- Agradecer ao Pedro Flávio, que é presidente da Federação de Desportos de Inverno de Portugal, a disponibilidade para esta entrevista e antes de mais fazer aqui um ponto de situação como estão os desportos de inverno em Portugal?
Obrigado ao Flashscore por esta oportunidade também para falarmos bocadinho sobre desportos de inverno, que estão a crescer. De facto, nós somos um país de desportos de verão, mas os desportos de inverno estão a fazer o seu caminho e temos nos últimos tempos conseguido atingir alguns dos objetivos a que nos propomos e até alguns resultados muito interessantes. Já em 2025 alcançámos o primeiro título mundial de Desportos de Inverno, que foi obtido por Jéssica Rodrigues, uma patinadora de patinagem de velocidade no gelo, que conseguiu um inédito título mundial nos Campeonatos do Mundo Júnior da modalidade.
A Federação de Desportos de Inverno é uma federação que tem 33 anos de história, praticamente, foi fundada em 1992, e foi crescendo ao longo do tempo. Nós começámos apenas com as modalidades de neve, com o esqui alpino e com o esqui de fundo. E nessa altura a federação chamava-se Federação Portuguesa de Esqui. Mas com o tempo, ela foi evoluindo, foi reunindo outras modalidades, mudou o nome para Federação de Desportos de Inverno de Portugal e hoje temos 12 modalidades de inverno inseridas em oito federações internacionais diferentes.
- Imagino que existam poucas condições para treino no país. Como é que os atletas portugueses conseguem contornar essa questão? Treinando fora?
Sim, esse é um caminho que vamos fazendo. Se na neve nós temos uma estância de esqui na Serra da Estrela, que nos permite fazer os nossos campeonatos nacionais, por exemplo. Para poderem estar ao melhor nível nos desportos de neve, os atletas acabam por ter que se deslocar para outros locais como Espanha, Andorra, França, Suíça. No gelo, temos desde 2021, a Serra da Estrela Ice Arena, que foi construída pela federação. É uma pista de gelo mais pequena, não tem dimensões olímpicas, mas tem permitido à federação desenvolver as suas modalidades e criar as suas academias e fazer o seu trabalho nas bases, junto das bases, ou seja, nessa pista desenvolvemos o hóquei no gelo, desenvolvemos o curling, desenvolvemos a patinagem artística, mas depois os atletas quando querem fazer o seu caminho e quando têm o nível para poder fazer o seu caminho em termos de participações internacionais, têm que treinar fora do país.
É o que aconteceu, por exemplo, no caso específico do que eu referi há pouco, da Jéssica Rodrigues. A federação tem ao longo das últimas quatro épocas, tendo vindo a desenvolver um trabalho no estrangeiro, principalmente nos Países Baixos e na Alemanha, onde tem os seus centros de treino, porque estamos a falar de long track, mesmo quando tivermos uma pista de dimensões olímpicas para o hóquei no gelo, esta modalidade vai ter que ser praticada numa pista de 400 metros, que não existe em Portugal, nem em Espanha, nem em França, o mais perto que temos é Itália, mas são pistas ao ar livre, mas as pistas cobertas têm as melhores condições mais perto de nós, estão em Herenveen, nos Países Baixos, e em Inzell, na Alemanha, e é aí que temos vindo a fazer esse treino e também as nossas competições nacionais, as nossas taças de Portugal de patinagem de velocidade são feitas nessas duas pistas.
- Nós estamos a sensivelmente seis meses dos próximos Jogos Olímpicos de Inverno. Portugal tem para já três atletas qualificados, dois em esqui alpino e um em esqui de fundo. Nos últimos jogos também tivemos três atletas. Vamos conseguir superar este número?
