Acompanhe a estreia de Portugal no Euro Feminino
Com mais de uma década ao serviço da Seleção Nacional, Dolores Silva continua a ser uma das vozes mais respeitadas do futebol português. Prestes a disputar mais uma fase final, a quarta, a capitã da equipa das quinas assume o orgulho no percurso, mas também a ambição de ver Portugal chegar ainda mais longe.
Entre memórias, conquistas e desafios, a média não esquece as dificuldades do passado, nem o sonho de inspirar as próximas gerações.

"Resultados da Liga das Nações não apagam aquilo que fizemos até aqui"
- Se recuarmos dez anos, até 2015, você imaginava que hoje estaria a somar quatro fases finais e a ser a terceira jogadora mais internacional de sempre? Com tudo o que já viveu, não sente que o tempo passou a voar?
- Sim, é verdade. Acho que é o sonho de qualquer jogadora chegar a esses patamares. E depois perceber que podes fazer parte dessa história, que é tão importante para nós, para o nosso futebol feminino, para a nossa seleção e para o nosso país… Isso, para mim, é sem dúvida algo muito gratificante e um enorme motivo de orgulho.
Se olharmos para trás, em 2015 tínhamos sempre essa ambição de conseguir chegar a uma fase final, mas nunca o tínhamos conseguido. E depois, a partir de 2017, foi como se tivéssemos encontrado a chave que abriu todas as portas e permitiu conquistar tudo o que veio depois.
- Sente que, a partir desse momento, tudo mudou? Ou seja, antes qualquer qualificação era vista como algo extraordinário, histórico… e hoje já existe quase uma obrigação. Como aconteceu agora, com a Liga das Nações - acabaram por descer e parece que a expectativa já era que a equipa se mantivesse no escalão de topo. Naturalmente, acredito que vocês queriam muito isso, mas sente que essa exigência e a vossa responsabilidade cresceram de forma definitiva?
- Acho que a Liga das Nações é uma competição muito recente e diferente. Mas, lá está, fruto daquilo que temos vindo a conquistar, é óbvio que queremos sempre os melhores resultados e não queríamos, de forma alguma, voltar a descer de divisão.
Mas, mais do que isso, acredito que as competições que realmente têm um peso enorme são o Campeonato da Europa e o Campeonato do Mundo. E aí, sim, Portugal tem de estar presente. Acho que já conquistámos esse direito, demorou muito tempo, foi um caminho difícil, mas agora sentimos essa responsabilidade de marcar presença ao mais alto nível.
O importante agora é continuar a fazer o melhor possível e tentar sempre ir mais longe do que aquilo que já conseguimos. É isso que conta.
- Na memória recente ficam esses resultados mais negativos, que acabaram por surgir numa fase em que a equipa estava em plena afirmação e agora, com esta fase final tão próxima. De que forma é que isso afetou o grupo? Como é que está o grupo em termos de reação e confiança?
- Acima de tudo, estamos de cabeça limpa. Como disse, são momentos que aconteceram quando tinham de acontecer. E acredito que, se foi naquela altura, então era o momento certo. Não quero com isto dizer que ficámos satisfeitas ou que demos menos importância ao que aconteceu. Demos a devida importância, no momento certo. Mas agora, a competição é completamente diferente, como já referi.
Passámos por uma Liga das Nações que, quer se queira, quer não, não tem o mesmo grau de importância que um Europeu. Claro que tivemos resultados menos positivos, mas acredito que a nossa equipa não se define por isso. Nada apaga o que já conquistámos até aqui. Quem pensar o contrário é porque não percebe o verdadeiro valor do futebol feminino, porque esses resultados não podem definir quem somos, nem podem abalar o nosso caminho.

Devemos sim refletir e aprender com o que correu menos bem e trabalhar ainda mais para que esses resultados não se repitam. O nosso objetivo é competir ao mais alto nível, independentemente do adversário. Seja contra seleções como Espanha, Inglaterra ou, mais recentemente, Bélgica.
O mais importante é que, agora, sinto o grupo exatamente como queria: de cabeça limpa, com grande motivação e com a vontade de cada uma se entregar ao máximo todos os dias. Trabalhar no limite para chegarmos ao Europeu na melhor forma possível, mudar o que precisa de ser mudado e voltar a demonstrar a qualidade e a capacidade que esta equipa tem.
