Depois de se retirar como jogador profissional, Pranjic dirigiu os clubes croatas Dubrava e Trnje, as equipas bósnias do Sloboda Tuzla e GOSK Gabela, bem como o clube cipriota Achyronas-Onisilos.
Agora, aos 43 anos, vive com a família na Roménia, onde joga e auxilia o Adunatii Copaceni, clube das divisões inferiores.
Pranjic falou em exclusivo com Cristian Frisk, do Flashscore, sobre como foi jogar em algumas das melhores ligas da Europa e em alguns dos maiores clubes do mundo, bem como sobre o que tornou a seleção croata tão forte nos últimos anos e o que torna Luka Modric tão especial.

- Agora na Roménia, quais são os seus planos para o Adunatii Copaceni? Também sonha em transferir-se, no futuro, para um clube maior e com mais visibilidade?
- Sonhos? (risos) Bem, é difícil dizer que isto é um sonho ou algo do género. Vim para cá para os ajudar esta época e depois... Não vou dizer que não me vejo aqui, mas digamos que, na minha cabeça, provavelmente será noutro lugar. É difícil responder porque a minha família está aqui, mas claro que já fui treinador na Primeira Divisão na Bósnia, fui treinador na Segunda Divisão no Chipre, por isso estou à procura de algo mais elevado, digamos assim.
- O que nos pode dizer sobre a seleção romena? Começaram a qualificação para o Campeonato do Mundo com duas derrotas. Ainda têm hipóteses de se qualificarem?
- Bem, para mim foi uma grande surpresa que nos dois primeiros jogos não tenham tido sucesso, porque esperava um pouco mais, e nunca é bom começar com duas derrotas. No futebol, há sempre uma hipótese, claro... mas eles têm de começar a partir do próximo jogo, têm de começar a ganhar e a somar pontos, caso contrário será muito difícil, mesmo agora...
- E quanto a Mircea Lucescu (treinador da Roménia), que aos 80 anos continua a dar provas da sua notável vitalidade no banco?
- Bem, falar de Lucescu é... Para mim, é sempre difícil falar de um treinador quando não sei como ele trabalha, quando não vejo o que se passa no balneário. Mas quando se vê o seu currículo e a sua carreira ao longo destes 80 anos, é impressionante, claro. Mas eu diria o seguinte: o futebol está a mudar muito. Hoje em dia, sou sempre a favor dos treinadores mais jovens. Ele teve uma grande carreira, uma lenda do futebol romeno. Mas se me perguntarem, prefiro ver alguém mais jovem no banco.
- Foi orientado por muitos treinadores. Qual deles escolheria como o melhor e qual o seu treinador preferido?
- Sim, tive muitos treinadores na minha carreira,e, sem dúvida, o melhor foi Louis van Gaal no Bayern, que me ensinou muitas coisas. Ele era o treinador. Digamos que foi sempre muito, muito difícil trabalhar com ele a longo prazo. A primeira época é sempre boa, mas depois começaram os problemas, porque ele era muito duro e perfecionista, não aceitava erros. E para jogadores como (Franck) Ribery, (Arjen) Robben, digamos grandes estrelas, foi sempre difícil encontrar um equilíbrio e uma boa relação com eles.

"Não posso falar sobre o que aconteceu no Sporting"
- Quer dar alguns pormenores ou esclarecer alguma coisa sobre o seu período menos glamoroso no Sporting?
- Bem, o Sporting, tenho de o dizer, é um clube fantástico, um clube muito grande. Mas o meu problema é que vim do Bayern, e este é o maior clube para mim, um dos maiores do mundo, especialmente em termos de organização. E essa era a grande diferença entre o Bayern e o Sporting naquele momento. Sim, tive muitos problemas lá. Não posso falar sobre as coisas que aconteceram porque assinei o contrato e disse que não falaria sobre elas. Por isso, compreende-se que o Sporting quisesse proteger-se também das coisas que fez. Digamos assim - posso ir todos os dias a Portugal e posso encontrar as pessoas que estiveram no clube, os diretores, o presidente, e posso olhá-los a todos nos olhos. Mas não sei se do outro lado seria a mesma coisa. Por isso, fico-me por aqui.
