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Inês Pereira: "Posso tornar-me uma referência e estar entre as melhores"

Inês Pereira destacou-se no Deportivo da Corunha
Inês Pereira destacou-se no Deportivo da CorunhaNurPhoto via AFP, Flashscore
Inês Pereira volta a sonhar com o futebol. Às portas do Euro Feminino, a guarda-redes da Seleção recorda o início no Atlético do Cacém, a passagem marcante pela Suíça e o renascer da paixão pelo jogo na Corunha.

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Um dia, Inês Pereira foi assistir a um treino da equipa sénior do Atlético do Cacém e ficou encantada com a posição de guarda-redes. Foi nesse momento que decidiu: era esse o seu lugar em campo e no futebol.

Depois de chegar a um dos grandes clubes portugueses, a guardiã rumou à Suíça para a sua primeira experiência internacional. Em três anos, conquistou títulos, cresceu como atleta, mas acabou por perder o encanto pelo futebol, algo que voltou a encontrar na Corunha, ao serviço do Deportivo.

Às portas do arranque do Campeonato da Europa, naquela que será a sua terceira fase final ao serviço de Portugal, Inês Pereira abre o coração numa entrevista exclusiva ao Flashscore.

Inês Pereira não esconde ambição
Inês Pereira não esconde ambiçãoOpta by Stats Perform, Dépor ABANCA

"Sou uma sortuda por fazer aquilo que gosto"

- Inês, começo por lhe perguntar: alguma vez aquela jovem que começou no Atlético do Cacém imaginou que, aos 26 anos, já teria vivido tanto? Jogou num grande em Portugal, teve duas experiências no estrangeiro - primeiro na Suíça, depois em Espanha -, foi a um Europeu, a um Mundial, e agora prepara-se para mais um Europeu.

- Não, eu quando comecei a jogar, o futebol feminino, tanto em Portugal como a nível mundial, ainda não tinha a dimensão que tem hoje. Por isso, jogava mais por prazer do que propriamente a pensar numa profissão. É verdade que, mais tarde, quando surgiu a oportunidade de jogar no Estoril, comecei a encarar o futebol como algo que poderia vir a ser um trabalho no futuro. Mas claro, sempre com a paixão de jogar, com aquela sensação que tenho desde criança: o futebol é, e sempre foi, a minha paixão.

Depois, o Sporting trouxe o meu primeiro contrato de formação, e mais tarde o contrato profissional, o que foi ótimo. Costumo até dizer às pessoas mais próximas que sou uma sortuda, porque trabalho três ou quatro horas por dia a fazer aquilo que gosto, aquilo que sempre sonhei fazer.

E claro, representar Portugal também é uma consequência do trabalho que fazemos nos clubes. Sei que, se estiver bem no clube, a probabilidade de ser chamada à seleção aumenta e acho que os resultados estão à vista.

- Foi muito difícil chegar até aqui? Pergunto isto porque, ao longo do percurso, imagino que tenha enfrentado muitos desafios, ainda por cima numa posição tão exigente como a de guarda-redes, onde normalmente só joga uma. O que é que acha que fez realmente a diferença para conseguir vingar no mundo do futebol?

- Acho que tudo isto é fruto do meu trabalho, mas também do apoio das pessoas que sempre estiveram ao meu lado e que me deram todas as oportunidades para crescer e evoluir enquanto guarda-redes.

E claro, não querendo insistir demasiado no tema, mas a verdade é que o Sporting teve um papel muito importante nesse crescimento. Foram cinco anos em que aprendi muito, trabalhei com grandes referências nacionais e isso fez-me evoluir imenso, tanto como jogadora, como pessoa.

Inês Pereira recuperou alegria na Corunha
Inês Pereira recuperou alegria na CorunhaReal Club Deportivo de La Coruña

"Sinto-me muito agradecida ao Depor"

- O que é que se pode dizer desta temporada? A nível coletivo foi claramente muito desafiante, com a equipa a lutar pela manutenção até ao fim. Mas do ponto de vista individual, a Inês foi considerada a melhor guarda-redes da Liga F, com uma média impressionante de nove defesas por jogo. Superou as suas próprias expectativas?

