O sétimo golo de Braydon Manu na temporada foi decisivo para a vitória como reviravolta do Darmstadt sobre o Karlsruher. Mas foi a comemoração do atacante que realmente conquistou os corações e mentes dos adeptos.
Enquanto a euforia do golo tomava conta dele, Manu aproveitou a oportunidade para transmitir uma mensagem profunda, revelando uma inscrição na sua camiseta que dizia "Bodam ma Yesu" - uma frase em Akan que significa "Seja louco por Cristo".
Naquele momento, o golo transcendeu a mera conquista desportiva, tornando-se um testemunho da fé inabalável que guiou a jornada de Manu.
Nascido num lar cristão, o apreço de Manu pela religião estava destinado a aprofundar-se, com sua conexão espiritual fortalecendo sua determinação na busca por seus sonhos.
Tal como qualquer outro jogador nascido em solo alemão, o fascínio da Bundesliga brilhava intensamente e agora, com a promoção do Darmstadt garantida antes da época 2023/24, essa ambição há muito acalentada tinha-se tornado realidade.
Redescoberta na adversidade
O sonho que ele perseguia há tanto tempo estava finalmente ao alcance, mas o destino tinha outros planos. Manu participou nos dois primeiros jogos do regresso do Darmstadt à primeira divisão, desfrutando da glória da sua merecida subida à Bundesliga. Mas foi então que aconteceu o desastre, uma cruel reviravolta do destino que testaria as profundezas da sua determinação.
Durante 24 jogos, Manu ficou fora das quatro linhas, com as suas ambições limitadas pela crueldade de uma lesão. Quando ele pensava que havia saído daquele túnel escuro, outro contratempo o aguardava, limitando-o a apenas duas partidas antes do fim da temporada.
No final das contas, a campanha de estreia na Bundesliga resumiu-se a apenas quatro partidas, um cruel revés nos sonhos que havia acalentado por tanto tempo.
"Claro que, como de costume, alguns de nós fazem planos, mas o nosso plano não passa de planos, o plano é de Deus", disse o ganês nascido na Alemanha em entrevista exclusiva ao Flashscore, com a voz tingida de um misto de tristeza e aceitação: "Fiquei muito triste por a época ter acabado assim, porque foi a primeira vez que subimos com o Darmstadt para jogar na Bundesliga. Fiz a minha parte para estar lá, mas as lesões me pegaram, então não joguei muito."

As palavras de Manu carregavam o peso de um homem que enfrenta a dura realidade da vida de um jogador de futebol, onde os sonhos podem ser destruídos num instante, e a resiliência é forjada no fogo da adversidade.
"Só joguei quatro jogos, até agora, como futebolista, foi a pior parte da minha carreira, mas como ser humano, cresci muito porque fiquei muito mais confortável, muito mais profundo com a minha fé", acrescentou, revelando a jornada espiritual reflexiva que se desenrolou no meio da escuridão.
Nos seus momentos mais negros, quando a solidão da reabilitação ameaçava consumi-lo, Manu encontrou consolo na redescoberta de si próprio, com a sua fé a fortalecer-se a cada dia que passava.
"Houve alturas em que estávamos quase sempre sozinhos, por isso tentámos, para tentar, fazer coisas como ler a Bíblia, porque temos tanto que fazer que nos esquecemos de algumas coisas, mas nessa altura eu tinha acabado de passar pela reabilitação, por isso podia concentrar-me em mim e ler a Bíblia, o evangelho sobre o Deus maravilhoso".
Com tempo livre, Manu lançou-se numa nova aventura, um podcast que lhe permitiria interagir com pessoas de todos os quadrantes da vida, procurando compreender as diferentes perspectivas que moldam a existência humana.
"Depois da lesão, tive alguns testemunhos fantásticos na minha vida, em que disse: 'Tenho de olhar, porque estava a falar com Deus, dizendo que se o futebol neste momento não é o caminho ou se posso representar-te, diz-me alguma coisa, como posso representar-te'", explicou, com a voz a carregar o peso de um homem numa profunda viagem espiritual.
