Buffon e os problemas de Itália: "Somos presunçosos, achamos que tudo nos é devido"

Gianluigi Buffon
Gianluigi BuffonAlessio Morgese / NurPhoto / NurPhoto via AFP

O antigo capitão e atual chefe de delegação da Seleção analisa sem rodeios o presente e o futuro do futebol italiano. Entre erros do passado e a liderança de Gattuso, Buffon apela a "gostar da Itália".

A Itália prepara-se, mais uma vez, para o play-off de acesso ao Mundial, e quem lidera a reflexão sobre o presente e o futuro da equipa azzurra é Gianluigi Buffon, chefe de delegação e diretor desportivo da Seleção. O antigo capitão, entrevistado pela Gazzetta dello Sport, não esconde as dificuldades que o futebol italiano atravessa, mas olha em frente com pragmatismo e clareza de objetivos.

"Sabe qual é o problema? Vivemos em dois mundos que não se cruzam. Por um lado, devido à nossa história, somos presunçosos: achamos que tudo nos é devido por graça divina. Por outro lado, fazemos grandes análises sobre a evolução do futebol, sobre o facto de já não existirem equipas pequenas, e todos concordamos. Mas quando essas 'pequenas' te criam dificuldades, ou só as vences por 1-0, ouve-se logo: 'Não se pode ganhar assim, que vergonha...'. E da arrogância caímos no medo. Uma certa tendência para o autoflagelo. Mas será assim tão difícil encontrar equilíbrio?"

As palavras de Buffon retratam uma Itália que durante demasiado tempo se acomodou nas suas certezas. "Pagamos também pelos erros do passado. Os resultados de hoje vêm de há 20 anos, quando nos encostámos à nossa força, a Buffon, Cannavaro, Totti. Pensando que seria eterno por graça recebida. Já nessa altura era preciso repensar os modelos técnicos e táticos, mas fomos como as cigarras".

Aposta na juventude

Buffon, de seguida, sublinha a importância de trabalhar desde a base, começando pelos jovens entre os 7 e os 13 anos, fase em que se formam as bases técnicas e de carácter. "Recomeçar pela base: refiro-me dos sete aos 13 anos, quando há o verdadeiro imprinting. A partir dos 15 anos ainda se pode melhorar, mas o talento forma-se antes, além da ajuda da mãe natureza, que não desvalorizo. Com Prandelli estamos a conversar para perceber como estruturar este trabalho, mas queríamos esperar pelas qualificações para definir tudo. E se depois correr mal, o que fazemos? Todos vão embora, regressa-se a casa, chega alguém novo com outras ideias e talvez apague o projeto... Se se iniciam projetos assim, é preciso estabilidade".

O discurso de Buffon abrange também o valor do grupo e o carinho necessário para os jogadores. "Autoestima. Convicção. Mas há mais. Os rapazes também querem ser valorizados, precisam de afeto. De entusiasmo. Eles dão total disponibilidade. Posso fazer um apelo? Gostemos da Itália. Todos".

Não faltam reflexões sobre as críticas e o papel dos media. "Continuar com comparações estúpidas com o passado só faz com que os de hoje se sintam inadequados. Com a Seleção sempre houve um jogo de massacre, sei bem disso, mas tentemos perceber o momento histórico: a quem interessa?".

"Gattuso é o selecionador certo"

A conversa passa depois para o selecionador Gattuso e a sua abordagem tática. "O Rino é o selecionador certo, é a melhor figura que se podia escolher. E vocês, jornalistas, sabem disso". Buffon explica como o técnico consegue sintetizar ideias e gerir o grupo: "No sentido em que falam com os jogadores mais do que nós, dirigentes, e sabem exatamente o que pensam do Rino. Não pensem que não percebemos que os media que nos acompanham estão menos críticos".

Sobre o recente jogo frente à Noruega, Buffon não se esconde: "Mal? Uma equipa de topo. Uma das três ou quatro mais fortes da Europa. A Noruega vai longe no Mundial: tem entusiasmo porque sabe que pode fazer história, dois ou três talentos que desequilibram, e uma fisicalidade aliada ao dinamismo, impressionante, nada a ver com há trinta anos, quando os gigantes eram imóveis, desajeitados. A ler a ficha de jogo deles em San Siro, metia medo...".

E sobre o colapso sofrido frente à Seleção de Solbakken: "Com 2-1 para eles, tens de manter a calma e agarrar-te ao jogo, talvez aceitar que acabe assim, em vez de te desequilibrares por frustração. Compreendo os jogadores, mas tens de ficar ali, concentrado, linhas juntas e talvez de uma confusão surja o 2-2… No máximo aceita o 2-1: perdes sempre, mas não é o 4-1 que dói".

"E então? Temos de mudar, não podemos continuar a sofrer estes colapsos emocionais, estão a repetir-se. É impossível estar no jogo durante 90 minutos: às vezes estás setenta, mas nos outros vinte tens de gerir e evitar desastres. Falámos disso também com Spalletti. Não podes sofrer três golos em dez minutos. Vamos trabalhar nisso. Se resolvermos, podemos discutir o jogo com qualquer adversário".

"O meu filho? Ainda não fez nada"

Por fim, Buffon aborda o tema dos jovens talentos, incluindo o seu filho Louis Thomas, e a importância de os proteger: "O meu filho? Ah, bem, até há quatro ou cinco meses tinha um por cento de hipóteses de ser futebolista. Agora tem apenas zero vírgula cinco. Porque ainda não fez nada, tem dez minutos de Serie A e já lhe disse para não ler nada sobre ele". 

"Estamos a correr demasiado e isso não lhe faz bem. Quando eu jogava e começavam os primeiros elogios, o meu pai e a minha mãe lembravam-me que na família já havia uma dezena de pessoas que tinham vestido camisolas de várias seleções, por isso não estava a fazer nada de especial. Isso ajudou muito".