- Acaba por ser também uma oportunidade de vingar aquilo que aconteceu recentemente. Até porque o grupo é muito semelhante e vocês vão voltar a defrontar seleções como Espanha e Bélgica. Sente que existe esse espírito de querer dar uma resposta e mostrar o verdadeiro valor da equipa?
- Sim, claro que sim. Os adversários podem ser os mesmos, mas os contextos competitivos são sempre diferentes. Nós somos as mesmas, mas agora temos uma oportunidade ainda maior de analisar, corrigir e, ao mesmo tempo, potenciar aquilo que fizemos de bom. É uma oportunidade que temos pela frente e vamos querer agarrá-la com tudo. É a nossa hipótese de dar uma resposta forte e, de certa forma, vingar aquilo que foi o nosso passado mais recente.

"Acredito que temos capacidade para passar a fase de grupos"
- E com toda a experiência que tem, Dolores, e conhecendo tão bem este grupo, até porque se tem falado muito que o próximo grande objetivo é finalmente passar a fase de grupos, acredita verdadeiramente que isso é possível?
- Eu acredito, claro que sim. Acredito mesmo. A responsabilidade de estar novamente numa fase final foi alcançada, esse era um grande objetivo. Agora que lá estamos, o próximo passo é fazer melhor do que aquilo que já conseguimos no passado. Sabemos perfeitamente os adversários que vamos ter pela frente, conhecemos bem o grupo em que estamos inseridos. Mas independentemente disso, o meu sentimento é de acreditar, sempre, e de ir passo a passo, jogo a jogo. Primeiro Espanha, depois Itália e, por fim, Bélgica.
O foco é fazer o melhor, dar tudo em campo e, no final, espero sinceramente que cheguemos ao terceiro jogo a depender apenas de nós, para concretizar o grande objetivo de passar a fase de grupos.
- Na sua opinião, o que é que pode fazer a diferença no vosso caso? O que é que distingue esta seleção portuguesa das restantes seleções?
- Acima de tudo, o que nos caracteriza é a nossa capacidade de superação, de união e a entrega ao jogo. É verdade que, em certos detalhes, individualmente podemos não ser tão fortes como outras jogadoras, mas é no coletivo que vamos sempre buscar a força e a energia necessárias para conquistar vitórias frente a grandes seleções. Depois, também é importante não termos medo de praticar o nosso futebol, de sermos nós próprias. Acho que já não somos vistas como aquelas coitadinhas de antigamente, como muitas vezes nos rotulavam. Hoje temos capacidade, temos qualidade para jogar bem.
Se estivermos bem mentalmente e emocionalmente, acredito que temos tudo para atingir o nosso objetivo. Sabemos que vai ser um grupo difícil, mas, como disse, independentemente dos adversários, acredito que podemos alcançar o que tanto queremos.
- Você já está há muitos anos na seleção, já viu muitas jogadoras a entrar e a sair ao longo do tempo. Agora, há algumas caras novas no grupo… Na sua opinião, como está a equipa em termos de qualidade? Acha que temos um bom grupo montado para encarar este desafio?
- Da minha parte, o meu foco será sempre jogar, fazer o meu papel dentro e fora de campo e tentar contribuir ao máximo para que a equipa esteja bem e se sinta confiante. Depois, quando chegar o momento das escolhas, seja quem for que seja chamada, o mais importante é que, ao longo deste período, todas consigamos dar o nosso melhor, trabalhar com o mesmo sentido, na mesma direção e com o mesmo objetivo. No fundo, é um sonho para todas nós estarmos aqui e queremos agarrá-lo.
Acho que, cada vez mais, está a tornar-se difícil escolher as jogadoras, e isso é sinal de que a qualidade e a exigência estão a aumentar. Felizmente, isso já se sente no futebol feminino português e em todas nós, o que é muito positivo, porque só nos vai ajudar a crescer enquanto equipa e enquanto país. Agora, é manter o foco, continuar a trabalhar e, depois, quem estiver no grupo, dar o máximo e representar Portugal da melhor forma.

"São muitos anos a representar Portugal, mas será sempre como a primeira vez"
- Como é que se sente a nível individual, aos 33 anos, com toda a experiência que já acumulou, tanto no clube como na seleção? Como é que olha para este ano de 2025, numa fase tão importante da sua carreira?
