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Opinião: Como a Copinha passou de "celeiro de talentos" a "feira de joias"

Equipa do bicampeão Palmeiras na estreia da Copa São Paulo 2024
Equipa do bicampeão Palmeiras na estreia da Copa São Paulo 2024Ag. Paulistão
São 3.745 jovens jogadores a tentar um lugar ao sol na Copa São Paulo de Futebol Júnior, que começou nesta semana. Mas, ao contrário do que sucedia, com um “celeiro” das novas revelações do futebol brasileiro, o torneio consolidou-se como um autêntico viveiro para clubes e empresários fazerem dinheiro com suas “joias da formação”.

Não é à toa que o termo “joia” – que, como sabemos, é um bem valioso – vem ganhando mais espaço na mídia nos últimos anos.

Segundo a ferramenta Exploding Topics, “joia” já é mais usado em notícias que aparecem no Google Notícias do que o termo “cria" da formação.

Cria, como sabemos, é um animal, não um bem, e a escolha de palavras escancara como o futebol moderno passou a tratar os atletas sub-20.

Manchetes do ge, CNN, R7 e Terra
Manchetes do ge, CNN, R7 e TerraReprodução

A Lei que mudou tudo

A revolução que trouxe a supermercantilização dos futebolistas veio com a Lei Bosman, regra que revolucionou o desporto em 1995.

Nascida depois do ex-jogador belga Jean-Marc Bosman ter ganho um processo contra o RFC Liege, a sua equipa na altura, a lei permitiu que atletas deixassem os seus clubes no término dos seus contratos.

Antes de 1995, os clubes detinham o famigerado “passe” dos jogadores. Depois daquele ano, livres para decidirem os seus destinos, as jovens promessas podiam buscar contratos melhores.

E uma das consequências da revolução Bosman foi que ela abriu a porta para os clubes mais ricos assinarem com os melhores jogadores.

Em menos de cinco temporadas após a regra entrar em vigor, o futebol sul-americano não conseguia mais segurar os seus craques, que passaram mudar-se para a Europa a toque de caixa.

Estêvão já aumentou de preço após brilhar na primeira partida do Palmeiras no torneio
Estêvão já aumentou de preço após brilhar na primeira partida do Palmeiras no torneioSE Palmeiras

Copinha na vitrine

Sob esta nova ordem, o mercado da bola inflacionou ano a ano e expandiu os seus tentáculos para atletas cada vez mais jovens.

E a Copinha tornou-se a feira perfeita dos novos talentos deste mercado.

Tem tanto clube e empresário desesperado em fazer dinheiro – e tanto jogador a precisar de um bom negócio – que o torneio aumentou de 36 equipas em 1990 para 128 em 2023. Um aumento de "apenas" 355%.

Em 2008, o Botafogo recusou participar no torneio devido à invasão de equipas de empresários (como o famigerado Roma Barueri, que era uma equipa alugada, e venceu a Copinha de 2001).

Hoje o Fogão entendeu que o torneio não é mais aquele que produziu finais épicas como o São Paulo x Corinthians de 1993, e está muito feliz a disputar o campeonato atual, ao lado de dezenas de clubes esquisitos – e esperando ter lucro e revelar "joias" como todos os outros.

Quase 30 anos após a lei que aboliu o passe, a Copa São Paulo de Futebol Júnior tenta manter o seu charme, convivendo com a sua função moderna, que agora é a mais importante de todas: produzir, lapidar e tentar vender rubis e diamantes.

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