É uma das rivalidades mais quentes do futebol europeu e que transborda o relvado. Com o primeiro jogo a acontecer em 1921, o De Klassieker entre Ajax e Feyenoord coloca frente a frente duas cidades que simbolizam estilos de vida muito diferentes: Amesterdão mais cosmopolita (virada para as artes e isso tem reflexo num estilo de jogo que orgulha os adeptos) frente a Roterdão, dos trabalhadores (essencialmente das docas) orgulhosos da ética laboral.
Não é por isso de admirar que o advento do hooliganismo na década de 1970 no Reino Unido tenha feito a curta viagem até aos Países Baixos e acrescentou uma camada de violência a uma já quente rivalidade. Isto numa altura em que quer Ajax, quer Feyenoord e até mesmo a seleção estavam a ter sucesso internacional.
Wim Jansen e Johan Cruyff
A primeira situação a transbordar para o relvado aconteceu no início dos anos 80. Depois de representar o Feyenoord durante 15 anos, Wim Jansen mudou-se para a Amesterdão. A estreia pelo Ajax aconteceu em Roterdão e, como tal, a receção não foi calorosa, com o jogador a ser atingido por uma bola de gelo que o obrigou a receber tratamento. Johan Cruyff fez o caminho inverso três anos depois e acabou por cair em desgraça dos dois lados, com alguns adeptos do Feyenoord a recusarem-se a assistir aos jogos em que a lenda neerlandesa participava.

A batalha de Beverwijk
Quase a chegar ao século XXI acontece o episódio mais infame desta rivalidade. Em 1997, adeptos de Ajax (jogo com o RKC Waalwijk) e Feyenoord (ia jogar com AZ Alkmaar) encontraram-se na autoestrada de Beverwijk e irromperam em agressões. Os confrontos com facas, tacos de basebol, barras de ferro e marretas resultaram em tragédia.
Carlo Picornie, um dos líderes do F-Side, claque afeta ao Ajax, morreu com três facadas nos pulmões. Um jovem de 21 anos foi condenado por homicídio.
Quase 10 anos depois, novos sinais infelizes de violência. Em 2004, durante um jogo das equipas secundárias, Jorge Acuña teve de receber tratamento hospitalar depois da claque do Ajax ter atacado os jogadores do Feyenoord. Um ainda desconhecido Robin van Persie escapou ao ser resgatado por John van’t Schip, então treinador da equipa do Ajax.
No ano seguinte, a derrota do Feyenoord em Roterdão resultou numa série de motins sem precedentes entre elementos das duas equipas.
Ausência de adeptos
Em 2009, de forma a tentar placar a violência, os autarcas das duas cidades, em acordo com a federação neerlandesa (KNVB) levaram avante uma proibição de adeptos visitantes durante cinco temporadas. Contudo, no regresso dos adeptos, na final da taça de 2014, os elementos afetos do Ajax interromperam a partida com artefactos pirotécnicos e o emblema de Amesterdão decidiu prolongar a suspensão até 2017.
Nem a juventude escapa
Se é certo que os incidentes têm mais visibilidade nos jogos entre as duas principais equipas, os duelos menos sonantes também não escapam. Em maio de 2019, existiram confrontos durante um duelo entre os amadores do AVV Swift (de Amesterdão) e o SC Feyenoord (de Roterdão).
No mesmo ano, a final do campeonato de juniores foi decidida entre Ajax e Feyenoord, e autocarro da equipa de Roterdão foi apedrejado à chegada ao De Toekmost, sendo que o jogo teve mesmo de ser adiado depois das famílias dos jogadores do Feyenoord terem sido atacadas. Realizou-se sem adeptos nas bancadas.
Regresso dos adeptos
A pandemia de Covid-19 retirou adeptos aos estádios. Aquando do regresso existiu novamente abertura para que as bancadas visitantes do De Klassieker também voltassem a ficar preenchidas. Mas não resultou.
Na época passada, nas meias-finais da Taça dos Países Baixos, o jogo esteve interrompido durante 20 minutos quando uma pilha vinda das bancadas do De Kuip atingiu Davy Klaassen, que ficou a sangrar. Foi preciso John de Wolf, adjunto do Feyenoord e uma das lendas do clube, pedir calma aos adeptos para que a partida fosse retomada.

Esta situação levou, de resto, a KNVB a tomar duras medidas e obrigar à interrupção dos jogos durante 20 minutos se objetos fossem atirados para relvados. Duas paragens significariam a suspensão do jogo. Para combater isto, o Feyenoord ergueu barreiras protetoras nas bancadas, que só não aparecem no estádio durante os jogos europeus, porque a UEFA não quer nada a obstruir a transmissão televisiva.

Este domingo, novo episódio infeliz, mas desta vez em Amesterdão. Com a equipa a atravessar um dos piores momentos do século XXI e a perder por 0-3 com o grande rival, os adeptos do Ajax não esconderam a frustração. Além da suspensão do jogo, também irromperam confrontos pela cidade, em mais um capítulo triste desta rivalidade.