- Não, não me surpreendeu, porque sei o meu valor. É verdade que, se calhar, não estava à espera de chegar à Liga F e encontrar uma competição tão exigente. Sabia que ia para um clube recém-promovido à primeira divisão, mas confesso que não esperava tanto trabalho como tive.

Sou bastante perfeccionista e, apesar de considerar que foi uma época positiva, sei que consigo fazer mais e tenho margem para continuar a crescer. A temporada começou de forma inesperada e não imaginava o impacto que iria ter, tanto no Deportivo como na própria Liga. Mas acabou de uma forma que eu não queria.

Sei que não terminei da melhor maneira, cometi alguns erros, e acho que é importante olhar para esta época não só para reconhecer o que fiz bem, mas, acima de tudo, para identificar o que fiz menos bem e trabalhar para ser mais consistente ao longo de toda a temporada.

Os números de Inês Pereira
Os números de Inês PereiraFlashscore

- É essa exigência consigo própria que a trouxe até onde está hoje?

- Sim, quero acreditar que sim. Acho que, se eu não me exigir a mim própria, ninguém o vai fazer por mim e ninguém me vai fazer render dentro de campo se eu não trabalhar para isso. É um bocado assim que eu penso.

- Como é que descreve a sua evolução enquanto guarda-redes face à exigência da Liga F? Esteve num clube que a obrigou a estar constantemente em jogo, muito mais exposta às ações ofensivas das equipas adversárias... 

- Mentalmente, sinto que hoje consigo controlar muito melhor as minhas emoções, assim como os tempos de jogo, algo essencial na posição de guarda-redes. Este ano, por sermos uma equipa que passava muito tempo a defender, houve momentos em que era preciso abrandar o ritmo, deitar-me no chão, ganhar tempo, permitir que a equipa respirasse… e isso foi algo que tive de aprender, porque na Suíça, por exemplo, jogava numa equipa muito mais dominadora, onde essa gestão não era tão necessária.

Depois, entre os postes, sinto que evoluí bastante. Voltamos àquela média de nove defesas por jogo - foi muito exigente, e tive mesmo de me superar. Os três postes são a minha vida, e tenho de dar tudo para continuar “viva” ali dentro.

- E em relação ao clube, como foi viver esta experiência no Deportivo? Como foi também viver na Corunha?

- Foi uma experiência muito positiva. Acabei por ganhar muito carinho pelo clube. Vinha de três anos na Suíça, e no último ano já me sentia demasiado confortável... O trabalho tornou-se muito rotineiro, e aquela paixão de que falei no início desta entrevista estava a começar a desaparecer. Ganhávamos, sim, mas eu não me sentia realizada. Faltava-me algo. Os dias tornaram-se todos iguais.

Ir para o Deportivo mudou tudo. Comecei a trabalhar no meu limite, a dar o meu máximo, e isso fez toda a diferença. Conheci pessoas novas, vivi num país diferente e, quer queiramos, quer não, isso transforma-nos. Sinto-me muito agradecida ao Depor. E agora… veremos o que o futuro me reserva.

- A Inês sai de Portugal, onde sabemos que a liga ainda não é profissional - com apenas alguns clubes a operar nesse regime -, passa pela Suíça, onde o futebol feminino continua maioritariamente amador, com muitas jogadoras a conciliarem o desporto com outro trabalho, e chega finalmente a Espanha, onde o futebol é verdadeiramente profissional e está claramente um passo à frente em relação às nossas realidades mais próximas. Que tipo de liga encontrou? Superou as suas expectativas? 

- Foi uma experiência incrível. É verdade que notámos alguma falta de experiência ao longo da temporada, mas o talento individual era impressionante. Muitas das minhas colegas têm qualidade para jogar no top 5 da Liga espanhola ou até bo top 5 de outras grandes ligas internacionais.

E acho que é isso que torna o futebol em Espanha tão especial: todas as equipas têm qualidade, todas as jogadoras têm um nível técnico e tático muito alto. Além disso, a mentalidade competitiva que existe lá é algo que, felizmente, também começamos a construir em Portugal, passo a passo.