- Sinto-me muito bem, na verdade. Estou bastante feliz por ter mais uma oportunidade de estar aqui. Já são muitos anos, mas para mim será sempre como a primeira vez. Encaro sempre este momento com a mesma seriedade, a mesma entrega e a mesma ambição. Foi um ano que, coletivamente, não foi o melhor no clube. É verdade que conseguimos alcançar o objetivo da qualificação para a Liga dos Campeões, mas, a nível de títulos, não conseguimos conquistar aquilo que pretendíamos.
Ainda assim, individualmente, considero que fiz uma época bastante consistente, talvez até a melhor desde que estou no SC Braga. Mas isso não muda o sentimento agridoce que fica, porque o coletivo fala sempre mais alto. Ao mesmo tempo, acho que esse balanço me faz chegar aqui, a este momento, com uma motivação extra, com vontade de continuar a ajudar, sempre que for chamada, seja dentro ou fora de campo. Sei bem qual é o meu papel e o que se espera de mim, e por isso é sempre um orgulho enorme poder estar aqui e representar o meu país.

- Sem querer desvalorizar o papel do clube, mas representar Portugal acaba sempre por ser especial, e talvez se viva de forma diferente tanto as conquistas como as derrotas da seleção. Como é que tem gerido essas emoções ao longo do tempo?
- Acho que nenhuma jogadora gosta de perder, eu detesto perder. Sou muito competitiva. Agora, cada uma tem a sua forma de reagir à derrota. Eu posso reagir de uma maneira, outra jogadora pode reagir de forma diferente, mas isso não significa que sintamos mais ou menos do que as outras.
Para mim, o mais importante é a capacidade de reação, e gosto muito de focar-me nisso. Aliás, é algo que tenho vindo a trabalhar, a nível individual, ao longo dos anos. Na seleção, essa responsabilidade ainda é maior. Não digo que a importância seja diferente, mas a visibilidade e o peso que temos aqui são enormes, porque sabemos que, muitas vezes, somos o empurrão que abre ou fecha portas para o futuro do nosso futebol.
Por isso, acredito que a mensagem tem de ser sempre essa: nos momentos menos bons, seguir em frente, manter o foco no futuro e perceber o que ainda podemos aportar à equipa. Quando há um mau resultado, é tentar ver o copo meio cheio, perceber o lado positivo, porque mesmo nos momentos difíceis, há sempre algo a aprender. E isso, para mim, é o que nos mantém motivadas e preparadas para o que vem a seguir.

- Ainda do ponto de vista individual, que memórias e imagens lhe passam pela cabeça quando pensa no caminho que percorreu até aqui? Todas as dificuldades que teve de ultrapassar… Voltando um pouco àquilo que falámos no início, o que representa para si todo esse percurso, principalmente do ponto de vista pessoal?
- Há dias comentava exatamente isso: é fantástico perceber as diferenças e a evolução que o futebol feminino teve em Portugal. Lembro-me bem do nosso primeiro Europeu e daquilo que tínhamos na altura, os recursos, as condições… E quero deixar claro que a Federação sempre fez o possível por nós, nunca nos faltou com nada. Mas é inevitável reconhecer o quanto tudo cresceu desde então. Hoje em dia temos muito mais recursos humanos a trabalhar connosco, mais envolvência, maior preocupação com o nosso bem-estar físico e isso faz toda a diferença. São muitos detalhes que, juntos, elevam o nosso rendimento.
O facto de podermos ter agora a nossa "Casa do Futebol" também é um marco. Hoje temos essa estrutura que nos permite fazer praticamente tudo aqui, de forma muito mais profissional e organizada. Tudo isto deixa-nos orgulhosas, porque é sinal claro da evolução da Federação, do investimento no nosso futebol e da aposta no nosso crescimento enquanto atletas e enquanto equipa. Agora, o que espero e acredito é que esse caminho não pare, que continuemos a crescer, passo a passo, até atingirmos o patamar que merecemos.
- E se tivesse duas opções: ou viver tudo outra vez, exatamente como viveu, com todas as dificuldades, ou começar agora, com 20 anos, já com todas as condições e oportunidades que hoje existem… O que acha que escolheria?
