Acompanhe a estreia de Portugal no Euro Feminino
Durante anos, sonharam apenas com a oportunidade de jogar. Hoje, sonham em fazer história. Mais uma vez. A Seleção Nacional feminina está pronta para dar o salto que falta e provar, no Campeonato da Europa, que Portugal já pertence à elite do futebol europeu.
Esse é o mote lançado por Joana Marchão, lateral do Servette, que recuperou a tempo de ser opção para Francisco Neto naquela que promete ser uma dura batalha… precisamente na "sua" Genebra.

"Já passámos por outras fases menos boas e conseguimos ultrapassá-las"
- Joana, o que é que podemos esperar de Portugal neste Campeonato da Europa?
- Podem esperar uma seleção muito unida, muito batalhadora e muito agressiva. Mas, acima de tudo, uma seleção que vai deixar os portugueses orgulhosos, disso tenho a certeza.
- Fala-se muito dos últimos resultados… Como é que tu encontraste o grupo?
- Estamos muito motivadas, porque já passámos por outras fases menos boas e conseguimos ultrapassá-las. E agora… isto é o Europeu. Acho que tudo o que ficou para trás tem mesmo de ficar para trás. Só podemos pensar no futuro.
- Dois dos adversários são os mesmos que defrontaram na Liga das Nações. Isso é positivo ou negativo? Gera mais nervosismo ou, pelo contrário, dá aquela vontade de vingança?
- Um Europeu é sempre uma competição diferente. Acho que todas as seleções começam do zero. Por isso, nós já conhecemos os adversários, claro que isso é um ponto positivo, mas nenhum jogo vai ser igual.
- E a nível mais pessoal, o que representa para si estar, mais uma vez, numa fase final com a Seleção?
- É um sentimento de muito orgulho ver o nosso nome na convocatória. Lá está, há dez anos isto era impensável. Estarmos hoje a fazer o que estamos a fazer, a qualificarmo-nos consecutivamente para fases finais, que era algo que poucos acreditavam.

- Sente que a mentalidade à volta da Seleção mudou? Antes, quando Portugal se qualificava, era visto como um feito enorme. Mas, se não acontecesse, também não havia grande desilusão, porque as expectativas eram mais baixas. Agora, já existe essa obrigação de estar sempre presente e, quando algo corre mal, como na Liga das Nações, já se critica. Sente esse salto na responsabilidade?
- Sim, acho que sim. E também acho que as pessoas já olham para nós de forma um bocadinho diferente. Tanto os adeptos como as seleções adversárias. Antigamente olhavam para Portugal como quem diz 'ah, é só Portugal'. Agora já não é assim. Agora já nos encaram com respeito, já há outra mentalidade. E isso, claro, deve-se às nossas qualificações.
- E ficou triste pelo Europeu ser na Suíça? (risos)
- Pelo contrário, pelo contrário. Não, fiquei mesmo muito feliz.
- Ainda por cima vão jogar no estádio do seu Servette.
- Sim, exato. Vou estar literalmente a jogar em casa.
- Sabemos que a Suíça, especialmente a zona de Genebra e a parte francesa, tem muitos portugueses. Que mensagem tem passado ao grupo? As suas colegas têm-lhe feito algumas perguntas sobre o país?
- Têm-me feito muitas perguntas, sim. Pedem-me ajuda, sobretudo para os familiares… perguntam-me muito como é que podem usar os transportes, como se podem deslocar. Tenho tentado ajudar nesse sentido. É um país fantástico e a nossa comunidade portuguesa lá é enorme. E aquilo que tenho vindo a dizer é que apoio não nos vai faltar.

Os dois anos no Servette e a chamada ao Euro: "Fiquei muito feliz"
- E o que é que estes anos na Suíça lhe trouxeram enquanto jogadora? Sente que houve mudanças?
- Acho que sou uma jogadora mais madura. Claro que isso também vem com a experiência e, pronto, cada competição que vou fazendo, cada momento, vou ganhando sempre um bocadinho mais de experiência e dessa maturidade.
- Sabemos que teve alguns problemas recentemente… Como é que se sente, não só fisicamente, mas também mentalmente? Porque acredito que, em contextos tão competitivos como este, o lado mental é fundamental.
- Sim, quando me lesionei durante a época foi muito difícil, porque havia sempre aquela dúvida: 'é possível ou não é possível?'. Felizmente…
- O facto de o Europeu ser na Suíça pesou ainda mais durante esses momentos de dúvida?
- Pesou um bocadinho. Acho que, nas primeiras semanas, o que me vinha sempre à cabeça era: 'Será que vou perder este momento?'. Um momento que é aqui, diante dos meus amigos e da minha família. Mas, felizmente, já estou recuperada e pronta para ser mais uma a ajudar.