- E em relação ao público, sentiu também uma diferença nesse aspeto? Notou uma maior presença, mais impacto nas bancadas?

- Sim, quando cheguei, uma das primeiras coisas que o diretor desportivo me disse, tanto a mim como à minha agente, foi que os adeptos na Corunha eram incríveis e levavam o futebol feminino muito a sério. E isso confirmou-se logo. Jogámos toda a temporada no estádio principal, o mesmo dos masculinos. Foi incrível.

Mesmo quando perdíamos, o público estava sempre a gritar por nós, a puxar por nós. Era uma força extra. Sinceramente, não me lembro de nenhuma equipa que tenha ido jogar ao Riazor e que tenha tido um jogo fácil, ou que tenha conseguido apresentar o seu melhor futebol. É quase impossível, com aquele ambiente. A energia que vem das bancadas é indescritível.

Para mim, isso é muito importante. Sim, o futebol é o meu trabalho, mas é também um espetáculo. É isso que queremos passar às pessoas. E acho que estamos a perder um pouco essa essência - o futebol tem-se tornado muito negócio e menos paixão.

Nós, enquanto jogadoras, tentamos dar sempre um bom espetáculo. Queremos que as pessoas se envolvam connosco, e também queremos agarrar-nos a elas. Porque, no fim do dia, se ganharmos, eles vão estar felizes. E se perdermos, vamos querer responder logo a seguir, porque eles merecem.

- Em jeito de curiosidade, qual foi a avançada que lhe deu mais trabalho?

- Foram muitas, mas talvez a (Clàudia) Pina, do Barcelona. Verdade seja dita, só a Cata (guarda-redes) é que não deu trabalho! (risos) A Pina fez uma temporada incrível, tanto no clube como na seleção, e foi, sem dúvida, uma das jogadoras que me deu mais prazer defrontar.

- É verdade que o futebol é um desporto coletivo, mas que significado teve para si o prémio de melhor guarda-redes da Liga F?

- Acaba por ser um boost, digamos assim, para tudo aquilo que sei que ainda posso dar. Receber este prémio individual, especialmente num ano de Europeu, dá-me uma força e uma motivação extra para continuar a trabalhar, para chegar ao Euro e afirmar-me como número um. E claro, o objetivo depois é manter esse registo e continuar a crescer.

Inês Pereira integra convocatória para o Euro-2025
Inês Pereira integra convocatória para o Euro-2025Ben STANSALL / AFP

Olhar para o Euro: "Temos capacidade para passar a fase de grupos"

- Pegando já nessa questão do Euro, é o próximo grande desafio que se aproxima. É verdade que os últimos resultados da Seleção não foram os mais positivos, mas isso não apaga o percurso que tem sido feito e o facto de estarmos novamente numa fase final é, por si só, muito significativo. Portugal vai estar num grupo muito exigente. O que podemos esperar?

- Eu acredito que temos condições para chegar à fase a eliminar. É verdade que não atravessamos o melhor momento, mas vamos ter alguns dias - talvez não tantos quanto gostaríamos - para preparar bem o Europeu, e isso vai ser fundamental.

Vai ser difícil, claro. Ninguém gosta de perder, mas é importante olharmos para os jogos anteriores e perceber onde não queremos voltar a estar. Temos de identificar o que precisamos de melhorar e o que fazer para dar a volta por cima.

O facto de o grupo ser muito semelhante ao que tivemos na Liga das Nações também pode jogar a nosso favor. Já conhecemos as equipas, e embora elas também já nos conheçam, isso dá-nos uma base para analisarmos o que fizemos bem e o que temos de corrigir.

Como disse no início, se conseguirmos competir ao nosso nível, jogar à Portugal, fazer as coisas certas nos momentos certos e mantermos a união coletiva, acredito mesmo que temos capacidade para passar à fase seguinte.

- É diferente vestir a camisola da Seleção?

