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Opinião: Mais uma humilhação vai colocar ponto final nos discursos vazios de Itália?

Gennaro Gattuso desolado em San Siro
Gennaro Gattuso desolado em San SiroStefano RELLANDINI / AFP

A Itália precisava vencer por 9-0 para terminar em 1.º lugar no seu grupo e garantir o apuramento direto para o Mundial. Não só não houve milagre em San Siro, como bastaram 45 minutos para a Noruega arrasar a Nazionale (1-4). Agora, Gennaro Gattuso terá de preparar um play-off sob enorme pressão em março próximo, e a sua equipa pode temer todas as rivais em competição, tal é a fragilidade do seu futebol, consequência de quase 20 anos de estagnação no futebol italiano.

O volume dos decibéis durante o hino nacional nunca fez marcar golos nem ofereceu garantias táticas. No entanto, este mito dos italianos possuídos pelo Fratelli d'Italia persiste, como uma velha cantilena em que o patriotismo exibido seria suficiente para garantir a vitória. Foi precisamente isso que permitiu a Gennaro Gattuso ser catapultado para selecionador nacional, apesar de acumular fracassos e de ser incapaz de apresentar qualquer solução tática para lá do discurso primário sobre vontade, carácter e raça. Ter sido um grande jogador não é garantia de sucesso, e o passado glorioso pode até tornar-se um mau conselheiro quando se passa para treinador.

Nada em reserva

Na verdade, Rino não é o responsável por uma história que já dura há quase 20 anos e que o ultrapassa. É apenas o novo rosto do fracasso italiano na formação de treinadores e jovens jogadores.

Desde o Mundial 2006, a Nazionale soma desilusões quando se trata de abordar o Mundial: eliminações na fase de grupos em 2010 e 2014, seguidas de duas ausências em 2018 e 2022. Se os resultados no Europeu foram satisfatórios (final em 2012, quartos de final em 2016, vitória em 2020), exceto em 2024 com a eliminação logo nos oitavos após uma derrota frente à Suíça, o nível da Itália tem vindo a cair.

As constatações não são novas: os clubes continuam com os mesmos treinadores, os jovens italianos não são promovidos e o país já não forma grandes defesas nem grandes avançados, que eram a sua imagem de marca.

A saída de Roberto Mancini foi a gota de água. Depois do milagre no Europeu, a Nazionale desmoronou. Recém-campeão de Itália com o Napoli, Luciano Spalletti realizou um sonho ao tornar-se selecionador nacional. Porém, o seu mandato foi curto. Confirmado para o Europeu, pôs fim ao desastre no início de junho após uma derrota na Noruega (3-0), percebendo que o seu método não funcionava. E para o substituir, não houve grande corrida. E, quando a sua carreira estava num impasse há várias épocas, com uma saída precipitada da Fiorentina em 2021, alguns meses desastrosos no Valência e no Marselha, e um ano no Hadjuk Split, foi Gattuso quem assumiu o comando.

A mensagem era clara e o antigo médio defensivo repetiu-a na conferência de imprensa: a tática não era nada comparada com o orgulho de vestir a camisola nacional. Se bastasse ouvir Azzurro de Adriano Celentano no balneário para vencer, já todos saberiam... Nada de surpreendente vindo de um técnico que não tem nada para oferecer (um abandono chocante para um país como a Itália), a não ser suor, sangue e lágrimas, e mesmo assim em doses limitadas, pois parte assim que o caminho se complica.

E se este populismo futebolístico pode resultar contra equipas de menor expressão como Israel (e mesmo assim, ambos os jogos foram disputados com o nervosismo no máximo) ou a Moldávia, contra quem foi preciso esperar até ao minuto 88 para finalmente marcar, não pode funcionar contra uma equipa como a Noruega. A diferença entre Spalletti e Gattuso é a mesma: 3 golos. Na primeira mão, os escandinavos resolveram o jogo na primeira parte. Em San Siro, quando a Nazionale vencia por 1-0 e apesar de apenas 0,01 xG ao intervalo, Erling Haaland e os seus colegas abriram o marcador na segunda parte (1-4).

Esperança ofensiva

A única luz na escuridão é a presença de Pio Esposito, o mais recente Golden Boy italiano. Mas como explicar que um avançado com apenas... 2 titularidades na Serie A (e 3 na Liga dos Campeões, com um total de 2 golos e 2 assistências em todas as competições) possa ser promovido tão rapidamente ao onze inicial?

No domingo, partilhou o ataque com Mateo Retegui, oriundo argentino que rumou à Arábia Saudita no último verão. Os oriundi são uma tradição histórica, fruto da importância da diáspora, mas eram uma solução que se impunha quando havia uma ligação comum à Itália. Ora, Retegui, nascido argentino, veio para a Europa depois de ser chamado à Nazionale. O seu empenho não está em causa, ao contrário do nível geral dos avançados italianos numa Serie A em que se marcam muito poucos golos.

Não é um fenómeno recente: remonta ao final do Euro-2008. Em 2012, a Itália apresentou-se com 5 avançados que somavam 79 internacionalizações e 20 golos. Mas se Fabio Borini e Sebastian Giovinco estavam sobretudo para fazer número, havia opções com Antonio di Natale, Antonio Cassano e Mario Balotelli, mesmo que este tivesse apenas 7 internacionalizações e um golo. Em 2016, a Nazionale quase eliminou a Alemanha campeã do mundo com a dupla Graziano Pellè e Eder de início e as entradas de Simone Zaza e Lorenzo Insigne. Em 2021, tornou-se campeã da Europa com Insigne, Andrea Belotti, Domenico Berardi, Ciro Immobile e Giacomo Raspadori. Mais qualidade, sem dúvida, mas quanto? Apenas quatro anos depois, estão desaparecidos e só Raspadori, com uma única internacionalização na altura, joga num grande clube, o Atlético de Madrid (não na Serie A), onde é suplente apesar dos 30M€ investidos, claramente um valor demasiado elevado para um jogador que fez 11 titularidades em 26 jogos da Serie A pelo Nápoles, com 6 golos e uma assistência.

Falhar dois Mundiais consecutivos não foi suficiente para iniciar uma reflexão profunda. A vitória no Europeu só pode ser vista como um engano. Falhar um terceiro, ainda por cima numa competição agora com 48 equipas, seria mais uma afronta. Será suficiente para finalmente obrigar o futebol italiano a mudar?