Reportagem Flashscore: O segredo do pequeno Mjällby que surpreendeu a Suécia e a Europa

O Strandvallen, casa do Mjällby
O Strandvallen, casa do MjällbyBruno Henriques/Flashscore

O Flashscore esteve em Strandvallen, a casa do Mjällby, o novo campeão da Suécia. Sediado numa comunidade piscatória com pouco mais de 1500 habitantes, este pequeno clube bateu-se contra o Malmö e os gigantes mais endinheirados de Estocolmo para fazer história com uma filosofia de pés assentes na terra, mas sem nunca deixar de sonhar.

Nove horas, dois comboios, um autocarro. O destino? Hällevik, a casa dos novos campeões da Suécia. Não é fácil planear uma viagem desde a capital Estocolmo até esta vila piscatória na costa sul, mas as dificuldades do trajeto ajudam a entender a dimensão do feito que o Mjällby alcançou.

Ao contrário dos estádios do Malmö, Hammarby, Djürgarden ou AIK, o Strandvallen não fica numa grande cidade, rodeado de prédios. Ao passar pela estrada que circula por dentro de Hällevik só o sinal amarelo, entre as indicações do parque de campismo, chama a atenção de onde é para virar. E só após quase 300 metros a andar é que se vislumbra o palco onde o sonho se tornou possível.

O sinal que indica que chegámos a Strandvallen
O sinal que indica que chegámos a StrandvallenBruno Henriques/Flashscore

Se não fosse este título, nunca íamos ter cá um jornalista português em Solvesborg. É a importância disto, ajuda as pessoas a prestarem atenção e a perceberem o quão bonito esta zona é”, desabafa Gull-Brit Norberg, uma adepta que estava à entrada da casa do clube com uma prenda para os jogadores.

Gull-Brit Norberg com uma amiga e o seu cão, equipados a preceito
Gull-Brit Norberg com uma amiga e o seu cão, equipados a preceitoBruno Henriques/Flashscore

Não é preciso muito para perceber o que esta equipa tem de especial. Não estamos a falar de um Leicester que desafiou as probabilidades na Premier League, sim, mas com os bolsos fundos de um dono rico que escolheu bem os investimentos a fazer. Em 2016, quando a Europa se encantava com N’Golo Kanté, Riyad Mahrez ou Jamie Vardy no King Power Stadium, o Mjällby estava a lutar pela vida. Na terceira divisão e a lutar para não cair no quarto escalão, este clube de pescadores tentava não ceder à bancarrota num sistema em que os investidores privados não podem tomar conta do clube – regra dos 50+1. Contudo, do ponto mais baixo conseguiram uma ascensão meteórica. Em quatro anos estavam de novo na primeira divisão, em nove anos estavam a celebrar um título inédito.

É histórico para o futebol sueco, não o consigo descrever. No início da época ninguém acreditava, nem nós próprios. Sabíamos que tínhamos uma boa equipa, com capacidade para fazer grandes coisas, na temporada anterior fizemos a melhor época da história do clube e não estávamos satisfeitos. Agora fomos primeiros”, contou-nos Elliot Stroud.

O segredo

Entrámos na casa do clube e cedo começámos a perceber como um clube tão modesto conseguiu atingir o topo em tão pouco tempo. O plantel, animado, tomava o pequeno-almoço em amena cavaqueira, os funcionários do clube, assoberbados com o trabalho normal do dia não deixavam de retirar alguns momentos para cumprimentar este estranho perguntar o que precisava e convidar para tomar um café ou comer algo. Um clube humilde, como a comunidade que o envolve, mas acolhedor.

Este título significa tudo. Os adeptos do Mjällby passaram por tempos muito difíceis, não tiveram muitas alegrias, por isso poder dar algo a esta comunidade é muito bom”, assume Jacob Bergström, autor do primeiro golo da vitória contra o Gotemburgo, que garantiu o título: “Passa-te toda a tua carreira pela cabeça naquele momento, tudo foi dar aquele golo, a prova de tudo valeu a pena”.

Jacob Bergström diante do Gotemburgo
Jacob Bergström diante do GotemburgoMjällby AIF

Jacob, Elliot Stroud, Herman Johansson, Abdullah Iqbal e Romeo Leandersson viram o nome inscrito na história do futebol sueco, sendo que todos contribuíram, à sua maneira, para a conquista do título por parte do Mjällby. E nenhum hesita na hora de perguntar o segredo.

Temos bom espírito de equipa, temos bons jogadores, bons treinadores. É incrível ver de como o Mjällby evitou a bancarrota em 2016, deu pequenos passos todos os anos, a quantidade certa para seguir em frente. Tem sido incrível e os resultados estão à mostra”, explica Bergström.

