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Entrevista a Javi Moreno: "Antes de ir para Milão, estive quase a assinar contrato com o Barcelona"

Javi Moreno, na final da UEFA de 2001, com o Alavés, contra o Liverpool
Javi Moreno, na final da UEFA de 2001, com o Alavés, contra o LiverpoolOLIVIER MORIN / AFP
Javi Moreno (Silla, 1974) tem uma longa carreira no futebol, repartida por diferentes equipas: Barça C, Barça B, Córdoba, Yeclano, Alavés, Numancia, Milan, Atlético de Madrid, Bolton Wanderers, Saragoça, Ibiza e Lucena. Atualmente, é treinador do Balompédica Linense. Jesús Toledano, do Flashscore Espanha, entrevistou-o em exclusivo. O antigo avançado faz uma análise da sua carreira e analisa em pormenor a atualidade futebolística.

- Agora vemo-lo no banco do Balompédica Linense, mas tenho de lhe perguntar, voltando ao seu tempo de futebolista, se sente vertigens de quando era futebolista, onde praticamente nem tem tempo para pensar entre malas, viagens, treinos e jogos, se sente vertigens quando o futebol acaba. Porque agora vemos que passou de futebolista a treinador. Mas nesse momento, quando o futebol acaba e quando se deixa o futebol ativo, sente vertigens ou já sabia o que ia fazer? 

- Penso que é uma evolução. Penso que os futebolistas se estão a preparar pouco a pouco. É por isso que a idade, até aos 35 ou 36 anos, é verdade que agora se está a esticar muito mais, porque os jogadores estão a cuidar muito mais de si próprios. As pessoas são muito mais atléticas, têm conhecimentos de muitas coisas que se calhar no meu tempo não tínhamos e, por isso, a carreira estica-se um pouco mais. Mas a verdade é que eu não tinha vertigens, era progressivo. Houve um momento em que vi que estava a deixar um tipo e depois ele estava em cima de mim. E eu disse, afasta-te porque está na altura de o fazer. Quando vemos que a nossa cabeça o quer, mas o nosso corpo não, é altura de nos afastarmos e deixarmos os jovens seguirem as suas carreiras.

- Ia perguntar-lhe isso, porque se reformou aos 35 anos, depois de uma breve passagem por Ibiza e Lucena, e ia perguntar-lhe se parou por causa da sua condição física, porque há uma altura em que o jogador perde o entusiasmo, o que também pode acontecer, depois de tantos anos, depois de tanto sacrifício. Mas no seu caso, Javi, percebo melhor, pelo que me diz, que foi por causa da sua condição física, porque já não estava em forma.

- Sim, bem, sempre tive muito entusiasmo porque o futebol é aquilo de que sempre gostei mais. Mas é verdade que entre lesões e problemas fora do futebol... separei-me, porque afinal um futebolista é uma pessoa como qualquer outra e as coisas acontecem-nos. Tive uma separação da minha mulher, tive uma lesão importante na barriga da perna e parti oito centímetros e não foi a mesma coisa. Queria voltar a jogar, mas a minha cabeça não estava.... Eu queria, mas o meu corpo não me deixava. Depois houve um momento em que disse: "Pára, porque está na altura de parar". E a verdade é que não me posso queixar da carreira que tive. Tive sorte. Tenho de estar muito grato ao futebol por tudo o que me deu. Não no aspeto económico, do qual não me posso queixar, mas no aspeto humano de tantas pessoas que conheci, de tantos amigos que fiz, companheiros de equipa, treinadores? É toda uma série de coisas.

Javi Moreno frente a Miquel Soler, num Atlético Madrid-Maiorca
Javi Moreno frente a Miquel Soler, num Atlético Madrid-MaiorcaJAVIER SORIANO / AFP

"A época 2000-2001 foi aquela em que explodi no Alavés"

- A verdade é que se trata de uma carreira absolutamente emocionante e brilhante. Mas compreendo, Javi, que como jogador talvez o seu melhor período, aquele de que mais gostou, tenha sido no Vitória, com aquela final da UEFA contra o Liverpool. E, ao mesmo tempo, não sei se foi também a sua pior experiência como profissional, perder essa final. 

- Acaba por ser mais o facto de ter sido uma final e de eu ter marcado 22 golos nesse ano, mais seis na Taça UEFA e de ter sido muito mais importante nessa época. Mas eu já tinha feito boas épocas no Alavés da segunda divisão, no Alavés da primeira divisão no ano anterior e no Numancia quando fui promovido. Já lá estava há três ou quatro anos, com números importantes. Mas foi nessa época que explodi, em que fiz números incríveis no Alavés. É uma equipa muito humilde e a verdade é que foi o meu melhor ano por todas as experiências que tive, tanto a nível desportivo como fora do futebol, porque foi nesse ano que nasceu a minha filha.

- Passou do Alavés para o AC Milan. Como é que geriu e assimilou uma mudança tão grande e brutal? Porque, como disse, o Alavés continua a ser uma equipa histórica no futebol, mesmo na Primeira Divisão, mas de Alavés para Milão foi um passo gigantesco. Como é que geriu? Como é que se lembra de ter ouvido a notícia do interesse do Milan e como é que a transferência acabou por se concretizar?

- Eu já tinha praticamente tudo acertado com o Barcelona. Não estava assinada, mas estava praticamente feita e, no final, o AC Milan meteu-se no caminho e foi assim. Fui para lá e foi uma experiência incrível, mas custou-me sobretudo, em primeiro lugar, adaptar-me. Adaptar-me a uma língua, a costumes, a um futebol completamente diferente do nosso. E houve um impacto de um mês, um mês e meio, em que tive dificuldades. Depois adaptei-me e não houve qualquer problema. Acho que nessa época, se bem me lembro, fui o terceiro avançado que mais golos marcou entre os quatro ou cinco avançados que lá estavam, apesar de não ter jogado muito. E a experiência foi muito boa. O que é verdade é que quando se vai para um escalão tão importante vindo de uma equipa humilde, e eu vim de equipas humildes, ir para uma equipa tão poderosa é um passo muito importante.

