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Ricardo Chéu: "Sempre que comecei um projeto desde o início, os resultados apareceram"

Ricardo Chéu deixou o comando técnico do Petro de Luanda
Ricardo Chéu deixou o comando técnico do Petro de LuandaPetro de Luanda, Flashscore

Depois de uma passagem marcante pelo Petro de Luanda, onde conquistou a Supertaça e liderava confortavelmente o campeonato angolano, Ricardo Chéu é um treinador com sentimentos mistos. Entre a surpresa da saída precoce e o orgulho pelo trabalho feito, o técnico reflete sobre a carreira, os desafios culturais em África e a ambição de voltar a integrar um projeto sólido, dentro ou fora de Portugal, em entrevista exclusiva ao Flashscore.

– Acabou de sair do Petro de Luanda. Como foi esta experiência em Angola?

– Acima de tudo, foi uma experiência muito enriquecedora em termos culturais. Mais uma etapa que acrescento à minha vida profissional, num clube que, muitas vezes, nós, enquanto portugueses, desvalorizamos um pouco, por desconhecimento do que se passa lá fora. Eu próprio tinha essa perceção até viver a experiência. Trata-se de um clube com um potencial enorme - estamos a falar do maior clube de Angola, com milhões de adeptos. Infelizmente, terminou mais cedo do que eu esperava, mas o trabalho foi muito bem feito. Conquistámos a Supertaça, que era um dos meus objetivos ao chegar a Angola: conquistar títulos num clube grande. Gosto de jogar para ganhar sempre, e sabemos que, quando estamos num clube que oferece boas condições de trabalho, estamos mais próximos do sucesso. Foi isso que procurei nesta nova aventura, desta vez em Angola.

– Venceu a Supertaça, o Petro está na frente da classificação do Girabola. Foi por causa da eliminação da Taça que saiu? Qual foi a explicação dada?

– Até hoje, custa-me entender porquê. Estamos a falar de um contexto diferente, com uma abordagem completamente distinta da que temos na Europa. A época começou bem, com a conquista da Supertaça. Entretanto, falhámos o objetivo de entrada na Liga dos Campeões, e penso que esse foi o grande problema da minha passagem pelo Petro. Era uma meta que tínhamos. Não fomos felizes - não por demérito próprio -, apanhámos uma eliminatória difícil contra o Maniema, do Congo. Perdemos por 2-1, no último minuto, num lance irregular. Depois, fizemos um excelente jogo em casa, mas pecámos na finalização, empatámos e fomos eliminados. A partir daí, tivemos oito vitórias consecutivas no campeonato. Desde a 1.ª jornada, liderámos e só tivemos uma derrota, num jogo que ainda está a ser examinado pela federação, devido à possível utilização irregular de um jogador do 2.º classificado - o que, eventualmente, nos poderá valer a vitória na secretaria.

Petro mantém-se na liderança do Girabola
Petro mantém-se na liderança do GirabolaFlashscore

Estamos a falar de um campeonato com apenas uma derrota, que poderá nem contar. Foram 26 jogos na liderança. Quando saí, tínhamos uma vantagem confortável e poderíamos ser campeões já neste fim de semana. O Petro perdeu, infelizmente, com outro treinador, mas podia ter-se sagrado campeão. A minha saída foi uma grande surpresa. Após o jogo da Taça - onde, ironicamente, fizemos a nossa melhor exibição coletiva da temporada - empatámos 1-1 e fomos eliminados nos penáltis. No final, a quatro jogos do fim, foi-me comunicado que a equipa jogava muito bem, tinha excelentes processos, criava oportunidades, mas faltava-lhe sorte. Foi este o argumento apresentado. Tenho de aceitar, embora com tristeza, pois estávamos muito perto do objetivo de sermos campeões - e acredito que isso ainda vai acontecer com naturalidade. Gostaria de ter o prazer de levantar a Taça no dia 24 de maio, mas isso não sairá do meu currículo, porque 95% do trabalho foi feito pela minha equipa técnica e pelos jogadores. Essa foi a justificação: nada mais. Estavam muito satisfeitos, deixámos uma marca incrível no clube, nunca houve falta de respeito de nenhuma das partes. Mas, culturalmente, as coisas não funcionam como na Europa. É aceitar, fazer as malas e regressar ao meu país, à espera de um novo projeto onde possa consolidar e dar continuidade ao que foi feito este ano.

– Ainda é novo, mas já são muitos anos de profissão. Que ilações tira da carreira de treinador de futebol?