- Vou ser muito sincera: acho que, mesmo que pudesse escolher, voltaria a viver exatamente o mesmo caminho. Porque é o que conheço, é aquilo que vivi e, com tudo o que teve de bom e de mau, foi isso que me fez ser a pessoa e a jogadora que sou hoje, dentro e fora do campo. Todas essas dificuldades ajudaram-me a crescer e permitem-me hoje transmitir uma mensagem a quem está a começar, às jogadoras mais novas, de 20 anos, que felizmente já têm tantas coisas que nós não tínhamos.
Mas sim, escolheria o mesmo percurso, porque sou muito ligada à parte emocional, àquilo que se vive e se sente. Cresci nas dificuldades e isso fez-me olhar para a vida e para o futebol de outra forma, com mais maturidade e com outra valorização. Por isso, sim, se tivesse de viver tudo outra vez, viveria, mesmo com todas as dificuldades incluídas.

Portugal daqui a 10 anos: "Imagino a disputar um título"
- Há pouco perguntava-lhe se, em 2015, alguma vez imaginava que hoje estaríamos neste patamar. Agora, faço o contrário: se avançarmos para 2035, como é que imagina que estará o futebol feminino em Portugal? E, sobretudo, onde vê a nossa Seleção dentro de dez anos?
- Sinceramente, imagino Portugal a disputar, em breve, um título. Acredito que temos capacidade para conquistar um título, seja em que escalão for. Acho que está cada vez mais próximo. Pode começar nas seleções de formação, mas acredito que, no futuro, também a Seleção A terá condições para chegar lá.
Claro que, para isso, é fundamental mantermos este registo de trabalho e evolução. E, acima de tudo, que as jogadoras, muitas delas com um enorme potencial, não se percam pelo caminho. É essencial continuarem a potenciar o seu talento, mas também saber equilibrar isso com a envolvência, a estrutura e as oportunidades que vão tendo. Se conseguirmos esse equilíbrio, acredito que Portugal tem mais do que condições para disputar e conquistar títulos.
- Isso também acaba por depender muito da forma como o futebol feminino vai evoluindo aqui em Portugal. Na sua opinião, como é que tem sido feita essa evolução? Sente que, apesar dos avanços, continuam a existir alguns problemas estruturais que travam esse crescimento?"
- Infelizmente, ainda não estamos onde gostaríamos de estar, e temos de ser honestos quanto a isso. Estamos, na verdade, bastante longe de muitos contextos competitivos, até se olharmos aqui para o lado, para Espanha. O crescimento deles nos últimos anos, em termos competitivos e no desenvolvimento das equipas, foi enorme.
Por cá, continuam a existir muitas dificuldades. Ainda há muitas jogadoras amadoras, muitas equipas que passam por problemas que eu própria vivi há 15 anos, quando estava no 1.º Dezembro. E isso assusta-me, sinceramente. Porque sabemos que, a nível competitivo, isso acaba por se refletir inevitavelmente na Liga.
Não é justo comparar uma jogadora profissional, que se dedica a 100%, que tem condições, que é remunerada, com uma jogadora que ainda tem de trabalhar, que só consegue treinar às nove da noite - ou nem todos os dias - e que tem recursos muito limitados, seja ao nível da fisioterapia, seja noutros aspetos fundamentais.
Isso, quer se queira, quer não, faz toda a diferença. E, por muito que queiramos evoluir, enquanto essas desigualdades existirem, será sempre difícil atingir outro patamar. Cabe-nos, claro, valorizar o que temos, desfrutar das condições que já conseguimos alcançar, mas também cabe aos responsáveis encontrar estratégias para apoiar mais as equipas e os clubes. É um tema delicado, mas é urgente que se continue a trabalhar para que a Liga cresça de forma equilibrada e sustentável.
- Já falámos um pouco sobre isso, mas sente que ainda falta uma valorização mais justa e consistente do futebol feminino em Portugal?
- A nível cultural, acho que ainda temos muitas lacunas, principalmente no que diz respeito à nossa cultura desportiva, que não é, de todo, das melhores. Por exemplo, já tive a experiência de estar na Alemanha e a diferença é gigante. Já era gigante há alguns anos e hoje continua a ser. Eles têm uma forma completamente diferente de viver o desporto, não só no futebol, mas em todas as modalidades. As pessoas apoiam, estão presentes, há um envolvimento natural. E não é por acaso que, em tantas modalidades, eles também são muito fortes.
