- Acabou de regressar de um media day em Londres, como correu?
- Sinceramente, foi ótimo. Foi um pouco de promoção, nada de especial, mas a qualidade foi boa. É um país de boxe, eles adoram-no, está-lhes nos genes. Os ingleses adoram todos os desportos, mas quando se trata de boxe, têm muito cuidado. Sentimo-nos respeitados, como um desportista de topo. Para eles, é valioso que alguém venha e dê um bom espetáculo, ainda mais quando se tem títulos. Há um verdadeiro fosso com a França.
- Foi acompanhado por Yvan Mendy, que está no mesmo clube que você, o Pont-Sainte-Maxence?
- Sim, e ele vai estar no meu canto durante o combate. Já aconteceu antes, mas desta vez é para um grande evento. Por isso, partimos juntos. Ele sabe exatamente como é importante. Já lutou várias vezes em Inglaterra e não foi em qualquer lado: Wembley, Tottenham, a O2 Arena. Conhece essas noites e isso é um ponto forte.
- Teve uma vida labiríntica e a sua carreira começou tarde. Como descreveria a sua carreira no pugilismo?
- No início, foi difícil e demorei muito tempo porque nunca fui bem classificado. Mas quando tive uma oportunidade, agarrei-a. Fui campeão de França, depois ganhei o cinturão da União Europeia na Alemanha, depois o cinturão de campeão europeu da EBU. E agora vou defendê-lo. É tudo muito rápido. Mas estamos a chegar lá (sorri).
- É membro de Pont-Sainte-Maxence, que organiza muitas galas: é uma vantagem treinar e lutar no mesmo sítio?
- É uma cidade pequena, mas o clube tem muito peso a nível nacional e internacional. Tive a sorte de vir para cá porque já havia muitos campeões. A experiência deles foi importante para a minha carreira.
- Ser campeão de França em casa, dominando do princípio ao fim: isso transformou-o mentalmente?
- Para qualquer pugilista, ser campeão de França é uma etapa importante. Há muito tempo que esperava por isso. Era o momento certo, e ainda por cima em casa. Antes de mais, dizemos a nós próprios que queremos manter o cinto, mas também sonhamos com o que está para vir. Foi o que aconteceu comigo. Era suposto defender o meu título, mas o meu adversário lesionou-se e, logo a seguir, foi-me oferecida a oportunidade de lutar pelo cinturão da União Europeia.
- Foi a Chemnitz para defrontar Tom Dzemski e, apesar de o cartão ter sido "caseiro" (114-114) e de dois juízes o terem colocado claramente em vantagem (117-111), dominou amplamente.
- O meu adversário era muito bom, era campeão alemão e tinha uma boa defesa. Estava a lutar perante o público da sua casa e o ambiente estava contra mim. Consegui tirar partido da minha força interior para dar o combate de que precisava. Disse a mim próprio que, mesmo que fosse roubado, sabia que tinha o combate. Tinha a certeza disso. Mesmo no estrangeiro, quando se faz o trabalho, isso compensa.
- Vai defender o seu título europeu em Inglaterra, mais uma vez em território inimigo!
- Isso é certo! Sabemos como é o público britânico, que adora o boxe e os seus pugilistas. Mas quando se está no ringue, o objetivo é ganhar. No final, o público estará comigo porque serei eu o vencedor.
- Foi muito convincente ao tornar-se campeão europeu contra Thomas Faure, um pugilista de renome. O que é que isso lhe mostrou sobre o seu progresso?
- É uma verdadeira conquista porque, para qualquer pugilista francês, o título europeu representa um passo muito importante na carreira. Há muito poucos campeões do mundo, por isso, quando se diz que se é campeão europeu, significa que se foi até ao fim. Thomas Faure é um pugilista que respeito imenso. Conhecemo-nos todos um pouco, sabemos quem vale o que vale, já calçámos as luvas juntos. Eu sabia o que esperar e foi um bom combate para o público.
- Yvan Mendy confidenciou-nos que, para o grande público, o título de campeão europeu é imediatamente evocativo, muito mais do que o título de prata do WBC, que é muito prestigiante, mas sobretudo apreciado pelos especialistas. Também concorda com isso?
- Sim, causa uma impressão imediata. Há muitos títulos que nos permitem subir na classificação, ter combates importantes. Mas no registo, não se diz que se foi campeão do WBC qualquer coisa. Vais dizer "fui campeão europeu". Isso é algo que nunca esqueceremos.
- A falta de cobertura mediática do boxe profissional dá a impressão de que o desporto está esquecido em França, apesar de os rankings mostrarem que o nível é muito elevado. Porquê esta falta de cobertura?
- Somos um pouco negligenciados, mas isso faz parte da nossa mentalidade. Em França, somos adeptos do futebol, do râguebi e até do basquetebol. É uma pena, mas estamos a ganhar fama no estrangeiro. O nosso nível de desempenho permite-nos ir mais longe.
- O seu adversário, Shakan Pitters (19-2-0), foi declarado inativo pelo Boxrec. Desde que perdeu para Dan Azeez em setembro de 2022, só enfrentou dois journeymen em 2023. Como podemos avaliá-lo?