- Esteve seis meses no Celta de Vigo, e a equipa vai voltar à Liga Europa na próxima época, após oito anos. O que pensa da equipa esta época? Gostou do seu estilo ofensivo?
- O Celta de Vigo, sim, fui emprestado pelo Sporting e estive lá seis meses. Boas recordações. Boas recordações, boa vida, boa cidade, bom estádio, boas pessoas, boa comida. Gostei muito desses seis meses, a sério. O único problema foi que o treinador que me queria foi despedido ao fim de um jogo, quando lá cheguei, e chegou um novo treinador. Ele não me via nas suas ideias e na sua visão, por isso estive lá apenas seis meses, voltei para o Sporting e depois fui para o Panathinaikos. Sim, quando vejo que vão jogar futebol europeu, claro que fico feliz por eles, porque, como sabem, no meu currículo diz que joguei no Celta. E não tive quaisquer problemas lá. A sério, gostei muito, por isso estou contente por vê-los de volta à Europa.
- Como foi a época em que jogou no Panathinaikos? Há muitos rumores sobre o futebol grego no que diz respeito aos adeptos e aos árbitros...
- O Panathinaikos foi um bom período na minha carreira. Depois do Sporting, onde tive muitos problemas, decidi ir para o Panathinaikos, e foi uma decisão muito boa para mim. Mesmo quando cheguei, o Panathinaikos tinha muitos problemas financeiros. Mudaram quase todo o plantel nessa altura, pelo que as expectativas para a época não eram as melhores, mas o meu período no Panathinaikos foi realmente fantástico. Passei um bom tempo lá, voltei a jogar bom futebol e gostei muito. Posso dizer que os adeptos gregos são fantásticos, são apaixonados e dão sempre 100% quando apoiam a equipa. O que talvez seja especial é o facto de não serem permitidos adeptos visitantes. Por isso, se jogarmos com o Olympiacos em casa, os adeptos do Olympiacos não podem ir ao jogo devido aos problemas que tiveram no passado. Por isso, são muito fervorosos quando apoiam as equipas e é por essa razão que os adeptos visitantes não são autorizados a entrar nos estádios. Quanto aos árbitros, bem, direi o seguinte: os árbitros cometem erros, são humanos, e em todas as ligas podemos ver que os árbitros por vezes cometem erros. Tentam ser melhores e as federações tentam ajudá-los com o VAR, com os vídeos e com muitas outras coisas, por isso espero que no futuro não falemos de árbitros, porque precisamos de os ter em campo.
- Em que período da sua carreira acha que praticou o seu melhor futebol?
- Acho que joguei o meu melhor futebol no Heerenveen, e foi por isso que ganhei uma transferência para o Bayern de Munique nesse período. Quando se tem um sentimento, quando se entra em campo, pode-se fazer o que se quiser. Na minha quarta época lá, tive esse tipo de sentimento. E realmente, aproveitei cada segundo em campo. E mesmo agora, quando volto, consigo sentir a energia entre mim e as pessoas e o clube. Por isso, se tiver de escolher, escolherei este período da minha carreira.
- Do que gostou mais, de jogar nos clubes ou na seleção nacional?
- Não se pode comparar, não se pode comparar os dois. Cada segundo pela seleção nacional, para nós, croatas, é realmente algo de especial. E eu, claro, respeito todos os clubes por onde passei, apoio todos os clubes por onde passei, mas jogar pela seleção nacional era o meu sonho. E esse sonho tornou-se realidade, e estou orgulhoso de cada segundo que dei o meu coração em cada jogo pela seleção croata, pelo nosso povo, e é uma sensação incrível, um sentimento especial quando representamos a nossa família, os nossos pais, o nosso país.
- Com a seleção croata, participou no Campeonato do Mundo e no Europeu. Que recordações guarda dessas grandes competições?