Aqui em Portugal, infelizmente, ainda estamos atrasados nesse aspeto. Talvez falte encontrar mecanismos, estratégias e planeamento que tragam as pessoas para mais perto de nós, que as façam vir ver o espetáculo, que criem mais ligação com o futebol feminino. Falamos muito da profissionalização da Liga, que seria o ideal, e que todas as jogadoras e todos os clubes fossem profissionais. Mas sabemos que isso é um processo, que demora e que depende de muitos fatores.
Enquanto jogadora, não tenho essa perceção concreta do que se pode ou não fazer a nível de estruturas ou políticas, mas acredito que temos de continuar a procurar formas de aproximar as pessoas, de gerar interesse, de puxar o público para junto de nós. Só assim vamos conseguir dar o próximo passo.
- Vocês têm sentido muito apoio ao longo deste percurso e agora vão para a Suíça, que é um país com uma grande comunidade portuguesa. O que é que esperam encontrar por lá? E você, enquanto capitã, o que é que gostaria de dizer aos portugueses que vão estar convosco?
- Vai ser muito, muito especial, porque a comunidade de emigrantes portugueses na Suíça é enorme. Eu própria já vivi fora, já fui emigrante, e sei o quanto é importante, quando estamos longe, sentir um bocadinho do nosso país por perto. Poder ser agora a nossa Seleção a levar esse sentimento aos portugueses que estão na Suíça é fantástico. É como se estivéssemos a levar Portugal connosco, a criar um momento bonito e único para essas pessoas.
Espero sinceramente que apareçam em massa, como todos nós desejamos. Que possamos sentir esse apoio forte nas bancadas, porque isso também faz toda a diferença. Acho que será uma parte muito bonita desta experiência, tal como aconteceu em 2016, quando Portugal foi campeão da Europa em França. Lembro-me bem da quantidade de portugueses nas bancadas e de como isso tornou tudo ainda mais especial. É sempre bom, para quem está longe, sentir o país mais perto. E por isso estou bastante motivada e entusiasmada para viver esse momento.

"Sinto o SC Braga de uma maneira muito especial"
- O SC Braga acabou por não conseguir tudo aquilo que ambicionava nesta época de regresso às competições europeias. Na sua opinião, o que é que terá falhado para a equipa não conseguir ir mais além?
- Acho que fomos uma equipa algo inconstante. Começámos bem a primeira fase da época, mas, sinceramente, ainda hoje me pergunto o que aconteceu a seguir… Tivemos algumas lesões pelo meio, houve momentos que acabaram por nos destabilizar e, a partir daí, deixámos de ser tão consistentes. Depois, parece que entrámos naquela espiral em que, quando as coisas não saem bem, não saem mesmo. Às vezes jogamos mal e, por sorte, a bola bate no poste e entra. Outras vezes estamos a jogar melhor, a bola bate no poste e sai, ou acontece um lance infeliz e acabamos por sofrer golo.
Acho que foi muito por aí… Mas, acima de tudo, o mais importante foi garantir a qualificação para as competições europeias, que era um dos grandes objetivos do clube. Felizmente, conseguimos isso e, apesar de tudo, a época não foi completamente perdida.
- E aquelas lágrimas no momento em que se mudaram para o Amélia Morais… São de quem conhece bem o passado, de quem viveu as dificuldades, não é? Sente que foi um misto de orgulho e de lembrar tudo aquilo que já passou para chegar até aqui?
- É exatamente isso, é perceber que, depois de passar por tantas coisas no futebol, de repente temos um estádio pensado só para nós, para o futebol feminino. Um espaço pensado na jogadora, no crescimento da equipa e no desenvolvimento do clube dentro da modalidade. Para mim, isso foi muito especial, muito importante e, acima de tudo, muito emocionante.
Tenho uma ligação muito especial ao SC Braga. Já são sete, oito anos aqui e o SC Braga, para mim, é sinónimo de casa. Ver o clube a dar este passo, ver o investimento e o reconhecimento no feminino, tem um significado enorme. E também tenho de reconhecer o papel do presidente. Sei que, se há alguém dentro do clube que sempre acreditou e apoiou o futebol feminino, é ele. Por isso, só posso estar grata, pela visão que teve e continua a ter, por querer sempre melhorar as nossas condições.