- Ele vai estar pronto porque esta é uma grande oportunidade para ele. A nível francês, quando se é campeão da Europa, é preciso provar um pouco mais e ter um pouco mais de sorte para ir ver a nível mundial. Mas quando os ingleses são campeões europeus, vão diretamente para o nível mundial. Ele vai querer agarrar a oportunidade, mas eu vou bloqueá-lo para que possa regressar a França com o cinto. Penso que ele tem o que é preciso para treinar porque há mais recursos em Inglaterra.
- Disse que se sentia como um desafiante e que vai regressar a casa como campeão.
- A organização vai certificar-se de que se fala mais do Pitters do que de mim, porque ele é o tipo local. Também é para vender mais bilhetes ou para amaciar os juízes. Mas tudo isso desaparece quando se está no ringue. Vou chegar em modo challenger para estar mentalmente no meu melhor e sair como cheguei, com o cinto.
- Como é que se vais preparar para enfrentar um adversário muito alto (1,98 m)?
- Eu movimento-me muito porque sou o mais pesado do clube, então vou fazer o mesmo. Vamos rodar com pesos-pesados para gerir a distância. Ele é grande, mas também nunca teve um lutador tão grande como eu. Vai ser um grande combate, mesmo que não seja com jabs de braço frontal. Vou ter de dar tudo por tudo para defender o meu cinturão europeu, mas se ele o quiser conquistar, não será com alguns jabs. Vai ser um combate empenhado e o público vai ganhar.
- Como caracterizaria o seu estilo de boxe?
- Sou grande para a categoria, mesmo que, por uma vez, esteja a enfrentar um adversário maior do que eu. Sei lutar por trás, à distância, mas quando tenho de o fazer, como na Alemanha ou contra o Faure, sei fazê-lo. Sei variar o meu boxe e o meu estilo é adaptável a certos tipos de boxe.
- Vai ter de quebrar a distância, isso é algo de novo num combate?
- Sim e não, porque no combate contra o Dzemski, sou eu que faço pressão e é por isso que ganho tantos assaltos. Dito isto, não vou estar sempre a pressionar e a persegui-lo, não é esse o objetivo. Quando puder controlá-lo, faço-o. Não é um cálculo a fazer desde o início, porque ele também se pode adaptar. É uma questão de jogar várias cartas, fazer um pouco de bluff e saber virar o combate na direção certa.
- Teve uma primeira experiência complicada em Inglaterra, contra Joshua Buatsi (derrota por KO no 4.º assalto). Isso ajudou-o no resto da sua carreira, já para não falar do seu combate em Sheffield?
- Foi uma experiência que me abriu os olhos, porque na altura eu era despreocupado. Tinha pouco menos de cinco anos de carreira e foi bastante complicado, porque nunca tinha lutado contra um medalhado olímpico. Ele tinha uma grande equipa a apoiá-lo e as apostas eram altas, porque ele era considerado o futuro. E isso provou ser verdade, pois ele é agora o campeão mundial interino da WBO. Consegui recuperar muito rapidamente porque, um mês depois, voltei a lutar, ganhei a Taça de França, depois o campeonato francês com um combate pelo meio, depois a União Europeia e o campeonato europeu. Não há muita gente que consiga fazer isso. Vou usar esta experiência para sair de Inglaterra com uma vitória desta vez.
- Sofiane Khati também vai lutar em Inglaterra no mesmo sábado que você, no encontro com Derek Chisora. Tem a impressão de que os franceses são mais valorizados no estrangeiro?
- É uma pena, mas é isso mesmo. Temos mais visibilidade no estrangeiro, enquanto no nosso país é muito complicado. Não estamos habituados a apoiar os desportos de combate em França porque são sempre um pouco mal vistos.
- É ainda mais frustrante para si, porque a categoria de peso médio é colossal. Com uma defesa vitoriosa, vai subir no ranking mundial, com grandes combates pela frente?
- Estou em 16º lugar no WBC e em 51º no Boxrec. Entre os combates contra Dzemski e Faure, recuei um pouco, estive um pouco afastado, mas com uma defesa europeia posso dar um salto. A minha categoria é uma coisa doentia! Há a desforra entre Arthur Beterbiev e Dmitri Bivol, e Buatsi contra Callum Smith no mesmo card.
- A desforra com Buatsi é o seu objetivo declarado?
- Se eu ganhar em grande estilo, com uma grande atuação, em Inglaterra, contra um inglês, posso legitimamente pedir isso. Estarei no meu direito. Ele é o único que me derrotou, é o campeão mundial interino, teve grandes noites, está a defender o título contra o Smith, um monstro, mas espero que o Buatsi o vença. É esse o meu objetivo, com tempo para me preparar, não sendo convocado na semana anterior, com boas luvas e treino. Quero provar que também somos capazes de o fazer.
- Camille Estephan disse-nos que o combate entre Christian Mbill e Kevin Sadjo poderia ter lugar em Bercy. Acha que este combate poderá fazer renascer as grandes noites de boxe de outrora e voltar a dar visibilidade aos pugilistas franceses?
- Sou sincero e talvez um pouco pessimista e, a longo prazo, não acredito nisso. Na altura, sim, mas depois vai desaparecer. Sempre foi assim. Houve a onda dos Jogos Olímpicos de 2016, e não se podia fazer melhor do que essa onda: os canais de televisão estavam em cima do boxe, mas voltou a cair. Sempre que houve um pequeno pico, como com Brahim Asloum em 2000, e depois novamente em 2016, houve sempre uma queda. Não há dúvida de que esta noite oferece um grande cartaz com grandes recordações. Mas não acredito em voltar às grandes noites.