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Exclusivo com Muntari sobre a mudança para o Inter: "Mourinho ligou-me e disse: 'Amanhã vejo-te em Milão'"

Sulley Muntari ergue a Taça de Inglaterra conquistada pelo Portsmouth
Sulley Muntari ergue a Taça de Inglaterra conquistada pelo PortsmouthGLYN KIRK / AFP
Em Itália, os sonhos dos jovens talentos do futebol giram muitas vezes em torno de vestir as emblemáticas camisolas do Inter de Milão ou do AC Milan. Poucos jogadores tiveram o raro privilégio de representar esses dois clubes históricos, com apenas 37 a conseguirem esse feito. Entre eles está Sulley Muntari, um nome sinónimo de tenacidade e habilidade em campo.

Muntari, conhecido pelo seu potente pé esquerdo, teve uma passagem repleta de troféus pela Inter de Milão, onde fez parte da lendária equipa que conquistou a treble com José Mourinho. Antes da sua passagem por Milão, contribuiu para a inesquecível vitória do Portsmouth na Taça de Inglaterra em 2008.

Numa entrevista exclusiva ao Flashscore, Muntari reflectiu sobre o seu percurso, partilhando ideias sobre a equipa de Portsmouth que fez história, as suas experiências ao serviço do astuto Harry Redknapp e como José Mourinho desempenhou um papel fundamental para o convencer a ir para a Inter. Ele também falou sobre o polêmico debate em torno da derrota de Wesley Sneijder na Bola de Ouro 2010.

- Chegou ao Portsmouth em 2007 e, durante esse período, o clube conquistou a Taça de Inglaterra. Como descreveria a experiência de jogar sob o comando de Harry Redknapp?

- Incrível. Ele era basicamente uma figura paternal. Ele é velho. Durante a maior parte do tempo, durante a semana, nem sequer nos treina. Por isso, era o Tony Adams que nos treinava a toda a hora, mas tínhamos uma equipa muito boa e jogadores experientes, por isso fizemos uma época fantástica.

- Harry Redknapp tem a reputação de ser um treinador de jogadores. Tem alguma história ou momento preferido com ele do seu tempo no Portsmouth?

- Toda a gente o adorava. Todos sentiam ou sentiam que ele era a coisa mais importante. Ele dá-nos liberdade para fazermos o que quisermos ao mesmo tempo. Se não estivermos a ter um bom desempenho, ele avisa-nos. Era experiente e muito calmo. É um grande treinador de topo e também um homem de negócios. Durante o nosso tempo, foi ele que fez muitas contratações e transferências e tinha um olho fantástico para conseguir jogadores de topo. Por isso, juntou-nos Sylvain Distin, Sol Campbell e Nwankwo Kanu. Eu estava lá com o Lassana Diara no meio-campo, e depois tivemos o Niko Kranjcar e o David James, ou seja, jogadores de topo.

- Como foi jogar ao lado de estrelas como Sol Campbell e Jermain Defoe durante aquela temporada emblemática?

- Jermaine Defoe, oh meu Deus, aquele rapaz.... Acho que o tamanho do sapato dele é 36 ou 37, muito pequeno. Mas se lhe dermos 10 oportunidades, ele vai marcar nove. E a última vai acertar na barra. Eu estava apaixonado por ele. É pequeno e muito rápido. O Sol Campbell nunca treinou, mas nos jogos de sábado ou domingo dá tudo por tudo. E o Kanu também, o joelho do Kanu já tinha desaparecido, mas ele era um campeão. Fiquei contente por jogar com eles. Tinha muito respeito por eles, porque alguns deles vi-os na escola.

- Em Itália, jogou no Inter de Milão sob a orientação de José Mourinho, um treinador conhecido pelo seu génio tático e personalidade forte. Como é que Mourinho influenciou a sua carreira e que lições aprendeu com ele?

- Mourinho esteve no Gana em 2008, durante a Taça das Nações Africanas. Nessa altura, eu também jogava no Portsmouth, por isso jogámos com a equipa do Chelsea dele e estivemos bem. Depois da CAN, durante a pré-época da minha segunda época, o meu agente ligou-me e disse: 'Talvez, talvez, talvez o Inter de Milão te ligue'. Durante o treino, fiz uns cruzamentos muito bons e o Redknapp disse a rir: 'É fantástico. É excelente. É por isso que as equipas de topo como o Inter te querem comprar". Assim, quando cheguei a casa, no mesmo dia recebi um telefonema do José e ele disse: 'Queres vir jogar para mim?' Nem me deixou responder: 'Vejo-te amanhã em Milão'- Desligou o telefone. Foi isso, e no dia seguinte assinei contrato com o Inter. O resto é história.

No Inter, teve a oportunidade de jogar ao lado de Zlatan Ibrahimovic, um jogador conhecido por sua imensa habilidade e personalidade. Como era ele como colega de equipa e como jogador em campo? E agora que ele passou a ter um papel de conselheiro no AC Milan, o que pensa da evolução da carreira dele e da sua influência fora do campo?

