"Nunca pensei em ser jogadora profissional de futebol"
- Quais são as tuas primeiras memórias de infância ligadas ao futebol?
- Eu lembro-me de estar sempre a jogar futebol. Levava a bola e, nos intervalos, estava sempre com os miúdos lá no ringue. Um dia, apareceu um colega da minha mãe, viu que eu tinha algum jeito para aquilo e disse: 'Ah, vou levar a garota aos treinos e vamos ver como é que corre'. Então, fui. Na altura, os treinos eram num pavilhão, era mais futsal. Eles gostaram de ver, perceberam que tinha talento e foi assim que acabei por integrar a equipa da Guarda Desportiva, com os meninos. E aí, comecei a jogar futebol 7, tudo muito novo para mim. O campo era pelado, e eu era a única menina na equipa, o que era engraçado.

- Na altura já pensava na possibilidade de chegar a profissional?
- Não, nunca pensei em ser jogadora profissional de futebol, nunca. Eu jogava futebol porque era aquilo que eu mais gostava de fazer, ponto. E sempre tive a ideia de que tinha de equilibrar o futebol com os estudos. E pronto, continuei, continuei, e nunca deixei de fazer o que amava.
- Deixa a Guarda e muda-se para o Estoril. Uma mudança significativa na sua vida...
- Eu tinha 17 anos quando assinei no Estoril. Eu não via o futebol da mesma maneira que vejo agora, como é óbvio. Ainda era tudo muito amador, independentemente de estarmos na primeira divisão. Ou seja, eu estava a sair de casa um bocadinho às escuras. E, claro, foi difícil, ainda por cima sou filha única e tive de sair de casa dos meus pais, mas acho que, a nível pessoal, foi importante. Tive que crescer mais rápido, e isso foi bom.
- Começou a acreditar mais nessa fase?
- Não, porque nós treinávamos à noite, eu ainda estudava, e tudo era um pouco incerto. Nunca tive bem a noção disso, só quando terminei a faculdade é que pensei: 'Ok, vamos ver o que é que isto vai dar'. E foi depois disso, quando fui para fora, que as coisas começaram a tomar outra proporção.
- Os estudos (estudou Gestão de Recursos Humanos) estavam acima?
- Não, não… Os estudos nunca estiveram acima do futebol. Sempre foram lado a lado. Tinha de equilibrá-los, porque, sim, também me ensinaram sempre isso, a não deixar os estudos para trás. Mas o futebol... o futebol sempre foi a minha paixão, era o que eu mais gostava de fazer e o que me dava mais prazer.

- Foi quando foi para fora que percebeu que realmente podia alcançar uma carreira profissional?
- Sim, no último ano da faculdade, já tinha terminado os estudos, e foi aí que pensei: 'Ok, agora vamos ver o que é que isto vai dar.' Porque não me via num emprego convencional, por assim dizer, e decidi investir no futebol profissional. Foi então que, pronto, as coisas correram bem no Chipre, foi uma experiência diferente.
- Também importante para regressar a Portugal com outra bagagem...
- Eu saí daqui ainda como uma miúda, uma amadora, e em Chipre assinei o meu primeiro contrato profissional. Era tudo muito diferente e passei a ver o mundo de outra maneira, pois estamos com pessoas de outras culturas, ouvimos mais histórias... É uma experiência completamente distinta.
- Mas os planos era mesmo regressar a Portugal? Como é que tomou essa decisão?
- Não tinha uma previsão para voltar, sou sincera, não tinha. Mas o SC Braga surgiu numa altura certa, diria eu, para o meu regresso.

De Bia Meio-Metro a Beatriz Fonseca: "Nova página na carreira"
- Olhando agora para todo o seu percurso, foi difícil chegar até ao Sporting?
- Sim, se calhar, na altura, quando jogava contra elas, nunca imaginei que estaria aqui e isso é verdade. O clube onde estava era muito mais pequeno, e todas olhávamos para elas como um 'uau', pois eram uma referência em Portugal. Estar aqui agora é muito gratificante, principalmente pelo percurso que fiz.
- Encontra aqui a Ana Borges, que também é da Guarda e passou pela Fundação Laura Santos. É bom para matar as saudades de casa?
- É engraçado (risos). Ela não é só uma referência aqui, é uma referência na Seleção e no nosso futebol português. Acho que não há dúvidas sobre isso. E pronto, estar com ela aqui é muito giro. Ela é uma pessoa incrível, muito divertida. E, como jogadora, acho que não há nada a apontar, toda a gente vê o talento que ela tem.
- Uma curiosidade: a Beatriz quando vem para o Sporting deixa o "Bia Meio-Metro" na camisola e passa a "Beatriz Fonseca". Qual o motivo para essa mudança?
- Não teve nada a ver com vir para o Sporting. No meu antigo clube, já tinha dito que ia mudar na época seguinte, e assim aconteceu. Podemos dizer que é uma nova página na minha carreira.