– A nossa vida é ingrata em muitos momentos. Dizer que vivemos exclusivamente da nossa competência não é verdade. Existem muitos fatores que influenciam o nosso sucesso. Hoje, falar em “projeto” no futebol é difícil. Os treinadores estão sujeitos a uma pressão enorme, e, com naturalidade, são acusados de falta de competência, mesmo quando a responsabilidade não é sua. Temos de seguir em frente. Com os anos, vamos ganhando experiência e a astúcia necessária para conduzir plantéis compostos por jogadores com valores e objetivos distintos. O jogador, numa primeira fase, pensa sempre no “eu”, depois no grupo. Nós, treinadores, colocamos o grupo acima de qualquer individualidade. Esse é o nosso grande desafio: gerir um grupo de trabalho com expetativas e perfis diferentes. Esta experiência trouxe-me um contexto totalmente novo. Já tinha trabalhado na Europa, fora de Portugal, em várias primeiras ligas. Agora, em África, foi claramente o desafio mais exigente, em termos culturais e de adaptação. Quando se diz que o treinador português tem sucesso no estrangeiro, isso está relacionado com a nossa capacidade de adaptação e com a nossa metodologia.

Ricardo Chéu conquistou a Supertaça no início da época
Ricardo Chéu conquistou a Supertaça no início da épocaPetro de Luanda

– Nos últimos clubes que representou em Portugal, só esteve uma temporada ou alguns meses - Estrela, Vilafranquense, Oliveirense. Falta alguma estabilidade? Um projeto mais duradouro que o seduza?

– Acho que isso tem sido uma marca da minha carreira em Portugal: sou associado a projetos para salvar equipas em situações difíceis. Isso aconteceu em vários clubes. Onde tive alguma estabilidade foi no Académico de Viseu, durante três temporadas, em que realizámos excelentes trabalhos, fruto dessa continuidade, mesmo com grande instabilidade financeira. Foi um período difícil para o clube, mas conseguimos sempre atingir os objetivos.

É verdade que os últimos anos têm sido duros. Sempre que iniciei projetos - em contextos diferentes - consegui cumprir os objetivos profissionais e os do clube. Fora de Portugal, isso tem acontecido com maior regularidade, porque comecei os projetos desde o início e houve estabilidade. Na Eslováquia, fiz dois excelentes trabalhos, no meu entender. No Petro de Luanda, o mesmo. Em Itália, comecei a época e saí a meio, para aceitar uma proposta da Eslováquia. Sempre que iniciei um projeto, as coisas correram dentro do previsto. Em Portugal, infelizmente, tenho entrado sempre a meio das épocas. No ano passado, fizemos um excelente trabalho na Oliveirense, que estava numa situação muito difícil. No Estrela da Amadora, foi uma época bastante complicada. No Vilafranquense, apanhei uma fase de transição, com Vilafranquense – AFS. Falta alguém apostar em mim para começar um projeto com cabeça, tronco e membros, acreditando que, deste lado, terão sempre uma pessoa super dedicada. É isso que quero que vejam quando saio dos projetos: dedicação, competência e profissionalismo.

Ricardo Chéu aborda motivos da saída
Ricardo Chéu aborda motivos da saídaPetro de Luanda, Opta by Stats Perform

– Virando a agulha para o futuro: Portugal, estrangeiro? Está aberto a qualquer tipo de experiência?

– Sim, sou treinador de futebol, e um treinador de futebol pode estar em qualquer parte do mundo. Naturalmente, tenho a ambição de trabalhar na Liga Portugal - é um dos meus objetivos. Mas tenho outros por concretizar. Olhando para o meu percurso com 43 anos, já passei por várias primeiras ligas europeias e, agora, por este contexto africano. Já trabalhei em contextos de Liga Europa, fui um dos treinadores mais jovens de sempre na Liga Portugal. Gostava de fazer parte do círculo restrito da Liga, mas não fecho a porta a nenhum projeto - seja na Liga Portugal, na Liga 2 ou no estrangeiro. Gosto de desafios, gosto de trabalhar, de arregaçar as mangas. Tenho a certeza de que mais oportunidades virão. Nos últimos anos, até tenho mais percurso internacional do que nacional. Quero um projeto que me permita começar de raiz e valorize o meu trabalho enquanto treinador.

– Foi adjunto durante algum tempo, trabalhou com vários treinadores. Tem alguma referência? Quem mais o marcou até agora?

– Iniciei a minha carreira como preparador físico - sou licenciado em Educação Física -, e fui preparador físico de dois campeões europeus, curiosamente. Um deles foi o Eduardo Luís, num contexto de terceira divisão, na antiga Segunda B, agora Liga 3. Foi alguém que me marcou, por ter sido com ele que comecei no futebol sénior, e também pela sua simplicidade. Fui seu adjunto, e depois ele foi meu adjunto. Criou-se uma amizade para a vida. É alguém com quem me identifico muito.

Depois, claro, o Jorge Costa. Foi uma pessoa com quem gostei muito de trabalhar. Tivemos, na minha opinião, muito sucesso. Fomos campeões da Liga 2 com o Olhanense, mantivemos o clube na Liga Portugal e estávamos a fazer um excelente trabalho na Académica. São duas pessoas que me marcaram e continuam a marcar.