Estamos a trabalhar, de facto, é isso. Temos dois atletas de esqui alpino, um homem e uma mulher, e depois um atleta de esqui de fundo. Estamos a trabalhar ainda na possibilidade de qualificar um atleta na patinagem de velocidade, que seria excelente. Nós tivemos há muitos anos um atleta chamado Fausto Marreiros, que foi o único português que participou nos Jogos Olímpicos nesta modalidade, em Nagano. E gostaríamos de voltar aos Jogos Olímpicos na patinagem de velocidade. Nos últimos jogos com o Diogo Marreiros, um atleta do Algarve, estivemos muito perto de o conseguir. Ele conseguiu os mínimos olímpicos, tinha já as pontuações mínimas e os tempos mínimos para garantir a presença, mas depois acabou por ficar fora dos trinta e poucos atletas que participam, porque nestas modalidades participam muito poucos atletas nestas competições, e ele por três ou quatro lugares, acabou por não conseguir ir.
Estamos a fazer esse caminho com a Jéssica, com a Francisca e com o Afonso, que são três atletas que estão a trabalhar para conseguir esses tempos mínimos e depois participar nas Taças do Mundo nos próximos meses que temos pela frente para conseguir essa tão ansiada qualificação. Mas estamos também a fazer o caminho no bobsleigh. O bobsleigh é uma modalidade onde também já tivemos uma participação olímpica, no Canadá, há muitos anos, com uma equipa de Bob 4.0. Mas nós neste momento estamos a trabalhar com uma equipa de Bob 2.0 para tentar também essa qualificação.
Os atletas o ano passado fizeram as Taças da Europa. Nessas Taças da Europa conseguiram tempos mínimos para as Taças do Mundo, que vão começar agora em novembro. E pronto, é o objetivo da federação. Sabemos que é um caminho difícil, porque também participam poucas equipas, mas vamos continuar a fazer esse trabalho na esperança que possamos qualificar também esses atletas. Tivemos até há poucos dias também com a possibilidade de qualificar um atleta na patinagem artística, mas no último evento onde isso era possível, que foi em Pequim, há cerca de duas semanas, o atleta acabou por não conseguir ficar nos cinco primeiros, que era esse o objetivo e a possibilidade de participar também nos Jogos Olímpicos.

- E como é que nós vamos conseguir encontrar mais "Jéssicas Rodrigues", ou seja, mais casos de jovens porque a Jéssica é uma atleta, que reside na ilha da Madeira, não é? E consegue este título de campeão mundial júnior em velocidade, na patinagem. Como é que vamos conseguir encontrar mais atletas destes? Ou a Jéssica, tal como o seu conterrâneo Cristiano Ronaldo, é um achado, é um num milhão?
A Jéssica é uma excelente atleta tem por trás uma base interessante, porque a Jéssica é também atleta de patinagem de rodas. Há alguma proximidade entre estas duas modalidades. Há muitos atletas muito bons, o campeão olímpico nos últimos Jogos Olímpicos, o belga Bart Swings, era um atleta que vinha também das rodas. Mas nas outras modalidades estamos também a fazer esse caminho, porque, de facto, o trabalho que tem que ser feito é um trabalho de base, identificar atletas muito jovens que tenham potencial para ir crescendo, evoluindo e poder representar depois o país em competições internacionais e quem sabe depois conseguir este tipo de resultados de excelência, mas também fazer um trabalho que temos vindo a fazer ao longo dos últimos anos, que é identificar alguns desses atletas que estão na diáspora portuguesa. Há muitos atletas junto das comunidades portuguesas que residem em zonas de neve ou em zonas onde os desportos de gelo são desportos nacionais, onde toda a gente pratica, onde as crianças aprendem nas escolas. E é importante que continuamos também a fazer esse, esse caminho.
Se por um lado, fazemos este trabalho de bases em Portugal, porque é muito importante termos estas bases desenvolvidas, ter estes atletas a trabalhar no país, fazemos também esse trabalho de identificação e de prospeção de atletas fora do país, junto das comunidades portuguesas na Europa e na América do Norte, principalmente. Mas o que fará toda a diferença em Portugal nos desportos de gelo, já que falávamos de Jéssica Rodrigues, será com toda a certeza o dia que tivermos uma infraestrutura desportiva de dimensões olímpicas que nos permita treinar nas mesmas condições que o fazemos fora do país. E isso será, com toda a certeza, um marco de viragem, um ponto de viragem para os desportos de inverno, para os desportos de gelo, neste caso, porque montanhas nós não podemos construir, não é, elas são, são as que temos. Dependemos de São Pedro, dependemos da neve, dependemos de uma data de coisas que às vezes não existe.
