthers, lar de ex-campeões como Joshua Clottey e Alfred Kotei.
O ginásio de Adjei pode ter sido humilde - um ringue de boxe imaginário desenhado a giz, dois sacos de boxe e uma coleção de luvas de boxe - mas a sua determinação era feroz.
"Costumava treinar a Birdie durante as minhas visitas ao Reino Unido. Ela perguntou-me se a Abigail era uma adversária que ela podia vencer e eu disse que sim. Depois de ela ter aceitado lutar, concentrei-me fortemente no treino da Abigail. Estava ansiosa pelo título, tanto que fiz uma aposta com o Presidente da GBA a favor da minha aluna. Quando ela ganhou, levei o dinheiro para o ringue", disse Adjei.
A luta pelo título durou 10 rounds intensos e mostrou a preparação e a habilidade de Quartey. Ela dominou o combate, desferindo uma saraivada de socos que deixaram Birdie com dificuldades para reagir. Os juízes declararam Quartey vencedora por unanimidade. Enquanto as suas mãos se erguiam em triunfo, Birdie permanecia desanimada com o rosto inchado, reflectindo sobre o que poderia ter sido. Para Quartey, foi um momento de profunda realização.
"Eu costumava ser o parceiro de treino do meu irmão mais velho quando era mais novo. Na altura, jogava futebol e queria ser futebolista profissional. Mas em 2015, tomei a decisão de mudar para o boxe. Também estava a vender arroz. As pessoas duvidaram de mim, mas isso foi uma motivação para me sair bem. Fiz questão de a vencer para que o julgamento não fosse a favor dela", disse Quartey.

O percurso de Quartey começou com apenas 13 anos, quando vendia arroz num pequeno quiosque verde à porta da sua modesta casa, partilhada com a tia e o irmão mais novo. Após sete anos a conciliar o trabalho com o sonho de praticar boxe, decidiu concentrar-se exclusivamente na sua carreira desportiva na sequência de um trágico acidente que pôs fim às aspirações de boxe do seu irmão Isaac Awuley.
A entrada na equipa de boxe amador do Gana, conhecida como Black Bombers, em 2015, marcou um ponto de viragem para Abigail. Rapidamente ganhou o respeito dos seus colegas de equipa e treinadores enquanto competia em toda a África. A sua dedicação de quase uma década deu finalmente frutos.
"Agora sou a campeã. Não tenho de desafiar ninguém. Eles é que têm de me desafiar a mim", afirma com um ar de confiança.
Abigail Quartey não só encontrou o ouro como abriu caminho para as futuras gerações de pugilistas do Gana. Tal como o legado de DK Poison de há décadas atrás, o feito de Quartey irá repercutir-se no tempo como um momento marcante na história do desporto feminino no Gana.
