- Como é a sua vida hoje em dia fora dos relvados?
- Estou perto da idade da reforma e estou preparado. Trato de assuntos jurídicos, tenho questões imobiliárias e só me restam alguns anos.
- Como é que vê o futebol hoje, a partir da sua situação? Mudou muito?
- Penso que mudou completamente. É um mundo totalmente diferente a todos os níveis, a nível desportivo, a nível institucional, a nível de gestão. Penso que é um mundo mais profissionalizado, muito mais técnico a todos os níveis e com mais preparação do que no passado. Penso que o meu tempo foi uma transição entre o que era o futebol e o que é hoje uma gestão desportiva de um clube e o que é um sistema de formação. É muito, muito diferente.
- Falando da sua carreira, era jogador do Mestalla quando chegou ao Valência, à equipa principal.
- Sim, joguei na formção do La Salle e de lá fui para o Mestalla. Havia uma divisão de juvenis em que o Valência estava na mesma equipa que eu jogava em Palma e daí passei para o Mestalla. Estive no Mestalla cerca de dois anos e no segundo ano houve uma greve de futebolistas e, em consequência da greve, estreei-me na Primeira Divisão e fiquei na equipa.
- Esteve lá até 1986. Como viveu esse ano? Como vê a situação do Valência em comparação com a que viveu?
- Foi um ano difícil para o Valência. Era um ano que se estava a arrastar há anos. Havia problemas económicos muito importantes que nos impediam de renovar a equipa e de fazer certos investimentos. Isso fez com que, num ano, nos salvássemos no último jogo e, no ano seguinte, fôssemos despromovidos. Não foi um caso isolado, mas algo que se arrastava há várias épocas. Sentimos isso muito mal porque nunca pensámos que podíamos ser despromovidos. Pensámos que íamos conseguir resolver as coisas, que íamos conseguir resolver o problema, que tínhamos capacidade, mas acabou por acontecer uma série de resultados e o calendário também não nos favoreceu porque tínhamos de jogar um jogo importante em Barcelona. Mas estes são acontecimentos pontuais. Há uma base sólida, a despromoção deve-se a uma série de erros e outras coisas. Não se é despromovido por causa de um jogo. É complicado jogar, é complicado ser adepto nestas circunstâncias, mas penso que há uma grande margem de manobra. Resta toda a segunda metade da época e penso que vamos conseguir salvar a situação, pelo menos assim o espero. Não vejo grande diferença de pontos. Hoje em dia, com o sistema de três pontos, é mais fácil obter todos os bons resultados e estar quase a meio da tabela.

"A essência do clube perdeu-se, ficou muito desvalorizada"
- E o clube precisava de uma mudança, de uma revolução. Como é que vê a situação com este proprietário que, segundo se diz, terá tido medo da despromoção?
- Bem, isto é uma consequência do que estávamos a falar no início da entrevista, da diferença entre o futebol de hoje e o futebol de antigamente. Antes havia um conceito, havia uma particularidade. Cada equipa tinha uma essência, tinha uma forma de atuar e havia um espírito valenciano, para lhe chamar de alguma forma. Hoje em dia, é um homem que está na China, compra uma equipa em Valência e, como fez o investimento e todas as acções são dele, faz o que quiser nesse clube. Perdeu-se a essência do que é o clube. Para este homem, o clube é um negócio e isso tem de ser compreendido. É uma mudança radical de tudo, de filosofia, de tudo. Hoje em dia, são poucas as equipas que conseguem manter um pouco dessa filosofia de clube ou do que era antes. Penso que o Valência perdeu essa identidade ao longo dos anos. Não os adeptos, porque os adeptos são os únicos que a mantêm, mas o próprio clube, a mentalidade dos jogadores, profissionalizou-se demasiado e perdeu muito valor. Penso que falta essa essência que está representada nos jogadores que atualmente ocupam cargos representativos no clube, como Voro ou Ricardo Arias. Ninguém duvida de que são valencianos e que, por vezes, houve uma equipa valenciana. Quando lá estivemos, vieram pessoas de fora, logicamente, algumas juntaram-se, mas a equipa era da terreta.
- O Cádiz chegou para continuar na Primeira Divisão, fez uma proposta por si e também esteve lá durante seis anos em La Tacita de Plata.
- Estivemos alguns anos, eu vinha de um período praticamente muito curto na Primeira Divisão e conseguimos ficar quatro ou cinco anos seguidos. Foi talvez uma das melhores épocas que o Cádiz teve. E está a acontecer um pouco o mesmo que em Valência. A equipa perdeu um pouco da sua identidade de Cádis. Havia Pepe Megías, Mágico González, Carmelo, Chico Linares, Juan José. Jogadores que nasceram lá e que trouxeram esse ADN cadista. Foram anos muito bons. Eram totalmente diferentes da experiência em Valência a nível desportivo e tenho boas recordações deles.
- Chegou a coincidir com o Mágico?
- Sim, coincidi com o Mágico.