- E essa, essa infraestrutura pode ser o pavilhão do gelo que está pensado juntamente com a Câmara do Seixal para ser construído no, no concelho até 2028?
Este é trabalho que já tem alguns anos de prospeção e de maturação. Nós apresentámos o ano passado essa possibilidade, porque fizemos um acordo com o município do Seixal e assinámos um protocolo de cedência de um terreno que é muito bem localizado, junto ao complexo desportivo Carla Sacramento, servido por boas condições de termos de acessibilidades e transportes. E estamos neste momento a fazer os projetos técnicos e a finalizar tudo aquilo que é preciso para depois avançarmos para os licenciamentos junto do município, junto do IPDJ, e podermos com a maior brevidade possível construir essa infraestrutura, porque essa infraestrutura é fundamental para o desenvolvimento dos desportos de inverno, neste caso, dos desportos de gelo.
Para ter uma ideia, nós temos um clube de hóquei no gelo que está a jogar neste momento uma liga ibérica, que foi criada entre a Federação dos Desportos de Inverno de Portugal e a Real Federação Espanhola de Desportos de Gelo, e neste momento está a fazer os jogos que deviam ser em casa, está a fazê-los em Madrid, está a fazê-los em Espanha, porque não temos ainda uma infraestrutura onde possamos jogar, possamos jogar em Portugal. Quando esse pavilhão existir, eu tenho a certeza que modalidades como, como o hóquei no gelo terão, com toda a certeza, um conjunto de seguidores muito grande, porque é uma modalidade muito, muito interessante e eu acho que se adequa muito ao, ao perfil dos portugueses. Nós somos, somos bons, excelentes atletas de hóquei em patins e o hóquei no gelo é uma modalidade muito rápida, muito interessante para quem vê também e os portugueses vão gostar com toda a certeza disso.

- Quantas equipas temos nessa liga ibérica?
Essa liga ibérica é jogada neste momento por oito equipas e Portugal tem uma equipa. Nesta Liga Ibérica joga, por exemplo, o Futebol Clube Barcelona, que tem uma equipa de hóquei no gelo e joga esta Liga Ibérica em conjunto com as outras equipas. Quem sabe um dia, e quando tivermos uma infraestrutura, se calhar um dos grandes clubes portugueses de futebol poderá vir a ter uma equipa de hóquei no gelo, quem sabe. Mas de facto, é um desporto muito interessante e que eu tenho a certeza que num futuro próximo será uma modalidade muito interessante para os portugueses. Como outras, como por exemplo, o curling, tem uma curiosidade que é uma modalidade que tem crescido em Portugal. Nós temos conseguido desenvolver esta modalidade na pista de gelo que temos na Serra da Estrela, mas também com pistas sintéticas que levámos um pouco por todo o país e às escolas e instituições e eventos ao ar livre e tem tido uma procura muito grande pelos portugueses. E o curling, isto é uma curiosidade, é uma das modalidades de inverno mais vista pelos portugueses. Os portugueses gostam de ver curling na televisão, seguem esta modalidade no Eurosport. E isso é, é, acho que também é uma modalidade que se adequa ao estilo, ao estilo de vida dos portugueses.
- A nível de apoios, quais são os principais, neste momento, da Federação dos Desportos de Inverno?