- Sim, é diferente, claro. Trabalhamos um ano inteiro num clube, mas a sensação de representar o nosso país e todos os portugueses é algo muito especial. Para mim, tem ainda um peso maior porque era também um sonho do meu pai, um sonho que ele nunca conseguiu concretizar. Por isso, poder vestir a camisola de Portugal e dar alegrias ao nosso povo tem um significado enorme.

Como disse antes, o futebol é espetáculo. Quando ganhamos, fazemos as pessoas felizes. Vimos isso recentemente com a vitória da Seleção masculina na Nations League - o país pode não parar, mas vive-se uma grande festa. E essa sensação que conseguimos transmitir às pessoas… não há nada que pague isso. Não há nada que me encha mais de orgulho do que representar Portugal.

- O mister tem optado por alternar entre si e a Patrícia, algo que já se tornou uma prática habitual. Como é que, enquanto guarda-redes, lida com essa rotatividade? É algo que encaras com naturalidade? E como é que geres isso mentalmente, tendo em conta que, como disse há pouco, quer afirmar-se como número um?

- Sim, acho que se perguntarmos a qualquer jogadora, ninguém gosta de ficar de fora. Obviamente que eu quero jogar todos os jogos. E volto a referir: é importante para mim impor-me, mostrar que quero ser a número um e que quero conquistar o meu lugar.

Mas claro, essa é sempre uma decisão do treinador. O que me cabe a mim é continuar a trabalhar, dar tudo, e, no estágio seguinte, mostrar que estou pronta para jogar, seja dois jogos ou uma competição inteira, como o Europeu. O objetivo é ser consistente e afirmar-me como titular.

- Vocês vão juntar-se na próxima segunda-feira (passado dia 16 de junho), mas olhando para trás, como é que estava o grupo depois da última janela de estágio? Os resultados não foram os melhores e acabaram por quebrar um pouco a sequência positiva que vinham a construir. Como é que foi viver isso por dentro? Como é que se sentiram enquanto grupo?

- Ficámos desiludidas, não apenas pelos resultados, mas sobretudo pelo que apresentámos em campo, porque sentimos que aquilo não reflete quem somos nem aquilo que trabalhamos todos os dias para ser. Foi algo que falámos logo depois: não queremos voltar a estar naquela posição. Queremos dar a volta por cima.

E acreditamos que a melhor forma de o fazer é com um grande Europeu e chegar às fases a eliminar e mostrar o verdadeiro valor desta equipa.

- Esse é, digamos, o próximo grande objetivo enquanto jogadora da Seleção? Quebrar essa barreira e finalmente ultrapassar a fase de grupos? Estiveram muito perto no Mundial… Agora, esse é o passo que quer dar, também do ponto de vista individual, com a camisola de Portugal?

- Sim, não só porque já estivemos perto disso, mas porque acredito verdadeiramente que a Seleção tem qualidade para estar nesses grandes jogos e para passar a fase de grupos.

Acho que isso seria também uma recompensa justa por tudo aquilo que temos feito ao longo dos últimos anos. Já estivemos muito perto, e se há algo positivo que podemos tirar das nossas participações anteriores, tanto nos Europeus como no Mundial, é o facto de, em todas elas, termos chegado à última jornada ainda a depender de nós.

No Mundial, se calhar faltou-nos um bocadinho de sorte... Mas o caminho é continuar a trabalhar. E ter esse objetivo bem presente, porque é sempre mais fácil trabalhar com objetivos do que sem eles.

A crença de Inês Pereira para o Euro
A crença de Inês Pereira para o EuroOpta by Stats Perform, FPF

- Está fora há já quatro anos… Esse regresso à Seleção acaba por ser ainda mais especial? Voltar ao país, estar com ex-colegas de equipa, sentir novamente esse ambiente tão familiar… Notouessa diferença desde que começou a jogar no estrangeiro?

- Sim, não só a nível futebolístico, mas também a nível pessoal. Sinto que hoje dou muito mais valor às coisas, porque passo muito tempo fora e, infelizmente, estou sozinha. Curiosamente, às vezes até já me custa um bocadinho falar português como antes… dou por mim a pensar em duas ou três línguas ao mesmo tempo e depois sai uma mistura! (risos)

- Já se notam algumas muletas em espanhol (risos)...