"Mágico González era um jogador que reunia todas as condições"
- Era tão mágico como o seu nome indica?
- Era mais. Era um jogador que tinha todas as qualidades. Era rápido, tinha um bom drible, tinha um bom remate, tinha velocidade, sabia posicionar-se no campo, tinha golo. Era um jogador excecional. O que aconteceu é que o seu carácter o influenciou a não atingir mais objectivos, a não querer atingir mais objectivos, a não mudar de clube, a não fazer certos sacrifícios para ser mais reconhecido como jogador, porque ele gostava disso.
- Foi um período incrível com a equipa amarela e, em 1992, chegou ao Saragoça, uma equipa muito poderosa nessa altura, no início dos anos 90, onde jogou mais uma época antes de se retirar.
- Sim, estive com o Cedrún e com o Paquete Higuera, que também é de Maiorca. Sim, foi uma época. Eu já estava reformado. Tinha-me licenciado em Direito e queria mudar um pouco e começar a exercer. Foi por isso que saí e nesse mesmo verão recebi um telefonema do Saragoça, que tinha tido um problema com um guarda-redes que tinha contratado. Um homem do Espanyol, um tal Toni, tinha sido contratado e depois foi para outra equipa. Resumindo, precisavam de um guarda-redes e coincidiu que eu já lá estava nesse verão e já pensava em não jogar mais.
"Se formos eliminados neste momento na Taça, é melhor"
- O sorteio da Taça do Rei tem um Valência-Barcelona. O Valência está ansioso pelo que, à partida, parecia impossível...
- Bem, acredito sinceramente que essa competição é supérflua. É desnecessária porque estamos numa situação delicada no campeonato, temos de enfrentar uma série de jogos de maior nível contra rivais importantes e isso significa, antes de mais, desgaste, cansaço, viagens e mais jogos que temos de disputar. Se tiveres de descansar alguém, tens de o fazer. Se é preciso descansar alguém, também não se pode. Penso que, neste momento, a prioridade é o campeonato. E a Taça, bem, acho que seria importante fazer um bom resultado contra o Barcelona e se formos eliminados nesta altura é melhor. Se estivermos a meio da tabela ou na metade superior da tabela a lutar para entrar na Europa ou algo do género, é diferente. A dinâmica da equipa, de tudo, é diferente. Neste momento, jogar na Taça é uma desvantagem.

- É preferível não jogar a Taça, porque se retiram jogos, se retira o risco de lesões, se tem mais tempo para preparar os jogos que nos interessam. Agora tudo muda, a situação em que se encontra o Valência muda tudo, porque já não é um campeonato normal. Agora joga-se contra as sete ou oito equipas do fundo da tabela, as que estão a cinco ou seis pontos, sete pontos. Agora é melhor perder contra o Madrid do que não perder contra o Valladolid. Porque é uma equipa que tu, esta é a mesma situação que tu, não somas e a outra equipa soma. Por isso, agora há que dividir a classificação em duas, ver com que equipas estamos a recuperar e tentar marcar ou tentar ganhar esses jogos contra a nossa liga, que neste momento é a liga da salvação.