- Sim, joguei o Campeonato do Mundo no Brasil, e isso é sempre algo especial, porque para todos nós, os brasileiros jogam futebol de uma forma um pouco diferente da nossa, e é um país de futebol, com muitos jogadores fantásticos na história, e foi uma sensação muito especial jogar lá. Tive azar por me ter lesionado antes do primeiro jogo. Era o jogo de abertura contra o Brasil e não consegui competir, não consegui jogar esse jogo e isso foi talvez uma coisa que, se pudesse mudar, mudaria, mas estive presente no segundo e no terceiro jogos e joguei também no Euro e esses foram, digamos, os pontos altos da minha carreira, porque é para isso que se começa a jogar futebol em criança. Claro que se quer competir no Campeonato do Mundo, no Campeonato da Europa, e o meu sonho tornou-se realidade. Estive lá e joguei com muitos, muitos bons jogadores contra muitas boas equipas - memórias muito boas."
- Jogou como extremo ou médio durante a maior parte da sua carreira, mas na seleção croata jogou quase exclusivamente como lateral-esquerdo. Isso foi um problema para si? Gostava de jogar aí, ou ficava irritado por jogar sempre fora da sua posição natural?
- Nunca fiquei irritado quando estava em campo, porque adoro futebol e sempre quis estar em campo. Não importa em que posição. E eu era um tipo de jogador que, digamos, era um jogador polivalente. Podia jogar em muitas posições e, se analisar agora o meu estilo de futebol, diria que a minha posição natural era a de lateral-esquerdo. E se jogasse apenas nessa posição durante toda a minha carreira, penso que seria um dos melhores nessa posição, porque tinha tudo. Podia correr muito. Era um jogador muito criativo. Tinha uma técnica muito boa, um cruzamento muito bom. Conseguia ler o jogo muito bem. Hoje em dia, se virmos o futebol, os treinadores fazem coisas táticas com os laterais. Se tivermos laterais muito bons, pode-se construir o jogo. Depois, a equipa tem mais vantagens em campo, digamos assim. E se calhar, se eu jogasse hoje, acho que um jogador como eu seria muito caro.
- A seleção croata explodiu literalmente, alcançando o pódio do Campeonato do Mundo duas vezes seguidas, em 2018 e 2022. De onde vem esta força especial?
- É difícil de explicar, muito difícil de explicar, porque penso que construímos isto passo a passo, desde 1998, quando ficámos em terceiro lugar no Mundial com a seleção nacional. Depois disso, veio uma nova geração, e foi sempre difícil viver sob estes nomes. Boban, Suker, Boksic, Jarni. Todos nós queríamos ser como eles, mas foi sempre muito difícil conseguir o que eles conseguiram. Fizemos muitos bons jogos, mas faltaram-nos sempre algumas coisas. E penso que aprendemos durante este período, aprendemos com os nossos erros e aprendemos a ganhar quando perdemos. Digamos que no Campeonato da Europa na Áustria, quando perdemos nos penáltis contra a Turquia, acho que esse jogo mudou tudo. Ajudou-nos muito, porque se tivéssemos ganho, depois de termos marcado aos 119 minutos o 1-0 no prolongamento - e depois, no último segundo, a Turquia marcou o 1-1 e depois ganhou nos penáltis -, se tivéssemos ganho esse jogo, chegaríamos à meia-final e na meia-final estava lá a Alemanha e nós já tínhamos jogado contra a Alemanha na fase de grupos e vencido, por isso a porta estava aberta para chegar à final, mas o destino foi este. Perdemos nos penáltis contra a Turquia e foi realmente um grande golpe para a seleção croata. Também para mim e para todos os meus colegas de equipa. Estas recordações, digamos, más recordações no balneário, nunca as esquecerei, e são estas coisas que nos tornam mais fortes. Penso que este jogo mudou muito a carreira de todos os jogadores, especialmente de Luka Modric, Ivan Rakitic e de jogadores como eles, que jogaram na Rússia quando ficámos em segundo lugar. E, se se lembrarem, neste torneio ganhámos muitos jogos nos penáltis. E é por isso que acho que este jogo contra a Turquia nos deu muito. Eles sabiam, sabiam como reagir. Já tinham passado por este tipo de stress. E sabes, quando tu, eu sigo este torneio pela televisão,e sabemos quando temos a sensação de que não podemos perder quando são os penalties. Por isso, sim, construímos isto passo a passo e agora temos uma seleção nacional fantástica, e todos os que jogam contra nós não podem dizer a 100% que vão ganhar, mesmo equipas como França, Portugal e Espanha. Por isso, este é um feito extraordinário de todos os jogadores da seleção croata."
