As pausas internacionais são frequentemente alvo de críticas por serem pouco entusiasmantes e quase uma obrigação a cumprir antes do regresso do futebol de clubes. No entanto, até o mais cético teria dificuldade em minimizar a emoção, o drama e o caos dos últimos dias.
De Budapeste a Kingston, por todo o mundo, nas últimas duas semanas, foram escritas histórias e criadas memórias que perdurarão para sempre. Foi também um lembrete oportuno de como o futebol, na sua essência, é algo verdadeiramente belo.
Apesar dos avanços tecnológicos e das táticas cada vez mais complexas do futebol moderno, por vezes é revigorante quando tudo isso é posto de lado e a paixão e a emoção assumem o protagonismo. Foi precisamente isso que aconteceu com Irlanda e Escócia durante uns dias memoráveis, nos quais Curaçau também fez história.
Parrott torna-se lenda instantânea na Irlanda
Ao entrar na última jornada dos grupos de qualificação europeus para o Mundial, o sonho da Irlanda estava por um fio, com uma tarefa quase impossível para manter viva a esperança. Embora duas vitórias nos dois últimos jogos fossem suficientes para garantir um lugar no play-off, vencer Portugal em casa e depois a Hungria fora era, no mínimo, assustador.
No entanto, o futebol é fascinante porque os adeptos agarram-se a qualquer réstia de esperança (por mais pequena que seja) e acreditam no improvável quando todos os outros já desistiram. Foi isso que os irlandeses fizeram em Dublin na última quinta-feira à noite, e foram amplamente recompensados.
Um bis de Troy Parrott inspirou a Irlanda a uma das suas maiores vitórias como nação e, de repente, uma ténue esperança transformou-se numa crença genuína de que poderiam ir à Hungria e conquistar um lugar sensacional no play-off. O país voltou a acreditar.
Os adeptos irlandeses viveram praticamente todas as emoções no domingo à tarde em Budapeste. Mas a que ficará para sempre será o incrível golo de Parrott nos segundos finais do jogo para consumar uma reviravolta quase inacreditável. Com esse feito, Parrott tornou-se o primeiro irlandês a marcar um hat-trick numa partida oficial desde Robbie Keane em 2014.
Incrivelmente, foi também o seu quinto golo em dois jogos inesquecíveis.
Menos de uma semana antes, Parrott era apenas o avançado que jogava na ausência de Evan Ferguson. Mas, num instante, tornou-se herói nacional e agora carrega os sonhos de um país às costas rumo aos play-offs de março.
As celebrações que se seguiram ao golo de Parrott nos instantes finais em Budapeste e depois em Dublin foram tudo aquilo que se poderia esperar. A magia do futebol internacional está bem viva.
Escócia garante qualificação para o Mundial de forma dramática
A Escócia sabia, ao entrar no último jogo do grupo em Hampden Park na quarta-feira, que era tudo ou nada. A tarefa era simples: vencer e garantir a qualificação para o Mundial-2026. Perder ou empatar significava enfrentar os difíceis play-offs.
A Dinamarca entrou no duelo com um ponto de vantagem e era ligeiramente favorita à qualificação, graças ao seu plantel talentoso e ao facto de precisar apenas de empatar, enquanto a Escócia tinha de vencer.
Scott McTominay inaugurou o marcador cedo, de forma espetacular, ao executar uma bicicleta que deixaria Cristiano Ronaldo orgulhoso. Por duas vezes a Escócia esteve na frente, antes de a Dinamarca restabelecer a igualdade, e o golo de Patrick Dorgu aos 81 minutos, a fazer o 2-2, parecia decisivo.
No entanto, esta pausa internacional já nos tinha ensinado que, nestes momentos em que os sonhos podem tornar-se realidade num instante, todas as regras habituais deixam de se aplicar. Por isso, quando Kieran Tierney marcou o golo da vitória, de forma dramática, aos 93 minutos, encaixou na perfeição num enredo que se virou do avesso nas últimas semanas.
Kenny McLean ainda fez o quarto golo nos segundos finais, a partir do seu próprio meio-campo, colocando a cereja no topo do bolo. Nem o mais improvável dos guiões teria previsto tal desfecho. O ambiente em Hampden Park foi eletrizante do início ao fim, mas o barulho após esses dois golos nos descontos foi verdadeiramente especial.
Uma noite de memórias que perdurarão para jogadores e adeptos, com a Escócia a regressar ao Mundial pela primeira vez desde 1998.
Na mesma noite memorável de qualificação europeia, a Áustria marcou um golo do empate dramático contra os rivais do grupo Bósnia e Herzegovina, garantindo também o regresso ao Mundial pela primeira vez desde 1998. Já de madrugada, as histórias continuaram, com um empate 0-0 na Jamaica que foi suficiente para Curaçau fazer história como o segundo país mais pequeno a conseguir a qualificação para o Mundial em toda a história da competição.
Será o futebol internacional a forma mais pura do desporto?
É claro que haverá pausas internacionais menos inspiradoras no futuro; a emoção das últimas duas semanas não pode ser sempre repetida.
No entanto, enquanto existir o Mundial, momentos mágicos como os vividos em Budapeste e Glasgow continuarão a acontecer. Porque quando a lógica e as táticas são esquecidas, o futebol reduz-se ao essencial e, com a força de uma nação unida, instala-se o caos.
O futebol internacional nunca será igual ao mundo em constante mudança do futebol de clubes, mas estas qualificações para o Mundial provaram que não precisa de o ser. Apoiar o seu país é diferente de seguir um clube, e as expectativas também o são. Quando se acompanha o clube semana após semana (especialmente os grandes clubes europeus), é natural esperar entretenimento.
No futebol de clubes, os resultados não são tudo; o estilo de jogo e a identidade do clube são, por vezes, igualmente importantes.
Porém, em 90% dos casos no futebol internacional, o que realmente importa são os resultados. Os selecionadores têm pouco tempo com os jogadores para implementar estruturas táticas avançadas. O que prevalece são os momentos individuais de qualidade, a influência do ambiente e uma enorme força mental para triunfar.
Isso resulta num futebol na sua forma mais pura, distante dos donos multimilionários, dos agentes interesseiros e dos contratos de 300 mil euros por semana.
É reconfortante saber que, por mais distante que o futebol de clubes possa parecer, o Mundial continuará a ser uma força de união. Um palco onde os sonhos podem tornar-se realidade e a ganância fica à porta dos centros de treino dos clubes.
