Adé representa desde 2023 o Liga de Quito, o Rei de Copas do futebol equatoriano, com o qual se tornou o primeiro futebolista haitiano a conquistar uma competição da Conmebol ao vencer a Taça Sul-Americana nesse mesmo ano.
Face à violência desencadeada por bandos organizados acusados de homicídios, violações, roubos e raptos, Adé não conseguiu regressar ao seu país desde 2021, altura em que se transferiu para o futebol equatoriano, seguindo o conselho de uma irmã mais velha. Nos Estados Unidos vivem o seu único filho de seis anos, uma irmã e a sua mãe.
O medo impede-o de voltar ao Haiti, país que também sente falta pelo seu clima quente, pelas praias e pelos "bons pratos" como o griot (carne de porco frita), mas não perde a esperança.
Adé apela "a todos os que têm o país sob controlo" para que "tomem consciência" dos efeitos da crise política, humanitária e de segurança que atinge o Haiti, onde centenas de milhares de pessoas foram deslocadas dentro e fora das fronteiras.
"Compreendam um pouco o que é a paz, o que é a tranquilidade. Todos os seres humanos merecem isso e nós, todas as pessoas que deixaram a sua casa, que deixaram a sua família para trás, queremos regressar", afirmou Adé em entrevista à AFP.

Dieta de pão e leite condensado
Com "um país em guerra", como descreveu o próprio presidente, Laurent Saint-Cyr, o Haiti qualificou-se para o Mundial-2026, um bálsamo para as duras dificuldades do seu povo.
Integrados no grupo C, o pentacampeão Brasil, a Escócia e Marrocos serão os adversários da seleção caribenha, que, devido à insegurança, escolheu como casa Curaçau, ao ponto de o seu atual treinador, o francês Sébastien Migné, nunca ter conseguido pisar o país.
"Foi um percurso difícil e estou a viver um sonho de criança. Cresci a ouvir os mais velhos dizerem sempre que o Haiti jogou um Mundial em 74", referiu o pilar da defesa.
"Sabemos o que vamos disputar, as equipas e os jogadores que temos pela frente (...) mas, humildemente, somos o Haiti e também sabemos o que podemos dar", acrescentou.
Enquanto aguarda pelo apito inicial do Mundial, Adé vai continuar no Liga de Quito, com o qual renovou contrato até 2027, e a desfrutar em casa do compas, um ritmo sensual haitiano que se canta e dança, incluído na lista do Património Cultural Imaterial da UNESCO. Apesar da sua preferência por esse género musical, comentou que no ginásio e no balneário da equipa predominam o reggaeton e o rap.
A carreira futebolística do haitiano começou aos 17 anos, integrando clubes do seu país, dos Estados Unidos, do Chile e do Equador. Pelo caminho, foi aliciado para jogar na Tailândia, onde, ao chegar ao aeroporto, foi abandonado pela pessoa que o tinha contactado. Permaneceu cerca de três meses nesse país asiático, mas as recordações não são as melhores. "Passei por momentos difíceis porque, por vezes, tinha de comer pão com leite condensado durante uma semana, pois não tinha mais nada".
Quando terminar o seu contrato com o Liga, clube com o qual se sagrou campeão nacional em 2023 e 2024, terá 37 anos.
"Enquanto o corpo me permitir trabalhar e render a um nível elevado, vou continuar a jogar", afirmou.