- O que pensa de Modric, que, mesmo aos 39 anos, ainda não pensa em retirar-se?
- Luka Modric, o que dizer sobre ele? Posso dizer apenas que tive o prazer de partilhar o balneário com ele na seleção nacional, e também de jogar alguns jogos contra ele quando eu estava no Celta e ele no Real Madrid. Tudo o que digo agora não é suficiente. Ele é o melhor jogador da história da Croácia. As coisas que ele fez no Real Madrid foram incríveis. Não era normal. Ninguém esperava que ele fizesse isto, mas ele fê-lo. Portanto, um pequeno rapaz de uma pequena, digamos, aldeia na Croácia, fez algo enorme, e posso apenas dizer que ainda estamos felizes por o podermos ver em campo, mesmo nesta fase final da sua carreira. Mas a forma como ele joga e como cuida do seu corpo é realmente incrível. Penso que ele pode ser um exemplo para todos os jogadores que querem ser futebolistas profissionais, especialmente para os jovens. Realmente, para dizer algo mais, é um disparate. Ele é o melhor e estou feliz por ainda o poder ver pelo menos mais uma época no AC Milan e por poder apreciar a sua habilidade e a sua visão do futebol, porque é totalmente diferente de todos os outros. Ele vê o futebol com outros olhos. Vê algumas coisas que ninguém vê. A sério, estou muito orgulhoso por ter partilhado momentos com um grande jogador e uma grande pessoa.
- Em criança, passou com a sua família por períodos de guerra. Tem alguma recordação desse tempo que possa partilhar connosco?
- Naquela altura, quando a guerra começou, vivíamos na Bósnia e, sim, não são memórias agradáveis, claro. O meu pai foi para a prisão e, durante um mês, não soubemos nada sobre ele, por isso foi um momento difícil para a nossa família, e estamos apenas felizes por ele estar vivo e de boa saúde. E é tudo. Não foram períodos agradáveis na minha vida. Porque quando vejo hoje o que acontece no mundo, não compreendo a mente das pessoas, dos humanos que decidem que a guerra é algo de bom ou que com a guerra podemos decidir o que é importante e o que não é importante. Penso que a comunicação é muito mais forte do que qualquer arma, e penso que as pessoas precisam de falar umas com as outras para encontrar soluções. A guerra não é uma solução para nada, por isso espero que todas estas guerras que estão a acontecer hoje em dia acabem em breve.
- O futebol desenvolveu-se muito nos últimos tempos e tornou-se numa mega indústria. Acha que ainda há espaço para crescimento no futebol mundial, em termos de marketing e desporto?
- Sim, o futebol mudou muito. E agora, os jogadores não têm tempo para descansar. Há tantos jogos e é realmente um grande negócio. Há muito dinheiro envolvido. Não sei se isso é bom ou não. Só sei que o futebol é um modo de vida. Penso que o futebol está a ir um pouco na direção errada, porque agora criamos torneios, criamos novas ligas, criamos tantos jogos apenas para satisfazer o negócio, o dinheiro. E os jogadores querem mais dinheiro do que os clubes e as pessoas nos clubes. Têm de encontrar uma forma de trazer o dinheiro para a equipa para pagar aos jogadores. E depois, claro, têm de criar novos torneios, novos jogos e tudo o que traga dinheiro. Por isso, sim, no meu tempo, era um período em que se tinha uma pausa, em que se podia ir com a família para a praia, para o mar, para descansar, porque o corpo não é uma máquina. Também é preciso descansar. E agora, quando vemos que temos o Mundial de Clubes, eu nem sequer sigo este torneio porque, também para mim, como espetador, preciso de descansar um pouco do futebol. Por isso, imagine como é para os jogadores de futebol não terem descanso, continuarem a época e agora, quando o torneio acaba, começa uma nova época. É muito difícil. Penso que temos de encontrar uma solução para isto e mudar um pouco a forma como estamos a agir agora. Mas sim, não creio que isso vá acontecer. Penso que os responsáveis vão tentar encontrar cada vez mais ideias, cada vez mais torneios, cada vez mais jogos, e tudo gira em torno do dinheiro. É isso. Penso que vai mudar muito, também nos próximos 10 anos. Não será o futebol tal como o conhecemos. É essa a minha opinião.