Poucos imaginariam, quando o Catar foi escolhido, para surpresa geral, para acolher o Campeonato do Mundo de 2022, à frente dos Estados Unidos, da Coreia do Sul, do Japão e da Austrália, que a FIFA designaria duas edições da competição emblemática, sem suspense nem debate público.
Esta dupla designação, que poderia passar por uma mera formalidade durante um congresso virtual, não deixa de fazer lembrar a designação, em outubro de 2023, dos anfitriões dos Campeonatos Europeus de Futebol de 2028 e 2032 para o Reino Unido-Irlanda e Itália-Turquia, respetivamente, os únicos que se disponibilizaram.
Por seu lado, o Comité Olímpico Internacional atribuiu, como previsto, em julho passado, os Jogos Olímpicos de inverno de 2030 aos Alpes franceses e os de 2034 a Salt Lake City, uma consequência do seu novo procedimento que seleciona os "anfitriões preferenciais" vários meses antes da votação final.
Basta olhar para as competições femininas, por enquanto ostensivamente menos dispendiosas, para ver alguma concorrência: o Campeonato do Mundo de 2027 (atribuído ao Brasil contra o trio Alemanha-Bélgica-Países Baixos), o Euro-2025 (quatro candidaturas em disputa, tendo a Suíça sido escolhida) e o Euro-2029 (cinco candidaturas apresentadas, incluindo Portugal).
Campeonato do Mundo "monstruoso" com 48 equipas
Nos países democráticos, as reticências da opinião pública quanto ao impacto orçamental e ambiental dos grandes eventos desportivos explicam a recusa de muitas regiões em acolher os Jogos Olímpicos, nomeadamente na Escandinávia, no Canadá e na Suíça.
Mas a corrida desenfreada ao gigantismo dos organismos de futebol, bem como "a enorme complexidade dos Jogos Olímpicos em termos jurídicos e de segurança", reduzem também o número de países capazes de os acolher, afirma Pim Verschuuren, professor-investigador da Universidade de Rennes-II, em entrevista à AFP.
"Um Campeonato do Mundo com 48 equipas", ou seja, 104 jogos da edição de 2026, repartidos entre os Estados Unidos, o Canadá e o México, contra 64 do Mundial de 2022 no Catar, "é monstruoso", resume o especialista em geopolítica desportiva.
Vinte estádios com uma capacidade entre 40.000 e 115.000 lugares estão a concorrer para acolher o Mundial de 2030 entre Espanha, Portugal e Marrocos, sem contar com os três "jogos do centenário" na Argentina, Uruguai e Paraguai, em comparação com os oito recintos no Catar, em 2022.
Para as organizações desportivas, estas atribuições dirigidas têm várias vantagens: evitam o desgaste e o custo dos confrontos entre candidatos, bem como os escândalos de compra de votos que abalaram o COI e a FIFA em igual medida.
"Evita que os derrotados sejam envergonhados de uma forma muito visível, o que poderia dissuadi-los de se candidatarem novamente", explica Raffaele Poli, diretor do Observatório do Futebol em Neuchâtel, na Suíça.
Direitos humanos e ambiente
Mas há o risco de a ausência de concorrência neutralizar todos os critérios ambientais ou sociais, que são cada vez mais preocupantes.
A FIFA publicou a sua avaliação das candidaturas de 2030 e 2034 no final de novembro, estimando que os compromissos da Arábia Saudita em matéria de direitos humanos exigiriam "um esforço significativo em termos de tempo e energia" até ao concurso.
Mas essa publicação "não tem qualquer peso na decisão quando não há mais ninguém na corrida", escreve Raffaele Poli.
De uma forma mais geral, no caso de eventos globais com impacto direto em dezenas de milhares de pessoas e que envolvem finanças públicas, "há pouco espaço para o debate público", diz Pim Verschuuren.
A Amnistia Internacional e a Aliança para os Desportos e Direitos tentaram pedir a suspensão do processo de candidatura de 2034, para obter garantias sobre o destino dos trabalhadores migrantes mobilizados na Arábia Saudita, bem como sobre o acolhimento não discriminatório dos adeptos.
Mas a possibilidade de debate pode fechar-se rapidamente, especialmente porque a votação comum para 2030 e 2034 "também reduz a possibilidade de as federações que o desejem fazer" fazerem ouvir as suas eventuais reservas sobre o dossier saudita, diz Verschuuren.