"Em Espanha costumávamos integrar mais os jogadores vindos do estrangeiro"

- Sim, porque quando se chega a Milão e se vê o plantel com jogadores como Maldini, Gattuso, Shevchenko, Inzaghi, Redondo, Pirlo, como é chegar a esse balneário? Como é que se recorda quando chega nesse primeiro dia e vê todas essas estrelas sentadas ao seu lado a partilhar o balneário? 

- É verdade que, quando lá cheguei, havia jogadores muito conhecidos. Talvez o Pirlo não fosse tão conhecido, o Gattuso não fosse tão conhecido, porque foi a partir desse ano que eu lá estive que eles começaram a destacar-se. Mas é verdade que havia Maldini, havia Costacurta, havia Rossi, o guarda-redes, Albertini, Marco Simone, Shevchenko, que já se tinha destacado, Rui Costa, que veio da Fiorentina. Quando se chega a um balneário como este, com jogadores tão importantes, o primeiro impacto é forte. Mas eles são pessoas e trabalha-se com eles diariamente, são pessoas muito afectuosas, muito próximas, e não houve qualquer problema. É verdade que talvez aqui em Espanha tenhamos uma vantagem, pelo menos no passado, agora não sei. Mas no passado, quando os jogadores vinham do estrangeiro, tentávamos envolvê-los, acolhê-los um pouco mais, para que se adaptassem aos nossos costumes, levávamo-los a comer um pincho ou uma refeição em casa para os integrar o mais possível. Já estive em Inglaterra e em Itália e não tive isso. É verdade que estive em casa de um ou dois colegas, mas apenas um ou dois, enquanto aqui em Espanha é verdade que é mais normal ir com as pessoas beber um copo. No entanto, não me lembro de uma única vez em Itália que me tenham dito para ir comer ou beber uma coca-cola, porque cada um tinha a sua vida, acabava o treino e ia embora. Em Espanha, pelo contrário, saíamos, comíamos três pinchos de tortilha e havia mais harmonia.

Javi Moreno num dérbi de Madrid contra Roberto Carlos
Javi Moreno num dérbi de Madrid contra Roberto CarlosGETTY IMAGES/ GETTY IMAGES EUROPE / Getty Images via AFP

"O Atleti é a equipa mais compacta da Primeira Divisão"

- Outra equipa que defendeu depois do AC Milan foi o Atlético de Madrid. O que pensa da época que o Atlético de Madrid está a fazer? Vê-os a lutar pela Liga no final da época? Não sei como os vê na Liga dos Campeões... O que sente em relação ao Cholo?

- A priori, talvez não sejam os favoritos, mas é verdade que, para o meu gosto, são a equipa mais compacta da Primeira Divisão atualmente. Tem uma equipa muito completa em todas as linhas, é muito difícil de bater e tem dinamismo na frente. O Atlético de Madrid é candidato este ano a ganhar a Liga e está a prová-lo. Quem quiser ganhar-lhe vai ter de o fazer. Quem quiser ganhar-lhes vai ter de se esforçar muito.

"Hoje em dia, se olharmos para o perfil dos futebolistas, são todos muito parecidos"

- Por que é tão difícil encontrar atacantes no futebol atual e por que se paga tanto por eles? No seu tempo, nos anos 90, havia muitos bons atacantes que marcavam golos. Isso mudou um pouco? Agora parece que são mais raros, não é? 

- Sou da opinião da velha guarda. Acho que a diferença entre os avançados desta época e os da minha era é que nós ficávamos na rua, jogávamos na rua o dia todo. Hoje em dia não se vêem miúdos na rua. Agora está tudo muito mecanizado, tudo muito controlado, e nós brincávamos na rua, fazíamos batota? Aprender a fazer as coisas na rua era o que nos diferenciava a nós, futebolistas, naquela altura. E hoje em dia, se olharmos para o perfil dos futebolistas, eles são todos muito parecidos, muito parecidos, não é? Pode haver alguém como o Messi, como o Lamine Yamal, ou o Vinicius, ou o Mbappé, mas com a mão contada, não é? Além disso, é tudo muito parecido, tudo muito físico, muito tático, porque isso lhes é ensinado desde muito cedo, não é?

- Por falar em avançados, queria perguntar-lhe sobre um jogo, não me lembro bem qual, no teu tempo no Milan, em que acho que teve uma oportunidade, com o Shevchenko, num penálti, certo? O que aconteceu exatamente, Javi? 

- Foi uma falta com a Lazio, eu sofri uma falta aos 93, 94 minutos, estávamos 1-1, ali em Milão, e todos queríamos cobrar a falta, não é? Imagina, estava o Shevchenko, estava o Rui Costa, estava o Albertini, estava o Pirlo, estava o Marco Simone, todos queriam bater o livre, não é? E eu só me afastei um metro e, de repente, um dos capitães, que era o Albertini, chegou e pegou na bola e fez desaparecer toda a gente. Ele disse que ia atirar a bola, e eu olhei para ele e ele disse: vem cá, vais atirar a bola. E... ele parecia que ia rematar e, no momento em que ia rematar, tocou-a para a minha direita e eu acertei e marquei, e ganhámos 2-1. Mas não tive isso com nenhum dos meus companheiros de equipa em Milão.