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Exclusivo com Javier Clemente: "Pep Guardiola já tinha os estigmas de um treinador, era obcecado"

Javier Clemente, treinador espanhol
Javier Clemente, treinador espanholLuis Tejido / EPA / Profimedia
Javier Clemente, ex-selecionador de Espanha, de 1992 a 1998, regressa a esse polémico desafio contra a Itália no Mundial de 1994. Sem esquecer, no entanto, outra derrota dolorosa contra a Azzurra, a do Campeonato da Europa de 1996, em Montjuic.

Há muito tempo que Javier Clemente não se dedica a treinar uma equipa de futebol. Uma prática a que está habituado desde 1975. Depois de quase cinquenta anos a dirigir clubes e seleções, incluindo a Sérvia e a Líbia, o antigo treinador basco recorda em exclusivo ao Flashscore os desafios entre a sua Espanha e a Itália, que sempre venceram. Tudo isso antes da partida entre as duas seleções sub-21, que disputarão amanhã a vaga na fase de grupos.

- Se lhe disser Espanha-Itália, o que lhe vem à cabeça?

- Ahhh, o que é que me estão a pedir? Estava muito calor em Foxborough. Nunca esquecerei os quartos de final do Campeonato do Mundo de 1994. Estava mais do que nunca convencido de que podíamos passar. Em vez disso, correu mal, muito mal para nós.

- Até esse momento, e até 2008, essa era a barreira histórica da Espanha no Campeonato do Mundo.

- No entanto, eu estava convencido de que poderíamos ir até ao fim nessa competição. A Itália, porém, era forte. E ganhou à italiana. Depois, estava tanto calor que foi uma batalha.

- Estava 1-1 quando Salinas falhou um golo sensacional que poderia ter dado a vitória à sua equipa.

- Muita gente diz que Salinas cometeu um erro, mas para mim foi muito bom o Pagliuca ter fechado o espelho nessa ocasião. Era um contra um, com pouco ângulo, e o guarda-redes italiano fechou rapidamente.

 Baggio, por outro lado, teria marcado o golo decisivo. E com a bola a passar entre as pernas de Abelardo....

- Abelardo estava a ir demasiado depressa para tentar fechar a baliza, e a bola passou-lhe por entre as pernas quando ia a deslizar. Mas o verdadeiro erro foi cometido pelo árbitro (o húngaro Sandor Puhl). E foi a não expulsão de Tassotti por ter dado uma cotovelada em Luis Enrique.

- Como é que se explica isto?

- Vimos a força política da Itália nessa competição. Já tínhamos percebido isso antes de entrarmos em campo, com todos aqueles italianos fora do estádio, que mais tarde encheriam as bancadas. Os muitos americanos de origem italiana eram preponderantes.

- A camisola ensanguentada de Luis Enrique foi capa dos principais jornais espanhóis no rescaldo....

- É incrível que ninguém tenha reparado em nada. Luis Enrique é um lutador e se queixou-se, teve as suas razões. Era óbvio que estava a sangrar do nariz. A agressão foi muito clara. Depois, quando a raiva arrefeceu no final do jogo, brinquei com o Luis e disse-lhe: "Endireitaram-te o nariz..." (risos)

- Tassotti foi então objeto de vários jogos de castigo....

- Foi suspenso por oito jogos e nunca mais jogou pela seleção nacional. Mas Puhl não tomou qualquer medida. Lavou as mãos como Pilatos. E, no final, em vez de ser condenado, foi "recompensado" com a final...

- A sua seleção poderia ter estado nessa final?

- Para mim, sim, absolutamente. Eu via a Espanha como um possível campeão do mundo. Mas num Campeonato do Mundo, acima de tudo, as circunstâncias e os episódios podem ser decisivos.

- Também foi treinador de uma outra Espanha que perdeu com a Itália, o Euro Sub-21. 

- Nessa altura foi uma final, imagine-se. E estávamos a jogar em casa, no Montjuic, em Barcelona. Mesmo nessa altura, as encruzilhadas do destino estavam contra nós.

- A sua equipa foi derrotada nos penáltis após um jogo em que a Itália terminou com nove contra onze...

- Foi um daqueles jogos que, se repetirmos 100 vezes, ganhamos 90. Além disso, Raúl e De la Peña, os dois porta-estandartes da minha seleção, falharam penáltis. Mas, mesmo assim, ficou provado que, no futebol, nem sempre ganham os melhores. Ou que as circunstâncias são decisivas: quando era muito novo (19 anos) partiram-me uma perna, já não podia jogar e tornei-me treinador ainda muito novo.

- O desafio entre a Itália e a Espanha é atualmente um grande clássico do futebol europeu. E agora vão jogar outro na ronda do Euro Sub-21. Como vê a atual seleção de Santi Denia?

- Penso que a atual seleção espanhola de sub-21 tem bons jogadores, mas estes têm de ser colocados em campo de uma determinada forma. É preciso estudar os jogadores para que se possam combinar bem.

- A Itália, por outro lado, parece ter perdido força nos últimos anos.

- Nos anos em que treinei a Espanha, a Azzurra era uma das seleções mais fortes. Depois, no início de 2000, começou a decair, também porque na liga italiana começaram a comprar demasiados estrangeiros e a confiar neles.

- Do ponto de vista tático, tudo parece sempre igual.

- Podemos dizer que a Itália continua a utilizar o catenaccio, um termo ideal para descrever o seu futebol pouco espetacular. Mas antes, o catenaccio italiano era sólido e concreto, hoje tornou-se um catenaccio obsoleto porque não tem jogadores do nível certo.

- Já treinou Luis Enrique e Guardiola, dois dos melhores treinadores do mundo. Alguma vez poderia ter imaginado isso?

- Quando se trabalha com rapazes tão jovens, que estão mortinhos por jogar, não é fácil fazer tais previsões. Pep, no entanto, já tinha os estigmas de um treinador, era obcecado.