- Sim, já falo aquele típico portunhol (risos), mas não há dúvida de que é muito especial voltar. Dou imenso valor às pessoas que tenho comigo, e uma das coisas que mais aprendi ao ir para fora foi precisamente isso, valorizar as pessoas à minha volta.

No Sporting criei amizades muito fortes, e poder reencontrar algumas dessas jogadoras na Seleção é incrível. Olhar para trás e perceber que éramos jovens com sonhos, e que hoje somos mulheres jogadoras, com percursos de sucesso, é algo que me enche de orgulho. Evoluir com elas, lado a lado, é mesmo muito especial.

Inês Pereira passou três temporadas no Servett
Inês Pereira passou três temporadas no ServettArquivo Pessoal

"Voltar a jogar no Stade de Genève é algo que me emociona"

- Como tem visto a evolução do campeonato em Portugal?

- Sinto que a qualidade da Liga tem vindo a crescer, mas ainda há margem para melhorar, claramente. Temos o Benfica, o Sporting e o SC Braga como as equipas mais competitivas. Este ano, o Torreense também esteve em bom plano, mas a verdade é que, a partir da metade da tabela para baixo, há equipas que não conseguem competir ao nível que gostariam.

E acho que é isso que falta à Liga: uma maior competitividade entre todas as equipas. Seria importante que, pelo menos, 80% das equipas do campeonato conseguisse disputar os jogos de forma equilibrada.

O Benfica tem-se destacado mais mas, na minha opinião, isso acontece também porque, neste momento, não há outra equipa em Portugal que consiga competir com elas de forma consistente. O Sporting, por vezes, ainda lhes causa dificuldades, mas muitas vezes, quando o Benfica não pontua, é mais por demérito próprio do que mérito do adversário.

E não digo isto para desvalorizar as outras equipas - há qualidade, sim - mas se olharmos para o nível do Benfica, ainda existe uma diferença considerável.

- Também muito por conta do investimento...

- Sim, sim, sem dúvida. Tudo está muito ligado ao investimento. E posso dar o exemplo aqui de Espanha: é verdade que o Barcelona continua a ser a força dominante, ganha a maior parte dos jogos com facilidade. Mas depois há o Real Madrid, o Atlético de Madrid, a Real Sociedad, o Athletic Bilbao… clubes que conseguem competir entre si e criar equilíbrio na liga. Mesmo nós, no Deportivo, conseguimos pontuar contra equipas como o Real Madrid, o Atlético ou a Real Sociedad. E isso torna o campeonato mais interessante e competitivo.

Em Portugal, à partida, já se sabe quais são as equipas que vão lutar pelo título e quais vão lutar para não descer. E a probabilidade de uma equipa do fundo da tabela ganhar a uma do topo é muito reduzida. Acho que é precisamente aí que a Liga precisa de crescer: criar condições para que os clubes de baixo também consigam competir com os de cima e tornar o campeonato mais equilibrado e atrativo.

O grupo de Portugal no Euro
O grupo de Portugal no EuroFlashscore

- Para fechar o tema da Seleção… Vai regressar a um país que, acredito, lhe diz muito e até a um estádio com um significado especial. Vão jogar em Genebra, onde viveu momentos importantes. Como é que imagina esse regresso?

- Vai ser especial. Apesar de, como disse há pouco, ter perdido um pouco da paixão pelo futebol durante o tempo que estive em Genebra, também sinto que cresci muito a nível pessoal. As pessoas tinham um carinho enorme por mim e nos jogos sentia sempre um apoio incrível. Por isso, voltar agora, reencontrar caras conhecidas, vai ser mesmo muito especial.

Ter a oportunidade de voltar a jogar no Stade de Genève é algo que me emociona, porque também vivi aí momentos muito felizes.

- A Suíça é também conhecida por ter uma comunidade portuguesa enorme. O que é que vocês esperam desse apoio? 

- Sim, sem dúvida. Apesar de estarmos fora de Portugal, temos sentido um apoio enorme. Em praticamente todos os jogos fora, têm aparecido muitos portugueses e acho que isso é algo que também conquistámos: ver os emigrantes a virem aos nossos jogos e a apaixonarem-se pelo nosso futebol.