- Quando viu o seu nome na convocatória, o que sentiu naquele momento?
- Ah, fiquei muito feliz, porque claro que há sempre aquela dúvida: será que vou estar bem? Será que as coisas vão correr bem? E acho que é também um voto de confiança por parte do professor.
- Vocês são claramente um exemplo para as novas gerações que estão agora a começar, olham para vocês como referências na Seleção. No seu caso, já apanhou uma fase em que o futebol feminino em Portugal começou a afirmar-se e a ter melhores condições, algo que muitas das jogadoras mais experientes da Seleção, infelizmente, não tiveram no início. Mas o que é que costuma dizer às mais jovens?
- Acho que, acima de tudo, nada é dado. Nada. As miúdas hoje em dia, claro, têm um caminho muito mais fácil do que o nosso e isso é fantástico, deixa-nos orgulhosas, porque aquilo que nós passámos, felizmente, elas já não vão ter que passar. Mas, ainda assim, nada lhes cai do céu. Têm de continuar a trabalhar, a querer mais e a crescer, porque todo o nosso esforço só faz sentido se for continuado pelas gerações futuras.

"Crescemos de uma forma brutal em 10 anos"
- A Joana quando começou a jogar futebol, alguma vez imaginou que ia conseguir este percurso? Chegar à Seleção, disputar fases finais… Alguma vez pensou que isso seria possível?
- Nunca! Acho que nunca me passou pela cabeça. Eu comecei a jogar futebol - nem falo de profissional, falo de futebol de 11 - no Ouriense. E quando recebi o telefonema do Sporting, nem queria acreditar. Pensei: 'O Sporting tem futebol feminino? Uau!' E depois dá-se este crescimento. Já foi há dez anos… E tudo o que aconteceu nestes dez anos foi tanta coisa. É muito tempo, mas ao mesmo tempo, parece que passaram num instante. E nós, em Portugal, crescemos de uma forma brutal.
- Foram muitas conquistas num curto espaço de tempo. Falávamos há pouco de 2017, ainda nem passaram dez anos desde a primeira qualificação para um Campeonato da Europa… e agora já estamos a falar da quarta presença em fases finais entre Europeus e Mundiais. É inacreditável, não é? Às vezes acorda e pensa: 'Isto é mesmo real?'
- Sim, às vezes temos aquelas conversas à mesa sobre as coisas que ainda precisam de ser feitas, as mudanças que ainda têm de acontecer. E depois pensamos: 'fogo, há dez anos não tínhamos nem metade do que temos hoje'. Mas também temos sempre aquele bichinho de nunca estarmos totalmente satisfeitas, queremos sempre mais, queremos sempre melhorar. E acho que é precisamente por isso que houve este salto, esta mudança no futebol feminino em Portugal. Porque nós, as mulheres do futebol feminino em Portugal, quisemos sempre mais. E é por isso que hoje estamos onde estamos.

- O que é que acha que ainda não vimos desta Seleção e que podemos vir a ver no próximo Campeonato da Europa? Fala-se muito de que o grande objectivo agora é passar a fase de grupos, algo que vocês próprios já assumiram publicamente.
- Acho que é exatamente isso. Já vamos em quatro fases finais e sinto que está na altura de darmos aquele passo em frente e de nos afirmarmos como uma Seleção de topo na Europa. E isso passa, claro, por conseguirmos finalmente ultrapassar a fase de grupos do Europeu.
- E pelo que tem visto nestes dias de trabalho, acredita que é possível ou considera que ainda é um sonho demasiado ambicioso?
- Não, para nós não há sonhos demasiado altos. Acho que o grupo está muito, muito focado nesse objetivo, porque, lá está, isto é bom para todos. Isto é por nós e para nós, mas também pelos portugueses. E é por aí que tem de passar a nossa mentalidade.
- Como é que descreve a vossa competitividade interna?
- Acho que é fundamental e que grande parte da nossa evolução passa precisamente por aí. Passa por termos mais competitividade, tanto na Seleção como nos clubes em Portugal. Falando do meu caso, se eu não tivesse a Catarina, a Lúcia ou a Ana Borges a competir comigo, eu própria não seria melhor jogadora. E acredito que elas lhe diriam exactamente o mesmo, porque esse é o nosso pensamento. Se a minha colega do lado for melhor, eu vou ter de me superar. E é aí que está o segredo da nossa evolução.