- O que encontrou no Sporting foi ao encontro das suas expectativas?
- Não criei expectativas, mas fui muito bem recebida. Foi uma casa que me acolheu de forma incrível, desde o staff, a equipa técnica, as jogadoras, até a malta aqui da academia, tudo foi muito acolhedor. A adaptação foi super fácil. Mas, como disse, não criei expectativas de nada. E acho que é isso que torna tudo mais engraçado. Porque agora, posso dizer que é muito bom estar aqui, até porque surpreendeu-me.
- Está contente com o grupo de jogadoras que apanhou?
- Somos um grupo muito unido. O balneário é espetacular. Entre nós, mesmo entre estrangeiras e tudo, não há diferenciação. Mesmo quando alguém passa por um momento menos bom, sente-se o apoio de todas. Ou seja: agarramo-nos umas às outras, e mesmo quando estamos em fases difíceis, é isso que se vê: temos uma equipa forte.
- Sentiu a necessidade de adaptar o seu estilo de jogo ao Sporting?
- Mudámos recentemente de tática e uma pessoa tem que se adaptar ao que é pedido. Por isso, com base nas minhas características, tentei integrar-me da melhor forma possível.
- Qual o balanço que faz destes primeiros meses no clube?
- Estou feliz aqui. Estou a jogar e, como disse, gosto das pessoas. Sinto-me bem integrada. Em termos de posição, é nova para mim, ainda estou a aprender. No entanto, gosto. Acho que as minhas características também se adequam um pouco a essa posição. Por isso, para mim, esta mudança tática foi positiva.

"Queremos muito ganhar a Taça da Liga"
- A Beatriz conta já com vários anos de Liga. Qual a sua análise à competição, sobretudo à presente edição?
- Sinto que houve algum desinvestimento por parte de algumas equipas esta época, e isso não é bom para a Liga. Esta é a minha opinião, é o que sinto. Acredito que, se houvesse mais investimento, o nível poderia ser muito melhor, o que nos ajudaria a todos a alcançar o nível das outras ligas.
- Segue-se um novo jogo contra o Benfica, agora para a final da Taça da Liga. Como é que tem vivido esta rivalidade?
- Acho que tem um sabor diferente, porque são jogos que nos trazem mais... Motivação. Isso mesmo, mais motivação, mais emoção. Não estou a descredibilizar os outros jogos, atenção, e até acho que a semana de trabalho acaba por ser igual às outras. Mas, claro, o foco é um pouco diferente, até porque estamos a falar de uma final. É o tudo ou nada, e queremos muito ganhar esta taça.
- Vai ser o 4.º jogo contra o Benfica esta época, o segundo a decidir um troféu. Estes jogos de tudo ou nada são diferentes dos que jogam entre vocês no campeonato?
- Sim, eu acho que sim. Ou ganhas ou perdes. Por isso, acho que a sensação de jogar esses jogos tem que trazer um bocadinho mais de motivação extra.

- O que pode fazer a diferença em Leiria?
- Sinceramente, acho que, em equipas como o Sporting e o Benfica, o nível vai ser muito pelos detalhes. Porque, em termos de intensidade e qualidade, ambas as equipas já têm isso. Por isso, talvez diria que será definido pelos detalhes, sejam individuais ou coletivos.
- Qual tem sido a mensagem passada pelo mister Micael Sequeira?
- É um pouco sobre manter o nosso foco, fazer o nosso trabalho, sermos fiéis a nós mesmas e entrar em campo com tudo.
- As contas estão mais difíceis para vocês no campeonato, mas não é impossível. Ou é?
- Não estamos a pensar se é impossível, se é difícil ou se estamos muito longe. Fazemos o nosso trabalho todas as semanas para conquistar os três pontos no fim de semana. E vai ser assim até ao final. Depois, basicamente, fazemos as contas. Mas não vamos estar aqui a achar que é impossível ou que não vamos conseguir ser campeãs.
- Então, o que diria aos adeptos do Sporting?
- Diria para não deixarem de acreditar em nós, para continuarem a apoiar-nos, porque ainda vamos ser muito felizes juntos.
- O que é que eles vão poder ver no domingo?
- Vão ver uma equipa que quer muito ganhar a final da taça e ser feliz em campo.
- E o que podem esperar de si até ao final da época?
- Compromisso e entrega.