Quando a conversa voltou para os problemas de saúde mental, muitas vezes negligenciados, que assolam o futebol, as palavras de Manu carregaram um sentido de urgência, um apelo a uma maior abertura e compreensão.
"Acho que temos de falar. Muitas vezes, quando falamos, a maioria das pessoas vê-nos como fracos ou algo do género. Especialmente quando se tem muito dinheiro, as pessoas dizem que temos de ser fortes, que temos de olhar para o dinheiro que temos, mas, no fim de contas, somos todos seres humanos, por isso temos de falar do lado negro do futebol", implorou, fazendo eco dos sentimentos daqueles que partilharam corajosamente as suas lutas, como Dele Alli e Richarlison.

Episódio com Gana
Numa reviravolta do destino que desafiou todas as expectativas, Braydon Manu viu-se empurrado para o mundo do futebol internacional, pois as suas raízes ganesas o chamaram para a seleção de Gana. Nascido na Alemanha, filho de pais ganeses, o jogador de futebol já era elegível para representar o país da África Ocidental há muito tempo, mas foi uma convocatória tardia de Charles Akonnor em 2021 que deu início à sua notável jornada.
Na altura, a forma como Manu se apresentava no clube não justificava tal reconhecimento - tinha disputado apenas dois jogos na atual temporada da 2. Bundesliga, com um único golo marcado. No entanto, o universo conspirou para abrir uma porta que poucos poderiam prever.
"Fiquei muito surpreso na época, porque joguei na liga turca, onde joguei muito bem, e depois vim para o Darmstadt, onde joguei a terceira partida da temporada", lembra Manu, com a voz ainda carregada de descrença.
"Nos dois primeiros jogos, porque foi durante a Covid-19, eu estava em quarentena, então não pude jogar, mas no terceiro eu joguei, marquei um golo, e acho que antes de Darmstadt e em Darmstadt, foi nessa hora que recebi a chamada, porque eles já tinham me visto antes" , acrescentou, pintando um quadro de uma ascensão meteórica que parecia quase sobrenatural.
O telefonema de Bernhard Lippert, diretor técnico da equipa, foi um momento que ficou gravado na memória de Manu para sempre, um ponto de viragem que lhe abriu os olhos para um mundo que só tinha vislumbrado de longe. "Foi surpreendente porque tive muitas emoções. Não consigo nem escrever palavras para essa situação, porque foi uma coisa muito grande", relembra, com a gravidade do momento ainda palpável nas suas palavras.
Manu juntou-se às Estrelas Negras para os jogos decisivos da qualificação para o Mundial-2026 contra a Etiópia e a África do Sul, uma introdução turbulenta à cultura ganesa que deixaria uma marca indelével na sua alma. " Foi bom porque era muito bom, com uma energia positiva, os jogadores e toda a gente a rir, e vê-se que estão a jogar futebol com alegria, foi de loucos", conta, com os olhos a brilharem com as recordações de uma experiência que guardará para sempre.
"Muita música, não se pode comparar com a Alemanha, são dois mundos totalmente diferentes. Vi por mim próprio que me adaptava melhor a esse mundo no Gana, com a mentalidade de não levar tudo muito a sério, mas quando temos de ser sérios, então somos sérios. Mas tudo o resto, vai com a corrente, não penses tanto", acrescentou Manu.
Uma das lembranças mais vivas da sua passagem pela seleção foi a iniciação às tradições da equipa, um rito de passagem que consolidaria para sempre a sua ligação com o espírito ganês. "Acho que foi a primeira vez em que tive de dançar, sabe como é, é preciso dançar sempre que se está pela primeira vez na seleção .
Desde então, o caminho de Manu o levou a uma jornada diferente, mas o fascínio pelos Estrelas Negras continua sempre presente. " Estou pronto, espero que, quando eu voltar a jogar e provar o meu valor, eles saibam que têm um bom jogador ganês fora de Gana", afirma.
Enquanto navega pelas reviravoltas da sua carreira, a jornada de Manu é um poderoso lembrete da ligação inextricável entre fé, perseverança e a realização das aspirações de alguém.