"Trabalha-se cada vez melhor em Portugal"
- Como é que imagina os próximos passos no desenvolvimento e na afirmação do futebol feminino em Portugal? Agora, estando a jogar fora, se calhar consegue ter uma perspectiva diferente daquilo que vai acontecendo cá dentro. É claro para todos que ainda há muito por fazer, mas também sabemos que este crescimento não depende apenas de uma pessoa, de uma organização ou de um clube, não é? Qual é, para si, o caminho que Portugal deve seguir para continuar a evoluir no futebol feminino?
- Acho que a Federação, com toda a ajuda que tem dado aos clubes, tem contribuído muito para o crescimento do nosso campeonato. Cada vez mais jogadoras de fora vêm para Portugal e isso, naturalmente, traz mais competitividade. E há um ponto fundamental: as nossas jogadoras das Sub-17 e das Sub-19 já têm uma formação pensada especificamente para elas. No nosso tempo, por exemplo, com treze anos tínhamos de jogar nas seniores e isso não ajudava no nosso desenvolvimento.
Hoje em dia, as meninas já têm tudo para conseguirem chegar ao patamar da Seleção A em condições cada vez melhores. Aliás, vimos agora as Sub-19 a vencer por 4-1 a Inglaterra e, na nossa altura, isso era impensável. E nota-se o crescimento, nota-se mesmo. Estávamos a ver o jogo e percebemos que a diferença já não está na qualidade técnica, porque isso nós também tínhamos, mas sim na capacidade física e na preparação que elas têm hoje. E isso, no nosso tempo, não existia, porque não tínhamos essas condições.
- Daqui a dez anos, como é que imagina que vai estar o futebol feminino em Portugal? O que é que acha que a Seleção será nessa altura?
- Acho que Portugal vai, sem dúvida, afirmar-se como uma das seleções de topo da Europa. Não tenho qualquer dúvida disso, porque vêm aí gerações com muita qualidade e, felizmente, cada vez se trabalha melhor em Portugal.

"Ainda há muito por fazer no futebol feminino em Portugal"
- Sente saudades de Portugal, no sentido de voltar a jogar cá? Ou, neste momento, encara o seu percurso como algo para continuar lá fora?
- Acabei de renovar por mais dois anos. Estou super feliz onde estou e, neste momento, sinto que este é o meu caminho. Depois… logo se vê.
- O que é que ainda a mantém com esse 'bichinho', de acordar todos os dias e pensar: 'uau, mais um dia de trabalho, mais um dia a fazer o que gosto'? Ainda sente muito esse entusiasmo?
- Ainda há muito por fazer no futebol feminino em Portugal.
- E o que é que ainda sente que lhe falta conquistar? Aquilo que pensa: 'Ok, ainda tenho de lutar por isto, ainda me falta alcançar este objetivo'?
- Lá está, falta colocar a nossa Seleção no topo… e mantê-la lá. Falta conseguirmos afirmar Portugal e pertencer, de forma consistente, a esse lote de seleções de elite, que é onde queremos realmente chegar. Porque é fácil lá ir, tocar nesse patamar, mas o mais difícil é conseguirmos ficar lá. E acho que esse é um dos grandes desafios. Aliás, há pouco falava com a Diana (Silva) e dizia-lhe que um dos meus maiores objetivos é fazer acontecer em Portugal, ajudar o nosso futebol, ajudar a jogadora portuguesa, contribuir para esse crescimento. E acredito que esta geração, que já está aqui na Seleção, tem essa responsabilidade de dar esse salto e deixar esse legado.
- Acha que os outros - e quando digo os outros, refiro-me às outras seleções - já olham para Portugal de forma diferente? Já sentem esse respeito fruto das conquistas que alcançaram?
- Sim, acho que sim. Antigamente, quando as seleções queriam um jogo amigável, chamavam Portugal. Agora já não é assim. Agora, quando querem um jogo competitivo, um jogo a sério, chamam Portugal. E isso mostra bem a evolução que tivemos.
- Não sei se, no passado, entrava para esse tipo de jogos com algum receio, com aquela expectativa, a pensar 'vou jogar contra esta jogadora top'. E hoje, sente que já é diferente? Já entra em campo a pensar 'atenção, elas também olham para nós'?
- Nós olhávamos e pensávamos: 'Bem, vamos jogar contra os Estados Unidos… pronto, vai ter que ser'. Agora não, agora é diferente. Agora é: 'Ah, vamos jogar contra os Estados Unidos? Então que venham elas'.
- No dia em que decidir terminar a sua carreira, o que é que espera que as pessoas respondam quando perguntarem: 'Quem foi a Joana? O que é que ela fez?'
- Não sei… Eu gosto muito de passar assim um bocadinho pelos pingos da chuva (risos). Prefiro que, um dia, digam: 'Ah, ela fez parte daquela geração que passou a fase de grupos do Europeu, na Suíça'.
- E se hoje pudesse sentar-se frente a frente com aquela Joana que começou no Ouriense… O que é que lhe dizia, sabendo tudo o que conquistou e tudo o que ainda vem aí?
- Que vai ser difícil, muito difícil, mas que no final vai valer a pena.