Trabalho duro, nunca desistir e juntamos isso a um bom treinador, olheiros. Quem está aqui consegue adaptar-se ao mais alto nível. São algumas das coisas”, completa Johansson.

O resumo de uma zona que sofreu bastante com a queda da indústria das peles, já no século XXI, mas que conseguiu sobreviver e manter-se ativa.

“Não vens para aqui por dinheiro”

Com a exceção de Romeo, um filho da casa, todos eles chegaram à Allsvenskan pela mão do Mjällby, vindos de clubes de escalões inferiores. Um recrutamento que não é casuístico.

Tentamos encontrar jovens jogadores, com carácter especial, com vontade de vir para esta pequena aldeia trabalhar no duro e depois aproveitar a oportunidade para sair. Já vendemos dois jogadores para Itália (Noel Törnqvist e Arvid Brorsson), por isso este é um bom local para os jovens crescerem e darem um próximo passo”, explicou-nos Hasse Larsson, diretor desportivo, enquanto decorria o treino: "Estou aqui há 46 anos e ainda não consigo acreditar, é o maior feito neste clube”.

Não vens para o Mjällby pelo dinheiro ou pela vida fora do futebol. Vens para jogar, porque temos um bom grupo, para trabalhar no duro. Temos muitos jogadores que trabalharam e jogaram futebol e estão agradecidos por estar na Allsvenskan e chamar isto trabalho”, reconheceu Bergström, que chegou em 2016 vindo do modesto Ronneby.

Flashscore acompanhou o treino do Mjällby
Flashscore acompanhou o treino do MjällbyBruno Henriques/Flashscore

E o sentimento de pertença é tanto que até mesmo aqueles que tiveram oportunidade de sair durante o verão quiseram dar uma oportunidade para cumprirem um sonho.

Houve conversas no verão, clubes falaram comigo, eu não tinha a certeza porque não tens garantias que vais ganhar. Mas decidimos que íamos fazer tudo pela medalha, precisei de um bocado para processar, para me focar no Mjällby e acabou por ser a melhor escolha”, revelou Herman Johansson, contratado ao Sandvikens em 2020. 

O momento

A época foi histórica, mas o que não faltam são exemplos de equipas que começam bem e acabam por cair em algum ponto da temporada. O Mjällby, contudo, mostrou uma consistência de campeão, terminando a temporada com o recorde de pontos da Allsvenskan, para dar mais uns pós de surpresa.

Mas a questão reside. Em que momento os jogadores perceberam que era realmente possível? As respostas dividem-se.

Tivemos tantos jogos especiais que pensámos que as coisas iam correr bem, mas acho que quando fomos ganhar a Malmö, a maior equipa do país e jogámos muito bem, merecemos a vitória, não foi aquele 0-1 num canto. Aí percebemos que era possível”, explicou Stroud, secundado por Romeo Leandersson.

O jogo contra o Brommapojkarna em que vencemos com 10, marcamos em desvantagem, aí percebemos que íamos encontrar uma maneira de vencer”, apontaram Bergström e Johansson.

Já Abdullah Iqbal, o primeiro paquistanês a vencer um campeonato de topo na Europa, foi mais pragmático: “Era o meu primeiro completo ano aqui, queria esperar pela primeira volta e depois de defrontarmos todas as equipas percebi que era possível vencê-las”.

Futuro

Terminada a época com o título na mão, o Mjällby vai começar a preparar 2026 com o hino da Liga dos Campeões na cabeça. A equipa vai entrar na segunda ronda de qualificação, com a certeza de que não o vai poder jogar no modesto Strandvallen. Um pormenor que não retira o sorriso a ninguém.

É uma loucura, quando assinei na terceira divisão não pensei que isto ia ser possível, vai ser uma loucura”, sorriu Jacob Bergström.

Já Herman Johansson sonha com algo mais: “É tão difícil pensar no futuro. O Bodo/Glimt é de uma aldeia na Noruega e chegou às meias-finais da Liga Europa. Não devemos por um limite. Testar-nos como temos vindo a fazer e continuar esta jornada”.

E é a participação na prova milionária que ajuda Hasse Larsson a manter um sorriso quando pensa no futuro.

Vamos jogar a Liga dos Campeões, muitos jogadores vão querer aproveitar isso. Não temos medo. Dois ou três jogadores vão sair, mas vamos encontrar novos. O futuro vai ser radiante. Temos uma boa academia, bem financeiramente, pessoas de qualidade no clube. Não podemos abrandar, temos de estar sempre a trabalhar”, concluiu.

Trabalho duro e muita crença. As receitas para um conto de fadas cada vez mais raro num futebol atual dominado pelo dinheiro.

O modesto Strandvallen foi um palco dos sonhos
O modesto Strandvallen foi um palco dos sonhosBruno Henriques/Flashscore