No passado, nem sempre tivemos o que temos hoje, mas houve sempre esse compromisso de procurar o melhor. Felizmente, hoje conseguimos ver esses resultados e isso dá-nos ainda mais motivação para continuar a trabalhar e a crescer.
- O que é que os os adeptos do SC Braga podem esperar do clube no futuro?
- Eu espero, acima de tudo, que o clube consiga sempre alcançar o melhor. E que, rapidamente, volte ao patamar de ganhar, porque é aí que o SC Braga merece estar.

- Acha possível voltar a discutir o título?
- Sim, acho que sim. Acredito que as condições estão criadas, só falta que todas as pessoas, todos dentro do clube, estejam alinhados e a trabalhar no mesmo sentido. A partir daí, tudo se torna muito mais fácil. Vejo o futuro do clube de forma bastante positiva e, sinceramente, estou confiante e feliz com aquilo que pode ser o próximo ano. Acredito que o SC Braga tem tudo para crescer e voltar a conquistar o que merece.
- A Dolores está em final de contrato com o SC Braga. Ficando ou não ficando, já disse que o SC Braga será sempre a sua casa e um lugar especial… Que mensagem deixa aos adeptos, sabendo que esse carinho e essa ligação vão sempre existir?
- São muitos anos, muitas pessoas… Criei um grande carinho pelo clube e pela cidade. Tenho amigos que fiz no futebol e fora dele, mas que, para mim, são família e vão ser sempre, independentemente de onde eu esteja, fique ou não fique. Como costumo dizer, Braga tem e terá sempre um lugar especial no meu coração.

"Quero é que me vejam como um exemplo, dentro e fora de campo"
- E o que é que ainda ambiciona para o futuro, Dolores? Depois de tantas conquistas, tanto no clube como na seleção, o que é que ainda a mantém com essa chama acesa, com essa vontade de querer sempre mais?
- Acima de tudo, penso sempre passo a passo. Tento usufruir ao máximo de cada momento, sentir-me bem, motivada e aproveitar tudo ao máximo, sempre com o objetivo de competir da melhor forma possível, seja em que contexto for. Porque gosto de competir, gosto de me superar. E depois, o resto logo se vê, tudo acontece no seu tempo, passo a passo.
- Para terminar, quando chegar o momento em que decidir pôr um ponto final na carreira - que esperamos todos que ainda demore - o que é que gostaria de deixar até lá? Que legado gostava que ficasse associado ao seu nome, quando se falasse da Dolores?
- Acima de tudo, quero é que me vejam como um exemplo, dentro e fora de campo. Como alguém que deu tudo pela paixão que tem pelo futebol e que fez o máximo para que a modalidade crescesse e continue a crescer, seja dentro ou fora das quatro linhas.
Procuro sempre ajudar quem me rodeia, é esse o meu objetivo. Quer gostem, quer não gostem, sei que por vezes posso não ter o feitio mais fácil ou a forma mais suave de dizer as coisas, mas faço-o porque quero sempre o melhor para o futebol feminino. Quero sempre o melhor para a equipa, para o meu clube, para a minha seleção.
Tento sempre ver o copo meio cheio e, acima de tudo, ser alguém que lutou para melhorar as condições e para deixar um caminho mais facilitado às gerações que vêm a seguir. É isso que me motiva: que as jogadoras mais novas possam olhar para mim como um exemplo e usufruir de tudo aquilo que a minha geração trabalhou e conquistou.
Quando chegámos aqui, também aproveitámos o que a geração anterior nos deixou. Agora, cabe-nos a nós deixar um legado ainda maior, para que as próximas gerações continuem a abrir portas, a criar oportunidades e a fazer crescer o futebol feminino em Portugal. E ver que, felizmente, cada vez há mais meninas a jogar, mais meninas com esse sonho… isso, para mim, já é uma enorme felicidade.
- E se tivesse hoje a oportunidade de falar com aquela Dolores que começou no futebol, empurrada pelo pai, o que é que lhe diria?
- Eu diria para ir à luta e continuar a sonhar muito com tudo o que estava por vir… Porque, no fim de contas, valeu a pena. Cada esforço, cada sacrifício e cada sonho trouxeram-me até aqui, e hoje sei que teria feito tudo outra vez.