"Seleção? Sensação de ver que o trabalho é recompensado"
- 21 de fevereiro de 2024, data da estreia na Seleção Nacional. É um capítulo muito importante da sua carreira?
- Foi a sensação de ver que o trabalho é recompensado. Ver que tudo o que fizemos valeu a pena por aquele momento de emoção, entrar no relvado e ouvir o nosso nome ser dito pelo speaker...
- E a Beatriz esteve presente no último estágio.
- Isso é uma demonstração do trabalho que tenho vindo a fazer no Sporting. É gratificante, claro. Senti-me bem e acho que foi muito bom ter estado estas duas semanas a trabalhar com elas. No fim, todas trabalhamos para o mesmo objetivo: queremos estar na Liga das Nações e no Euro. E eu não sou diferente.
- A presença no Euro é um objetivo?
- Vou continuar a trabalhar para ter mais oportunidades.
- Tem-se falado muito sobre o crescimento da Seleção. O que acha que tem sido determinante para a valorização da jogadora portuguesa?
- Eu gosto da jogadora portuguesa. Tem um perfume distinto. Acho que a nível técnico e táctico, a jogadora portuguesa destaca-se. E agora, como temos mais condições, ou seja, que o futebol foi evoluindo em Portugal, conseguimos perceber melhor isso porque as jogadoras têm mais condições para demonstrar o seu valor.
- A Beatriz tem um percurso que acaba por ser inspirador. Até por isso, qual a mensagem que procura passar às mais jovens que têm o sonho de atingir este patamar?
- Por acaso, quando estive na Guarda pela última vez, visitei uma escolinha de futebol. Agora, elas já têm uma escolinha de futebol feminino e há muitas meninas que sonham em chegar a este nível. O que posso dizer é: nunca deixem de acreditar nos vossos sonhos. Mas lembrem-se de que há muito trabalho envolvido. Temos de abdicar de muitas coisas, tanto a nível social, como pessoal. Às vezes, não podemos ir a festas ou participar em certos momentos sociais, porque o nosso foco tem de estar aqui. É um caminho que exige muita dedicação e um grande nível de exigência, tanto física, como mental. Por isso, quem quer realmente seguir este percurso tem de estar preparado para isso.
- Foi isso que a fez chegar até aqui?
- Assim que coloquei o foco nisto, percebi que era realmente o que queria. Mas para isso, tive de abdicar de muitas coisas.

"Quero que me recordem mais pela pessoa que sou do que pela atleta que fui"
- Aos 26 anos, como é que a Beatriz se sente nesta fase da sua carreira?
- Sinceramente, nem olho para a idade. Para mim, o mais importante é o momento, porque, como costumo dizer, o futebol é feito de momentos. Gosto de viver intensamente o presente, sem pensar demasiado no que ainda posso ou não fazer, porque as coisas mudam de um dia para o outro. Por isso, prefiro simplesmente ir aproveitando e desfrutando do que estou a sentir e a fazer agora.
- O que resiste ainda em si da Beatriz do Guarda Desportiva?
- O que é que ainda existe? A paixão. Acho que isso nunca vai desaparecer, independentemente de ser o meu trabalho ou não. A paixão continua muito presente dentro de mim e vai sempre estar.

- Quais os planos para o futuro?
- Eu não penso muito no futuro, porque o futebol é feito de momentos. Hoje podemos estar bem, amanhã as coisas podem mudar, e talvez nem consigamos alcançar o que tínhamos em mente. Por isso, não crio expectativas. Prefiro desfrutar do que estou a viver agora.
- No dia em que decidir terminar a sua carreira, como gostaria de ser recordada?
- Acho que, acima de tudo, é como sempre digo: mais do que atleta, quero que me vejam como pessoa. Gostava de ser lembrada assim. Que dissessem: 'Epá, a miúda era mesmo porreira, tinha uma grande vibe, dava para estar bem com ela, criava um bom balneário'. Porque, no fim, ninguém se vai lembrar exatamente do que fizeste em campo, de quantas assistências ou golos marcaste. Acho que o que realmente fica é a pessoa que foste, a energia que transmitiste. E é isso que quero deixar. Quero que me recordem mais pela pessoa que sou do que pela atleta que fui. Porque o futebol é feito de momentos - umas vezes estamos bem, outras nem tanto - mas a nossa essência tem de permanecer a mesma. Sempre.
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