- Como colega de equipa, o Ibrahimovic não era nada intimidante. Ele só quer o melhor de nós. Ganhava facilmente os jogos, fosse qual fosse a equipa em que eu jogasse. Consegui jogar com ele durante os primeiros anos no Inter, na sua primeira época, e depois encontrámo-nos no AC Milan. Ibrahimovic é o melhor jogador, é um dos melhores da sua época. Não lhe quiseram dar a Bola de Ouro, porque ele diz demasiado o que pensa. Por vezes não gostam de ouvir isso, mas o Ibrahimovic é enorme. Os meus melhores avançados de todos os tempos são Eto'o, Ibrahimovic e Henry. O Ibrahimovic é um vencedor há muito tempo e agora que está a tomar conta do AC Milan, não em campo, mas numa função consultiva, penso que com o tempo será um dos melhores administradores de futebol do mundo.

- Acha que o futuro do Milan teria sido diferente se o seu "golo fantasma" contra a Juventus em 2012 se tivesse mantido?

- Sim, poderia ter vencido o Scudetto, mas naquele ano a Juventus era diferente sob o comando de Antonio Conte. Meu Deus, eles corriam como loucos. Lembro-me que a bola passou a linha e no ano seguinte introduziram a tecnologia da linha de golo. Muitas equipas safavam-se com muitas coisas, mas agora não se pode, com o VAR e tudo o mais. Se o meu golo contra a Juventus tivesse sido autorizado, talvez o Ibrahimovic e o Silva tivessem ficado e tivéssemos construído uma equipa fantástica, mas faz parte da vida. Pelo menos estou contente por haver agora uma mudança para que os mais jovens possam beneficiar. Mas acho que o VAR também torna o futebol um pouco lento. Por exemplo, marcamos e festejamos e depois dizem-nos que não há golo.

- Outro jogador com quem partilhou o campo foi o vencedor da Bola de Ouro, Kaká. Como foi jogar com ele no AC Milan?

- O Kaká parecia mole do lado de fora, mas era barulhento. Ele era incrível. Sabe como os carros mudam de velocidade? Na primeira, segunda e terceira mudança. O Kaká era assim. Meu Deus. Joguei contra ele e com ele. Quando veio de Madrid para o AC Milan, assim que passou a bola arrancou a toda a velocidade. Durante a velocidade máxima, volta a mudar de velocidade, nunca vi nada assim. Só com o Pato é que ele estava mais perto de mudar de velocidade assim. Mas o Kaká foi simplesmente inacreditável.

- Depois de ter ganho a Liga dos Campeões com Sneijder em 2010, acha que ele merecia ganhar a Bola de Ouro?

- O Messi estava lá. Wesley foi incrível naquele ano. Ele veio com muita paixão. Ajudou a equipa a chegar à final. Fez uma grande época. Claro que podia ter ganho a Bola de Ouro, mas o Messi está lá. É um futebolista diferente.

- Há 15 anos que uma equipa italiana não vence a Liga dos Campeões. Em quem apostaria para acabar com esta seca, no Inter ou no Milan?

- O Inter de Milão esteve na final há dois anos contra o Manchester City. Penso que o Inter de Milão está a construir a sua equipa. É uma equipa muito forte. Há dois anos, eu queria que o Inter de Milão ganhasse, mas Pep Guardiola não. Agora, a forma como todas as equipas estão a jogar é como Guardiola jogava no Barcelona há muito tempo. Naqueles dias, quando jogávamos contra o Barcelona, não se via a bola. Temos 20% de posse de bola e eles têm 80 e ganham. A única vez que perderam foi quando vieram a San Siro, porque o estádio é relativamente pequeno e nós aguentámo-los lá. Mas agora, com a forma como Simone Inzaghi montou a sua equipa, penso que a glória na Liga dos Campeões está próxima. A forma como jogam parece-me madura, com jogadores experientes. Penso que não há nenhuma equipa na Europa com uma melhor combinação de juventude e experiência. O Inter de Milão tem uma equipa muito forte.

- Teve episódios em que teve de lutar contra o racismo, especialmente no Pescara. Refletindo sobre isso, você acha que o futebol está fazendo o suficiente para lidar com a questão?

 Não se pode lidar com o racismo em Itália. Vai continuar a ser assim durante muito tempo, a menos que actuem de forma muito rigorosa. Em Inglaterra, podemos ser suspensos ou presos por racismo, mas mesmo assim o racismo continua a existir. É a natureza humana, são coisas que eles sentem em relação a nós. Como jogador, acho que não é preciso prestar atenção a isso. Se estamos a jogar futebol, continuamos a fazer isso mesmo. Se estamos a trabalhar, fazemos isso mesmo. Onde quer que estejas, concentra-te no que fazes e não deixes que alguém te afecte. Por vezes, eles trazem a sua frustração até nós. Se eu soubesse na altura, teria lidado com as coisas de forma diferente. Eu era jovem e, por isso, ia ripostar. Dito isto, espero que um dia o racismo acabe.

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