O antigo guarda-redes da Albiceleste, herói do Mundial de 1990 em Itália, pelos penáltis defendidos, recordou em pormenor esse momento histórico, mas também se demorou a falar das suas memórias com Diego Maradona, atreveu-se a compará-lo com Lionel Messi, elogiou Emiliano Martinez e até recomendou um clube para o seu futuro. Não perca a entrevista exclusiva do Flashscore sobre o Campeonato do Mundo de Clubes nos Estados Unidos.
- O que lhe passou pela cabeça quando foi para a linha defender os penáltis no Itália-1990?
As melhores sensações, não tinha nada a perder. É o momento mais stressante de um jogo, porque todos sabemos que o penálti é um momento decisivo, mas é o momento de menor pressão, porque não se tem a responsabilidade de dizer "Tenho de defender porque se não o fizer..." Pelo contrário, se defender, está tudo bem. Concentrei-me dessa forma para que a pressão não me paralisasse. É um bom recurso emocional para me preparar da melhor maneira.

- O silêncio do San Paolo naquele segundo, após o pénalti defendido de Serena, ainda está presente?
Sim, ainda me lembro, foi maravilhoso. Tinham-me enviado o vídeo em VHS e infelizmente tinha-se deteriorado. Mas foi terrível. Victor Hugo diria: "Silêncio ensurdecedor". Ouvia os gritos dos miúdos que vinham do meio-campo, a multidão era minoritária, mas mesmo assim fazia-se ouvir.
- Como era o ambiente, os napolitanos estavam com a Argentina?
Acho que não, mas tivemos uma "neutralidade" que não tivemos em nenhum outro estádio: nem em Florença, nem em Turim, nem em Milão, nem em Roma. Eles não nos encorajaram, mas os napolitanos em campo também não nos insultaram.
- É verdade que Bilardo disse que esse foi o jogo mais fácil contra a Itália?
Sim, ele conhecia muito bem a Itália. Há 35 anos, não era habitual estudar tanto uma equipa, ao contrário do que acontece hoje. Tudo o que víamos em termos defensivos era em relação à Itália. Ele conhecia-os muito e por isso estava calmo.
- O que sentiu quando Maradona foi cobrar o quarto pnalti?
Eu vi-o muito confiante. Ele bateu o mesmo penálti que havia perdido três, quatro dias antes. No mesmo sítio. O guarda-redes Zenga falhou. Se acertasse no poste, ele defendia. Mas o Diego tinha uma personalidade especial e por isso foi bater o penálti com tanta calma.
- O pénalti de Aldo Serena mudou a sua vida?
Os dois penáltis com a Itália. Aquele e o do Donadoni. Os penáltis contra a Jugoslávia devem ser recordados por 3% das pessoas com quem me cruzo. As duas imagens eram semelhantes, mas as pessoas lembram-se da série contra a Itália.
- Também esteve envolvido num outro penálti numa final do Campeonato do Mundo, esteve muito perto desse penálti...
Brehme bateu-o muito bem com as duas pernas. O penálti foi o quinto de uma série. Depois disso, não havia nada a fazer. Estávamos cansados, estávamos a ser dizimados, era a única coisa que nos restava. "Se eu não defender, será decisivo", disse para mim mesmo.
- Por que razão era tão bom a defender penáltis?
Não sei como explicar. Tecnicamente, mostra a força das pernas, a forma de chegar à bola... Toda a gente diz que os penáltis são uma questão de sorte, e depois vejo-os com o papelinho a analisar onde chutaram noutras ocasiões. Isso é informação, não é que tudo seja deixado ao acaso. Eu não defendi nenhum penálti por acaso, tinha informação prévia e acrescentei ainda a leitura do corpo do adversário, embora não saiba explicar isso. Vejo isso noutros guarda-redes e consigo perceber se eles têm uma leitura. É algo inato.
No último penálti contra o Serena, a minha cabeça nos últimos cinco segundos disse: "1,90 m, pé esquerdo, tecnicamente aceitável... Já sabia que havia uma boa hipótese de o remate ser cruzado. Depois, é futebol e tudo pode acontecer, mas eu tinha essa intuição.
- Como foi a passagem para a final?
O técnico (Bilardo) conhecia-nos perfeitamente. Tínhamos o Diego (Maradona) como líder. Começar com um empate contra Camarões já era mau para nós, imagine perder. Mas conseguimos superar isso graças ao conhecimento do técnico, porque tínhamos uma base de jogadores experientes em Mundiais e, nesse sentido, o espírito foi fundamental. Não nos abatemos emocionalmente e foi por isso que chegámos à final.
- Pensou que teria alguma hipótese nesse Campeonato do Mundo?
Não, de forma alguma. Achei que ia desfrutar do Campeonato do Mundo, e a única hipótese que tive de jogar foi devido a lesão ou suspensão de outro guarda-redes. Não há nenhuma mudança tática de guarda-redes. Foi triste, duro e feio (a lesão de Nery Pumpido contra a União Soviética), mas tive de pôr na cabeça que era uma circunstância que podia acontecer.
- Como foi o momento da lesão de Nery Pumpido, não houve tempo para pensar?
Não. Foi totalmente inesperado. Não tive tempo para pensar. Só soube da gravidade da lesão no final do jogo. Saí para jogar, sem analisar muito, pois já não jogava um jogo oficial há seis meses.
- Houve a jogada do canto, "a segunda mão de Deus"?
Sim, o Diego tirou ali, meio ombro, meio mão. Foi um canto contra, foi cabeceado na trave, não tinha como eu sair, e o Diego que estava na trave acabou por tirar com o peito/braço. Teria sido terrível se tivesse sido golo, porque foi a primeira jogada, sem ser tocado, a perder por 1-0... estávamos a cair aos bocados.
- Como é que lidou com a idolatria?
Não se prepara para ser ídolo. Prepara-se para jogar, mas não emocionalmente. Por uma questão de vida, todos nós nascemos preparados para saber que o nosso pai vai morrer antes de nós. O teu pai pode morrer com 92 anos, rodeado de netos, bisnetos, e tu dizes bem, ele teve a vida que queria... e no entanto tens de passar por esse momento emocional, quem é que te prepara para isso? Aqui é a mesma coisa. Cheguei à Argentina e toda a gente me conhecia, as raparigas corriam atrás de mim... É certo que cometi erros, mas tentei sempre não ser devorado pela personagem. A minha educação e os meus valores de vida foram fundamentais.