A Federação dos Desportos de Inverno é uma federação com utilidade pública desportiva que, que vive de acordo com os seus contratos programa estabelecidos com o IPDJ, para as suas atividades regulares e depois tem a felicidade de poder ter algum apoio proveniente das apostas desportivas que nos deram aqui uma margem de progressão maior nos últimos anos e que nos permitiram investir nestas modalidades. Este trabalho e este reconhecimento também com estes títulos que fomos conseguindo são o reflexo do investimento que temos feito nas modalidades, nos atletas, nos clubes. Nós temos vindo a apoiar os clubes filiados na federação para que possam também ter a sua autonomia e que possam desenvolver as suas modalidades através também de contratos programa e esses resultados estão a começar a aparecer porque de facto os clubes têm uma maturidade diferente levam os seus atletas a treinar fora do país conseguem organizar outro tipo de atividades que antes também não conseguiam fazer sem o apoio da federação.
- Pedro, qual é o seu principal objetivo para estes para estes próximos Jogos Olímpicos?
Olhe para os próximos Jogos Olímpicos mesmo que não consigamos levar mais dos três atletas um dos objetivos é que estes três atletas possam participar em mais competições do que aquelas em que participaram em 2022. Porque há algumas competições que é preciso também obter qualificações. Hoje, os atletas estão mais bem preparados, estão a fazer tempos mínimos, por exemplo, no esqui alpino para as provas de velocidade ou no esqui de fundo, com a possibilidade de participar nas outras competições além dos 15 quilómetros, estilo clássico, que é o normal que os países com menos condições conseguem fazer. Esse é um dos objetivos. E depois é tentar melhorar os resultados que conseguimos em, em 2022. É esse sempre o nosso objetivo.
Continuamos a trabalhar para conseguir levar mais gente, conseguir melhores resultados e participar em maior número de provas e competições. É sempre esse o objetivo. Temos que dizer aqui que isto também é possível porque, de facto, com o apoio do Comité Olímpico de Portugal, tem sido extraordinário para conseguir fazer este caminho, porque, na realidade, não temos só os Jogos Olímpicos de quatro em quatro anos, temos outro conjunto de competições e de eventos olímpicos que são importantes e que Portugal tem nos últimos anos conseguido estar presente, como os Festivais Olímpicos da Juventude Europeia, Jogos Olímpicos da Juventude, onde nos últimos, em 2024, em Gangwon, a Jéssica conseguiu também diploma olímpico ao terminar na sexta posição na prova do mass start. Este é um percurso que se vai fazendo. Temos atletas que estão a pensar já, e a própria federação está a pensar já, no ciclo olímpico a seguir a estes.
Estamos, depois de 2026, temos os olhos postos já em 2030 e temos atletas mais jovens que estão a fazer o caminho, que vão ser integradas nos programas de esperanças olímpicas do Comité Olímpico e que vão fazer o seu caminho nestas competições para chegarmos a 2030 ainda em mais modalidades. E isso é o nosso objetivo. Para ter ideia, estamos a pensar já na possibilidade para 2030 podermos vir a ter uma atleta no snowboard, que está a fazer um percurso extraordinário, é uma atleta muito jovem, mas também na patinagem artística. Temos mais do que uma atleta a trabalhar já, que são atletas muito jovens, focados já em conseguir, em 2030, essa qualificação. Isto é um trabalho de fundo, que se faz ao longo de muitos anos e que a Federação apoia e que tentamos levar da melhor forma possível para chegar a esses objetivos.
Que paralelamente a isto tudo, a Federação desenvolve um conjunto de projetos e de atividades para tentar levar estas modalidades aos mais jovens e mesmo também a crianças e jovens com algum tipo de deficiência. Nós temos, por exemplo, o programa Pais, que é um programa que a federação vai arrancar agora para a sua terceira edição, que tem conseguido, ao longo dos últimos dois anos, trazer com regularidade um conjunto de crianças portadoras de deficiência à nossa ice arena para, para praticarem modalidades de gelo e com resultados extraordinários. Isto é relatado pelos professores e pelos tutores destas crianças e pelas famílias, porque, de facto, também os desportos de inverno têm a capacidade de trazer estas mais-valias para, para o crescimento, para melhorias cognitivas destas crianças e, de alguma forma, darmos também o nosso contributo através dos desportos de inverno para, para este bem-estar destas crianças.