Quando foi o sorteio, confesso que desejei logo que os jogos fossem na zona de Genebra, porque é uma região com muitos portugueses. Por isso, acredito que logo no primeiro jogo, contra a Espanha, vamos ter uma grande moldura humana, com muitos portugueses, muitos espanhóis também. Vai ser um jogo incrível, com um ambiente espetacular.

Inês Pereira cumpriu período de empréstimo no Deportivo
Inês Pereira cumpriu período de empréstimo no DeportivoReal Club Deportivo de La Coruña

"Fui muito feliz no Deportivo, mas o meu contrato pertence ao Everton"

- Há pouco disse que ainda não sabe muito bem o que lhe reserva o futuro. O próximo passo é, claro, o Europeu, mas e depois? Tem contrato com o Everton, que a emprestou ao Depor, uma vez que não podia jogar em Inglaterra por não ter os pontos suficientes. Nesse contexto, houve algum acompanhamento por parte do clube ao longo da temporada? Foram dando algum feedback? 

- Sim, o Everton foi acompanhando o meu percurso. Não falámos muito ao longo da época, mas sabiam como me estava a correr a temporada. Sinceramente, é um assunto sobre o qual não quero alongar-me muito neste momento.

Fui muito feliz no Deportivo, sem dúvida, mas no final do dia, o meu contrato pertence ao Everton e vamos ver o que o futuro reserva.

- Não lhe pergunto tanto sobre a próxima época, mas sim sobre aquilo que esta temporada lhe trouxe em termos de perspetiva. Receber este prémio individual, depois de uma época tão exigente, mudou de alguma forma a forma como olha para o futuro?

- Sim, acho que se continuar neste registo e a trabalhar como trabalhei esta época... Não digo que possa ser a melhor guarda-redes do mundo, mas acredito que posso, sim, tornar-me uma referência para muitas pessoas e estar entre as melhores. Não digo isto por arrogância nem por falta de humildade, mas porque sinto mesmo que é possível.

No futebol feminino, a posição de guarda-redes ainda tem muito por onde evoluir. Falta ainda aquela figura que se olhe e se diga: "esta é uma guarda-redes completa". E é nisso que eu trabalho todos os dias, para me tornar o mais completa possível. Este ano foi muito importante nesse sentido. Percebi onde consigo estar num nível muito alto, e também onde ainda tenho de melhorar bastante.

Jogar em Espanha é diferente de jogar em Inglaterra, e sei que vou ganhar outras coisas em Inglaterra. São esses pequenos detalhes, essas vivências diferentes, que acabam por me fazer crescer como guarda-redes. E claro, a confiança também conta muito. Receber prémios individuais, como este ano, dá-me ainda mais motivação para continuar a evoluir.

Lidar com o erro, segundo Inês Pereira
Lidar com o erro, segundo Inês PereiraOpta by Stats Perform, Dépor ABANCA

- Enquanto guarda-redes, está sempre muito exposta ao erro, não é? Pode fazer dez ou doze defesas num jogo, mas basta um pequeno deslize, uma falha de concentração, e acaba por sofrer um golo e isso marca logo o desempenho. Como é que lida com esse peso? Esta época, que foi tão exigente, mudou alguma coisa na forma como encara o erro?

- Estamos a falar do prémio de Melhor Guarda-Redes da Liga F, mas, lá está... eu sou muito exigente comigo mesma. Curiosamente, esta foi também a época em que cometi mais erros, porque estive mais exposta, enfrentei mais desafios, e isso faz parte. 

Tive de aprender a lidar com esses erros, a controlá-los emocionalmente e a usá-los como parte do meu crescimento. Foi um processo importante, porque percebi que errar também faz parte do caminho para me tornar uma guarda-redes mais completa.

- É daquelas pessoas que vai para casa e fica mesmo chateada com isso? Que leva o erro consigo depois do jogo?

