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Opinião: Não há uma única boa razão para desacreditar o recorde de Memphis Depay

Memphis Depay celebra o golo com os Países Baixos
Memphis Depay celebra o golo com os Países BaixosPro Shots Photo Agency / ddp USA / Profimedia
Foi uma noite histórica e memorável para o futebol neerlandês: Memphis Depay bateu o recorde de 50 golos de Robin van Persie pelos Países Baixos contra a Lituânia. No entanto, há quem esteja a encontrar todo o tipo de formas de desacreditar a carreira recordista de Memphis na Laranja Mecânica.

Cada vez mais vemos recordes de seleções nacionais a serem quebrados. No Campeonato do Mundo de 2022, vimos 14 dos atuais melhores marcadores de sempre representarem o seu país no maior palco.

Quantos desses jogadores terão visto o seu recorde desacreditado no momento em que fizeram história? Harry Kane ultrapassou Wayne Rooney, Olivier Giroud tirou o recorde de Thierry Henry, Gareth Bale passou Ian Rush e Neymar até tirou o recorde do grande Pelé pelo Brasil!

Todos grandes jogadores, obviamente, mas a questão de saber se são melhores do que os seus antecessores é absolutamente discutível.

O caso de Memphis Depay enquadra-se exatamente neste perímetro. Obviamente, o seu nome não é tão importante, tão grandioso ou talvez tão significativo do ponto de vista histórico como o de Robin van Persie, Patrick Kluivert, Klaas-Jan Huntelaar, Dennis Bergkamp e Arjen Robben, que preenchem o resto do top 6, mas será isso suficiente para lhe retirar simbolicamente o seu recorde?

Já vi as desculpas mais ridículas passarem pelo meu ecrã.

Memphis não teria jogado tanto na mesma era que os seus antecessores. Marcou penáltis contra adversários mais fracos, mas não apareceu nos grandes jogos. Memphis não teve sucesso em Inglaterra, ao contrário de Van Persie. Nunca foi importante para a equipa. Até o próprio recorde já não tem importância.

A sério? 

Deixem-me começar por dizer que todos os recordes são conquistados, não são dados.

As equipas não deram golos a Memphis. Tal como todos os jogadores antes dele, ele teve de trabalhar para marcar golos.

Adversários "mais fracos"? Só se pode marcar golos contra quem está à nossa frente.

Se ele marca, é aparentemente insignificante porque não é contra Espanha ou França. Se não marca, não é digno de vestir a camisola laranja. É uma história tão antiga como o tempo.

Mas se olharmos mais a fundo, quão "insignificante" era o recorde antes de Memphis o bater?

De todas as razões para fazer com que o recorde pareça não ter valor, as mais populares são os argumentos sobre o facto de Memphis não aparecer em grandes torneios e só marcar contra adversários mais fracos. Números, números, números.

Então vamos falar de números.

Os rácios de golos por jogo dos dois jogadores não podiam ser mais semelhantes. Robin van Persie marcou o seu 50.º golo pelos Países Baixos no seu 101.º jogo, enquanto Memphis marcou o seu 50.º golo no seu 102.º jogo pela seleção neerlandesa. Ele quebrou o recorde no 104.º jogo.

Isto coloca Van Persie a 0,49 golos por jogo com os Países Baixos e Memphis a 0,50 golos por jogo. Vamos considerar um empate.

Depois, o grande palco.

Robin van Persie disputou 24 jogos no Campeonato do Mundo ou no Campeonato da Europa, com um total de 1.973 minutos nesses torneios. Marcou nove golos nesses 24 jogos, com uma média de um golo a cada 219 minutos, ou seja, um golo a cada 2,5 jogos.

Memphis disputou 19 jogos em grandes torneios, acumulando 1.269 minutos no total. Com seis golos, Memphis teve uma média de um golo a cada 211 minutos.

Se acrescentarmos as assistências ao currículo de ambos, obtemos um registo semelhante: um golo ou assistência a cada 152 minutos para Van Persie e um golo ou assistência a cada 141 minutos para Memphis.

Vantagem, Memphis.

Depois, os golos contra os chamados adversários "mais fracos".

Se considerarmos as equipas classificadas entre 50 e 100 no Ranking Mundial da FIFA, Memphis marcou 15 golos contra essas equipas, e Van Persie 11.

Memphis marcou em sete jogos contra adversários fora do top 100 do Ranking Mundial da FIFA, obtendo doze golos. Van Persie marcou em apenas quatro jogos contra equipas fora do top 100, obtendo nove golos no total.

O que dizer então dos adversários "maiores"?

Pessoas diferentes usam métricas diferentes, por isso, analisei os golos de ambos os jogadores contra equipas dentro do top 20 e do top 25 do Ranking Mundial da FIFA.

Memphis marcou 12 dos seus 52 golos contra equipas que estão dentro do top 20. Se incluirmos as equipas do top-25, esse número sobe para 14 golos.