- Sim, fico chateada, às vezes até choro e revolto-me com a vida (risos). Mas faz parte. Se erro no minuto cinco de um jogo, sei que isso não pode condicionar o resto da partida. Ainda faltam oitenta e cinco minutos e posso fazer a diferença nesse tempo.

Se calhar antes prendia-me muito ao erro. Agora já consigo dizer: “Ok, errei, mas siga”. Até porque, no fim, é sempre a última imagem que fica. E por isso tento garantir que essa imagem final seja positiva.

- Mas chegou alguma vez a receber um prémio de melhor em campo… e, mesmo assim, ficar chateada com a sua exibição?

- Não, nunca ganhei nenhum prémio de “melhor em campo” ou algo do género. Não sei bem o que teria de fazer mais para isso acontecer (risos). Mas faz parte. Eu acredito que vou crescer muito com os erros e para crescer com eles, é preciso cometê-los.

Claro que não gostamos de errar, ninguém gosta. Mas também ninguém é perfeito. E eu sei que não sou perfeita e que vou continuar a errar. O que me cabe é decidir o que faço com esse erro: fico presa a ele, ou escolho aprender? Dou-me ali umas horas de luto - choro, raiva, tudo - mas depois passa. 

Inês Pereira é uma das referências na posição de guarda-redes
Inês Pereira é uma das referências na posição de guarda-redesFlashscore

"A maioria dos sonhos que tive em criança consegui realizá-los"

- Inês, numa entrevista anterior contou que foi ao assistir a um treino dos seniores Atlético do Cacém e que foi aí que ganhou o “bichinho” de ir para a baliza. Se pudesse agora falar com essa jovem que estava na bancada, o que lhe diria?

- Diria que tomou a decisão certa ao escolher ir para a baliza. E também lhe diria para se esforçar um bocadinho mais na escola (risos). E diria que conseguimos. A maioria dos sonhos que tive em criança consegui realizá-los, muito graças àquele jogo a que fui assistir, em que olhei para o guarda-redes e pensei: “Este deve estar maluco!”. E decidi ser eu a maluca também. E como odeio correr… foi, sem dúvida, uma decisão acertada (risos).

- A baliza é uma posição muito especial para si. É a última barreira. O que sente que é realmente preciso para ser uma boa guarda-redes?

- O ponto fundamental? A parte da loucura. (risos) Felizmente, hoje em dia já existem escolas de guarda-redes e treinadores com muito mais conhecimento e técnica do que no passado. E acho que esta posição, que é tão ou mais importante do que a de um avançado, começa finalmente a ser mais valorizada.

Hoje em dia, os meninos e meninas ainda preferem marcar golos, mas poucos se lembram que pará-los também é essencial. Agora, se me perguntar como dar o “clique” para alguém querer ser guarda-redes… Não sei. No meu caso, foi olhar para uma pessoa num treino e pensar: “Ok, eu quero fazer isto também.”

Às vezes há guarda-redes que começam por acaso, até por não terem a qualidade que gostariam noutras posições — e depois tornam-se incríveis. Mas sim, se tivesse de apontar um fator essencial para ser guarda-redes, diria: tem de haver um toque de loucura. E colocaria isso mesmo no top 1. (risos)

Os próximos jogos de Portugal
Os próximos jogos de PortugalFlashscore

- Inês, o que gostaria que dissessem sobre si no dia em que decidir terminar a carreira?

- Gostaria que dissessem que fui um exemplo de trabalho e de humildade. Claro que é importante ganhar prémios individuais e adorava ser considerada a melhor guarda-redes do mundo. Mas, acima de tudo, quero que as pessoas olhem para mim como pessoa. Obviamente como futebolista também, mas principalmente como alguém que sempre foi trabalhadora, que deu o seu máximo, que respeitou o jogo.

E volto a tocar nisto: para mim, o espetáculo é muito importante. Quero que as pessoas se lembrem de mim não só pelas defesas ou pelas exibições, mas pelo que lhes proporcionava enquanto estavam ali a ver o jogo, pela emoção, pela entrega, pela paixão.

- E vamos ver um bom espetáculo da Inês na Suíça?

- Sim, irei trabalhar para isso.