Van Persie, por sua vez, marcou dez golos contra equipas dentro do top 20 (nunca jogou contra equipas classificadas entre 21 e 25).

Estes números permitem este equilíbrio.

A distribuição dos golos
A distribuição dos golosFlashscore

Se considerarmos a classificação média dos adversários contra os quais Memphis Depay marcou, obtemos uma classificação de 59 em 38 jogos. Robin van Persie, que marcou em 37 jogos pela seleção neerlandesa, marcou contra um adversário com uma classificação média de 54.

E quanto aos penáltis?

Robin van Persie marcou sete penáltis pelos Países Baixos, quatro dos quais durante as eliminatórias para o Campeonato do Mundo/Euro, três em particulares e um num grande torneio.

Por seu lado, Memphis marcou doze penáltis pelos Países Baixos. Seis durante as eliminatórias, três na Liga das Nações da UEFA, dois em particulares e um em um grande torneio.

E quanto aos golos memoráveis?

Alguns críticos argumentam que Memphis não marca suficientemente "grandes golos" ou não se destaca em momentos cruciais, ao contrário de Van Persie.

Não podia ser mais falso.

Recorde-se o Campeonato do Mundo de 2014 no Brasil. Os Países Baixos tinham goleado a Espanha por 5-1 no jogo de abertura do torneio, em parte graças a dois golos de Robin van Persie. No segundo jogo, a seleção neerlandesa estava a perder por 2-1 contra a Austrália, mas Van Persie empatou para os Países Baixos e Memphis abriu a sua conta internacional com um famoso golo de longe, garantindo à sua equipa um jogo crucial da fase de grupos.

Robin van Persie abraça Memphis Depay após o golo da vitória deste último contra a Austrália no Campeonato do Mundo da FIFA 2014
Robin van Persie abraça Memphis Depay após o golo da vitória deste último contra a Austrália no Campeonato do Mundo da FIFA 2014JASPER RUHE / EPA / Profimedia

Cinco dias mais tarde, os Países Baixos defrontaram o Chile no último jogo da fase de grupos. O vencedor ganhava o grupo e evitava um encontro com o Brasil nos oitavos de final. Van Persie estava suspenso depois de ter recebido um cartão amarelo nos dois primeiros jogos dos Países Baixos, mas Memphis apareceu com o golpe fatal aos 92 minutos.

Ou que tal o golo de Memphis no jogo de abertura da eliminatória do Campeonato do Mundo contra os Estados Unidos em 2022? Foi o golo que o colocou no mesmo número de golos em jogos a eliminar em grandes torneios que Van Persie: um.

Os golos mais memoráveis de Van Persie foram ambos marcados na surpreendente vitória por 5-1 sobre a Espanha, sendo o seu cabeceamento em mergulho o mais memorável da sua carreira. Na verdade, fora isso, quantos golos mais memoráveis tem Van Persie do que Memphis?

O que importa não é o nome, são os golos.

Não é uma razão válida para desacreditar o recorde de Memphis, o facto de ele não ser tão grande como os outros avançados famosos que os Países Baixos tiveram. Para além dos que já mencionei, há ainda Marco van Basten, Ruud van Nistelrooy, Faas Wilkes, Johnny Rep, Beb Bakhuys, Abe Lenstra, Arjen Robben, Wesley Sneijder e, claro, Johan Cruyff.

Memphis é, de certa forma, o mais estranho, mas isso não é suficiente para tirar nada do seu recorde. Se o recorde fosse atribuído com base no valor do nome, há nove homens com quem os adeptos neerlandeses deveriam estar furiosos porque o seu nome não tem o valor de Cruyff.

Memphis Depay mostra a sua tatuagem de leão depois de marcar contra a Irlanda do Norte
Memphis Depay mostra a sua tatuagem de leão depois de marcar contra a Irlanda do NorteJames Marsh/BPI / Shutterstock Editorial / Profimedia

Mas quando é que as pessoas alguma vez desacreditaram Robin van Persie, Klaas-Jan Huntelaar, Patrick Kluivert, Dennis Bergkamp, Arjen Robben, Faas Wilkes, Ruud van Nistelrooy ou Abe Lenstra por terem mais golos do que Johan Cruyff, que é sem dúvida o melhor jogador neerlandês de todos os tempos?

Nunca. Porque não é assim que os recordes funcionam, nem é assim que devem ser criticados.

Quer seja por rancor por ter utilizado um chapéu para o hotel dos jogadores em 2015, por ressentimento por ter falhado um penálti contra a França, por cansaço devido à sua celebração, carreira musical ou tatuagens, ou por um rancor antigo por ter sido sempre ele próprio, sem qualquer tipo de desculpas, não é suficiente.

Memphis Depay é o nosso novo melhor marcador de todos os tempos e, até que alguém prove que o consegue fazer melhor do que ele, não há como negar o seu valor, significado histórico e liderança para a seleção neerlandesa.

Ele é simplesmente o leão que rugiu mais alto.